O mergulhador apontava furiosamente para a escavação do barco naufragado. Escreveu então mais qualquer coisa no quadro.
Quando atacarem, eles fazem explodir a bomba.
Kurt começou a dar-se conta do padrão. Os indivíduos queriam as antiguidades, mas, caso não as pudessem obter, estavam determinados a que mais ninguém ficasse com elas. — Mostre-me.
O mergulhador hesitou.
— Mostre-me!
Relutantemente, o mergulhador começou a nadar, devagarinho, levando Kurt para perto do navio naufragado. Quando chegaram, fez incidir uma luz sobre o local. A equipa usara aspiradores para escavar toneladas de sedimento. Tinham retirado alguns artigos e descartado tudo o que não lhes tivesse parecido egípcio. Mosquetes, botas velhas e barris podres estavam amontoados, como se formassem um monte de lixo.
Do barco, restava apenas um esqueleto. Muita da madeira do casco já desaparecera, vendo-se apenas as costelas do navio, feitas de vigas mais grossas. Deslizando por sobre aquelas «costelas», Kurt viu aquilo que o mergulhador lhe havia mencionado. Não uma bomba mas duas. Tratava-se de cargas de C-4 ligadas a temporizadores digitais, tal como eles tinham tentado fazer no armazém. O problema era que esses explosivos tinham sido postos dentro da ossatura do navio, como bifes atirados para dentro da jaula de um animal.
Kurt manobrou um pouco mais perto, agarrou-se à madeira incrustada e tentou examinar melhor. Os temporizadores digitais mostravam um número alarmante: 2:51, e a descer.
Kurt tentou introduzir-se através do espaço para alcançar as bombas, mas este era demasiado estreito. Ainda estendeu um braço para agarrar uma, mas os seus dedos em nada conseguiram tocar. Ambos os explosivos se encontravam pelo menos a um palmo ou dois do seu alcance.
— Joe — chamou ele. — Será que me podias ajudar?
Joe e o Tartaruga chegaram no preciso momento em que o temporizador registava 2:00. O ROV tinha um braço manipulador que Joe rapidamente estendeu, mas, mesmo esse, não conseguia atingir o objetivo.
— É melhor sairmos daqui o mais depressa possível — sugeriu Joe. — Não vou conseguir extrair estas cargas.
— É demasiado tarde — respondeu Kurt. — Nunca nos iremos conseguir afastar para longe o suficiente. Se considerarmos a quantidade de C-4 que aqui está, estou certo que seremos esmagados por uma onda de choque, como um submarino a ser atingido por uma mina. Precisamos de uma outra opção.
Algo lhe deu um encontrão, e Kurt voltou-se para ver o mergulhador que ele resgatara a empunhar a mangueira de um aspirador.
— Excelente ideia — disse ele.
O aspirador ainda estava a trabalhar, chupando uma pequena quantidade de água. Kurt mergulhou a mangueira na estrutura do navio e abriu a válvula.
À primeira tentativa, conseguiu retirar o grande bloco quadrado de explosivos, que ficou colado à abertura da mangueira. Kurt puxou então a escavadora mais para si e, logo que o volume se separou dos restos do navio, Joe conseguiu agarrar na carga.
Retirar os fios elétricos não era assim tão difícil, mas Joe parou também o temporizador, por uma questão de segurança.
— Quarenta segundos — disse ele, olhando para os números parados no pequeno ecrã. — Tratemos agora do segundo.
Kurt já estava a fazer descer a mangueira do aspirador. Apontou-a à segunda bomba, mas esta, uma carga do tamanho de uma bola de basebol, em vez de ficar presa na extremidade da mangueira, como acontecera com a primeira, desapareceu, rapidamente sugada.
Kurt e Joe olharam para cima, com os olhos postos na mangueira que subia até à superfície.
— Onde achas que aquela bomba vai acabar? — perguntou Joe.
Kurt não lhe respondeu, mas ambos sabiam a resposta. A única questão seria se a bomba viajaria mesmo até lá acima em quarenta segundos, ou ficaria presa algures. Kurt manteve a sucção no máximo, esperando que a encomenda pudesse chegar ao seu destino.
À superfície, o chocalhar ruidoso do compressor que alimentava o aspirador-escavador passara de um som discreto a uma sequência de urros. O indivíduo que estava encarregue desse maquinismo, cujo nome era Faruk, parecia ter ficado muito contente, pois começara a pensar que o trabalho lá em baixo já estava feito.
Até então, tinham recuperado apenas algumas bugigangas, mas nada de especial. Ele já começava a ficar preocupado. Cada vez que passava um navio ao largo, pensava se se trataria da NATO ou de um barco-patrulha de Malta.
Foi até ao local onde as mangueiras despejavam o que vinha do fundo sobre a rede metálica, muito feliz ao ver que a água que fluía sobre a mesma se transformara numa verdadeira torrente, quase tudo água, no entanto, com um pouco de sedimentos. Mas isso poderia mudar a qualquer minuto. Por fim, uma onda de lodo surgiu e, atrás dela, algo sólido. Ficou presa na rede e um dos homens pegou-lhe.
