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Hassan tinha chegado a Malta, mesmo antes da festa, com ordens para tomar conta da operação. Estava encarregue de resgatar o máximo de dados hieroglíficos que pudesse e de destruir os restantes. Felizmente, os seus homens já se haviam infiltrado no serviço de segurança do museu. Fingindo serem guardas legítimos, tinham tomado conta do armazém e estavam prontos para procurar e remover os artefactos. Tudo o que Hassan precisava, para que o seu plano se desenrolasse sem problemas, era de manter o encarregado de segurança a falar para o resto dos seus homens.

Ficou de pé, por detrás desse mesmo encarregado, com uma pistola na mão, enquanto o homem falava aos guardas designados para o salão de baile através de um rádio. No que parecia ser uma suspeita maré de sorte, três quartos dos empregados da segurança estavam no salão ou em volta dele. Isso deixava apenas oito homens no armazém e dois deles estavam a trabalhar secretamente para a Osiris.

Hassan sabia que os artefactos nesse armazém eram valiosos, mas para ele nada valiam quando comparados com os capitães e grandes industriais, donos de iates e de aviões, que estavam a tentar comprá-los para as suas próprias coleções.

Alguém falou através do rádio. — Já fizemos as nossas rondas, mais diamantes e pérolas do que numa joalharia. Mas tudo aqui se encontra bem seguro.

O encarregado hesitou.

— Responda-lhe — insistiu Hassan, encostando-lhe uma pistola às costas.

O gerente carregou no seu próprio microfone. — Muito bem. Voltem a comunicar em trinta minutos — disse ele.

— Afirmativo. Quer trocar alguns dos guardas? Os que estão aí devem estar muito aborrecidos.

Hassan abanou a cabeça. Não havia ninguém vivo para se poder fazer trocas.

— Por agora, não — respondeu o encarregado. — Continuem a vossa vigilância por aí.

Hassan pensou que estariam a salvo durante algum tempo. — Mostre-me lá onde estão os lotes trinta e um, trinta e quatro e quarenta e sete — disse ele.

O encarregado demorou tempo de mais a pensar. Hassan deu-lhe uma estalada com as costas da mão que o fez cair, arrastando com ele a cadeira onde estava sentado.

— Ficas a saber que não gosto de esperar — explicou Hassan.

O encarregado do turno da noite levantou as mãos de um modo submisso. — Já lhe irei mostrar.

Hassan voltou-se para o Escorpião. — Arranja os explosivos e qualquer coisa que nos ajude a transportar os artigos. Se precisarmos, destruí-los-emos, mas eu preferia levá-los para o Egito de onde nunca deveriam ter saído.

Apontou para um segundo homem. — Infeta o computador com o vírus Cyran. Quero que todos os registos destes artefactos sejam apagados.

O homem acenou afirmativamente com a cabeça e Hassan ficou muito satisfeito. Tudo parecia estar em ordem. Mas ninguém prestou atenção aos trémulos ecrãs de televisão que mostravam o que as câmaras de segurança iam captando. Um ou dois vultos, vestidos de negro, poderiam ser vistos na parte escura do armazém.

O Escorpião voltou a aparecer com um carrinho de quatro rodas.

— Excelente! — exclamou Hassan. — Comecemos com o lote trinta e um.

Joe parou diante de uma caixa rígida de plástico. Ao lado da mesma, havia uma placa onde se lia XXXI.

— Trinta e um — disse ele.

Joe abriu a caixa e desembrulhou uma folha de Nomex à prova de fogo. Por baixo desta via-se uma placa partida, com arte egípcia.

Pintado nessa placa observava-se um homem alto e verde que levantava a mão sobre um grupo de pessoas estendidas no chão de um templo. Homens e mulheres em trajes brancos estavam por detrás deles. Linhas que partiam da mão do homem de pele verde, para os que dormiam ou estavam mortos, davam a entender que ele os estava a fazer levitar. Num canto de cima, um disco, que poderia ter sido o Sol ou a Lua, estava coberto como se durante um eclipse.

Joe tinha passado algum tempo no Egito onde chegara mesmo a fazer algumas explorações arqueológicas, de modo que reconheceu parte dessa iconografia.

Joe pegou num fio conectado a um auscultador. Se o apertasse, poderia falar e esse sinal seria transmitido a Kurt. — Encontrei a placa que contém arte egípcia — afirmou ele. — Devias ver este fulano de cor verde, é enorme.

