27

Kurt pressionou o botão para falar no seu auscultador e disse a Joe: — Creio que temos companhia.

— Neste lado, também não estou sozinho — respondeu Joe.

— Encontra-me a meio caminho — sugeriu Kurt. — Temos de nos proteger.

Recuou e encontrou-se com Joe, perto dos dois tanques cheios de água destilada.

— Um grupo de homens armado até aos dentes saiu do escritório — informou Joe. — Estavam vestidos como guardas, mas levavam um homem detido. De modo que eu diria que houve uma forma de assumir controlo da mais hostil natureza. Sugiro que nos escondamos ou que saiamos de cena pela esquerda — disse, apontando para a parte de trás desse corredor.

— Não podemos ir por aí — afirmou Kurt. — Há um casal que vem também dessa direção.

— Mais guardas?

— A não ser que haja guardas de smoking e com vestidos de noite. Deviam ter vindo da festa.

Antes que algo mais fosse dito, ouviram um som abafado de rodas a rolarem pelo chão de cimento. Dois focos de luz de lanternas percorriam calmamente as prateleiras em frente, no momento em que o grupo que Joe vira se aproximou da esquina.

— Achas que devíamos voltar para o caixote? — perguntou Joe.

Kurt olhou em volta. Já não sabia onde se encontraria o segundo grupo e não gostava da ideia de andar pelo armazém esperando não esbarrar com doidos armados com pistolas, especialmente quando parecia haver por ali tantos.

— Não — disse ele. — Precisamos de nos esconder.

— Pois. Mas não há bons sítios por aqui.

Joe tinha razão. As prateleiras ou estavam demasiado cheias para que eles se pudessem introduzir nelas, ou eram por de mais exíguas para lhes oferecer alguma proteção. Olhou por cima do ombro para os enormes tanques semelhantes a aquários e para os tubos de canhão dentro deles. Era a única oportunidade que lhes restava. — Temos de nos molhar!

Joe voltou-se, olhou para o tanque e acenou afirmativamente com a cabeça. Treparam por um pequeno escadote ao lado do tanque e tentaram entrar nele o mais suavemente possível. Quando as pequeníssimas ondas se dissiparam, escolheram um lugar por detrás do primeiro tubo de canhão e aí ficaram a olhar para o que se passava, como dois crocodilos por detrás de um tronco de árvore num pântano.

O primeiro grupo apareceu: cinco homens, três com pistolas, um deles a empurrar um carrinho e um outro que parecia estar à mercê deles, com uma pistola apontada às costas. Estavam todos vestidos como fazendo parte de uma equipa de segurança, tal como Joe os tinha descrito. Continuaram a andar sem olhar para os tanques e, em breve, enveredaram por outro corredor e desapareceram.

— É óbvio que estão aqui para vir buscar qualquer coisa — murmurou Kurt.

Mas, antes que pudesse continuar a falar, apareceu o casal. Contudo, em vez de se juntarem aos outros, moveram-se mais cautelosamente, escolhendo o caminho através desse corredor e examinando o que se encontrava nas prateleiras.

Kurt conseguia ouvi-los a falar entre dentes. A parte de trás do tanque, que era mais alta do que a parte da frente, funcionava como uma câmara de eco, captando e ampliando os sons.

— Estou a ver o que disseste sobre a mulher — murmurou Joe.

Ela era alta e magra, com um vestido de noite preto, com uma grande racha na saia. Por estranho que pudesse parecer, tinha sapatos rasos. Viram-na a debruçar-se perto de uma das prateleiras.

— Aqui está uma outra, mas não consigo ler a legenda. Está muito escuro por aqui — ouviram-na dizer.

O homem de smoking olhou em volta e tomou o que lhe pareceu ser uma decisão acertada. — Vamos, depressa. Não gosto nada de multidões.

Com pistolas com silenciadores, bem apertadas nas mãos, o casal afastou-se.

— Algo me diz que estes não estão com os outros — disse Kurt, afirmando o óbvio.

— Mas, afinal, quantas pessoas andam por aqui a roubar? — perguntou Joe.

— Olha que há muitas… — disse Kurt. — Este deve ser o armazém menos seguro do mundo ocidental.

— E nós somos os únicos sem armas — retorquiu Joe. — Sem dúvida uma grande desvantagem.

Kurt não poderia ter concordado mais com ele, mas algo o estava a aborrecer. — O homem de smoking — começou ele. — Não lhe reconheceste a voz?

— Vagamente — admitiu Joe. — Mas não estou a ver de onde.

— Eu também não — disse Kurt. — Não lhe pude ver bem a cara, mas sei que já ouvi aquela voz.

O corredor parecia desimpedido por momentos. — Achas que devíamos sair daqui? — perguntou Joe.

— Não me parece que conseguíssemos sequer chegar à porta — respondeu Kurt. — Temos de assustar todos os que aqui estão e alertar as autoridades. A única maneira de o fazer é acionarmos um alarme de incêndio. Viste algum?

Joe apontou para o teto. — E aqueles?

Kurt olhou para cima. Um sistema de canos espalhava-se pelo teto como uma rede elétrica. Em vários pontos, peças salientes e sensores em forma de cone surgiam com lâmpadas LED de cor verde. Tinham de ser detetores de calor ou de fumo.

— Consegues ir até lá acima? — perguntou Kurt.

— Estás a falar com o campeão de ginástica da Saint Inacio — respondeu Joe.

— Não faço ideia do que isso possa ser — disse Kurt. — Mas vou imaginar que me estás a dizer que sim.

— Confia no que te digo — disse Joe. — A armação em volta das prateleiras irá tornar tudo mais fácil.

Com um breve olhar através do corredor, Joe saiu do tanque, pôs-se num escadote e começou a trepar. Logo que chegou ao segundo nível, começou a andar pela margem de uma prateleira até chegar a outro escadote. Estava quase a tocar no teto quando se ouviram vários tiros e tudo se transformou num pandemónio.