— Tens a certeza de que não se trata de uma primeira versão de O Incrível Hulk? — respondeu Kurt, muito calmo.

— Olha que isso até seria uma coisa bastante interessante… — murmurou Joe.

Levantou a câmara, tentando assim captar o trabalho artístico, depois cobriu-o e continuou as suas investigações.

No outro lado do armazém, Kurt estava a ter menos sorte, mas ia progredindo o mais rápido que se atrevia. Como era o caso, na maioria dos museus, este tinha mais artefactos do que os que conseguia expor. Assim, emprestavam muitas vezes algumas dessas peças a outras instituições semelhantes e rodavam as exposições. Contudo, parte do excedente ficava nesse armazém.

Tal facto, juntamente com a ausência de qualquer método de organização discernível estavam a dificultar ainda mais esse trabalho. Até ao momento, Kurt descobrira algumas secções, que datavam do conflito no Peloponeso e do Império Romano, lado a lado com artefactos de ambas as Guerras Mundiais. Encontrara uma secção de relíquias da Revolução Francesa, armas que os britânicos tinham usado em Waterloo e até mesmo um cachecol, alegadamente usado para estancar o sangue do Almirante Nelson, quando este fora ferido na Batalha de Trafalgar.

Kurt imaginava que esse cachecol poderia ter tido um significado quase religioso para a Marinha Real Britânica se fosse, efetivamente, autêntico. O facto de estar à venda em Malta fazia com que ele duvidasse da sua proveniência. Mas já houvera tesouros descobertos em quintais.

De seguida, encontrou artefactos napoleónicos, incluindo alguns com legendas ao lado; num deles lia-se XVI.

Parece que estamos a dar um passo na direção certa, disse para si mesmo.

A primeira coisa que descobriu foi um maço de cartas, incluindo ordens que Napoleão dera aos seus comandantes, exigindo mais disciplina nas fileiras. O lote seguinte de documentos eram pedidos de mais dinheiro. Uma carta fora enviada para Paris mas tinha sido intercetada pelos britânicos. Finalmente, havia uma pequena caixa, designada como sendo o Diário de Napoleão.

Apesar da pressa com que estavam, Kurt não pôde deixar de lhe dar uma vista de olhos. Nunca antes ouvira falar do diário desse imperador. Abriu a caixa e um envelope à prova de fogo que protegia o livro. De facto não se tratava de modo algum de um diário, mas de um exemplar da Odisseia de Homero, em grego. Folheou as páginas. Aqui e ali, viam-se anotações em francês, escritas nas margens. De Napoleão? Pensou que fosse essa a ideia, mas também uma que estivesse aberta ao debate.

Não obstante, à medida que ia estudando as folhas, notou algo mais: tinham posto círculos em certas palavras e faltavam algumas páginas. Dado os pedaços de papel junto à lombada em que reparara, era fácil ver que as mesmas tinham sido arrancadas. A folha de prospeto ligada ao «diário» indicava que o mesmo estivera sempre com o imperador deposto até à sua morte em Santa Helena.

Apesar da curiosidade que tudo isso lhe despertava, Kurt fechou o livro, selou a caixa em que se encontrava e prosseguiu. Era decerto interessante, no entanto, os homens que tinham matado Kensington estavam à procura de artefactos egípcios.

Na secção seguinte, Kurt encontrou dois tanques de vidro, cada um deles do tamanho de uma pequena camioneta. O primeiro albergava vários tesouros, em estantes de porcelana, e assemelhava-se quase a uma gigantesca máquina de lavar. O segundo continha dois grandes tubos de canhões, suspensos por cordas. Uma anotação, escrita a lápis de graxa sobre o vidro, indicava que os tanques estavam cheios de água destilada, um método comum para retirar sal entranhado em objetos, de ferro ou de latão, que tinham sido retirados do mar.

Olhou através do vidro, mas não havia ali nada egípcio.

— É como no supermercado — murmurou. — Estou sempre a fazer compras na ala errada!

Mudou de corredor e depois parou e acocorou-se nas sombras. Viu movimento diante dele imerso no lusco-fusco, mesmo ao fundo. Tratava-se de um homem e de uma mulher. Estranhamente, estavam vestidos como participantes na festa e ambos tinham pistolas na mão.