— Não! — gritou Faruk.
A explosão abafou o grito e rebentou com Faruk e com o outro homem que estava na barcaça. A rede, o compressor e uma secção extensa do casco suportaram o resto do rebentamento.
A água começou logo a entrar e a popa da barcaça baixou de imediato.
O único sobrevivente levantou-se então de um lugar no convés perto da proa. Sentia um tinido nos ouvidos, a cabeça a andar à roda. Enquanto via as águas esverdeadas a invadirem o convés e se apercebia de que o barco se começava a inclinar, não perdeu tempo a pensar noutra coisa. Atirou-se borda fora e começou a nadar para o outro barco.
Quando chegou às escadas de ferro, um dos homens foi ter com ele para o ajudar, no entanto, antes mesmo que ele pudesse pôr um pé na primeira barra, algo de cortante lhe atacou as pernas, apertando-o e arrastando-o para trás. Foi assim desviado das escadas.
Tubarão, pensou ele, temendo uma morte horrível. Porém, quando olhou para trás, viu uma mancha amarelada. Era um submersível a fazer marcha-atrás com umas pinças a agarrarem-lhe as pernas e puxando-o para baixo de água.
Assim que estava quase a desmaiar, a pressão abrandou e ele foi libertado. Veio à superfície e reparou que estava a cem metros do barco de mergulho e incapaz de fazer muito mais para além de tossir e manter-se à tona de água.
Os dois homens no barco de mergulho mantinham as armas na mão, observando as águas em redor, pois sabiam que estavam a ser atacados.
— Vês alguma coisa? — gritou um deles.
— Não.
— Examina o outro lado.
— Além! — respondeu o segundo.
Abriu fogo sobre o que pensava ser um submarino, com as balas a perderem-se na água. Fosse o que fosse que ele alvejara, desaparecera rapidamente.
— Além! — gritou o primeiro homem, observando uma mancha amarela.
O submersível estava a deslizar, mesmo por baixo da superfície, na direção deles, com o casco claramente visível à luz do Sol. Ambos os homens apontaram e começaram a disparar, com as balas a levantar cordas de água.
No entanto, o monstro amarelo continuava a avançar. O casco elevou-se então à superfície, tornando-se um alvo fácil. Os dois homens despejaram munições sobre ele, mas este prosseguiu, até embater contra eles.
O impacto abanou o barco, mas eles mantiveram o equilíbrio apesar de a máquina ter deslizado para um lado para, em seguida, derrapar ao longo do casco e desaparecer na distância.
Só nesse momento se deram conta de que ninguém se encontrava no interior do submersível.
Um assobio prolongado por detrás deles acabou por esclarecê-los. Voltaram-se para ver um homem de cabelo platinado, de pé, num fato de mergulho, a apontar uma das espingardas APS na direção deles.
Kurt tinha vindo à superfície por detrás deles e conseguiu entrar no convés enquanto os homens estavam preocupados com o ataque da máquina amarela.
— Atirem com as armas para a água — exigiu ele.
Eles fizeram o que lhes era pedido e puseram as mãos no ar.
— Deitados de barriga para baixo no convés — disse ele. — Mãos por detrás da cabeça.
Também seguiram essa ordem.
Apontando-lhes uma espingarda, ele aproximou-se do capitão do barco de mergulho e usou a faca para o libertar e lhe cortar a mordaça.
— Eles ainda têm os meus homens lá em baixo — disse o mergulhador-chefe num inglês macarrónico.
— Não se preocupe — disse Kurt. — Os seus homens estão bem.
O chefe abanou a cabeça. — Esses trabalhadores já estão lá em baixo desde o nascer do dia e o nosso tanque de descompressão estava na barcaça.
— Nós temos um no nosso barco — disse-lhe Kurt. — Vamos trazê-lo. — Em seguida contactou o Sea Dragon, usando o rádio de bordo.
— E os D’Campion? — perguntou o mergulhador-chefe. — São eles que gerem a Conservação.
— E daí?
— Estes bandidos têm-nos nas mãos.
— Deveria ter calculado — refletiu Kurt. Apontou uma pistola a um dos bandidos. — Rádio ou telefone?
— Telefone — disse o homem. — Na minha mochila.
Kurt retirou um telefone via satélite da mochila verde e forçou o seu prisioneiro a ligar o número.
— Vamos lá — disse uma voz rude. — Estão a chegar a algum lado?
Kurt retirou-lhe o telefone da mão e disse: — Você é que é o sujeito que tem os D’Campion como reféns?
— Quem está a falar?
— Chamo-me Austin — esclareceu Kurt. — E com quem tenho eu o desprazer de estar a falar?
— Se não sabe o meu nome, é melhor mantermos as coisas neste pé — sugeriu o homem.
— Eu já irei saber… — disse Kurt. — Logo que interrogarmos os seus homens, iremos saber tudo acerca de si e do que anda à procura.
O riso foi a primeira resposta. — Esses homens nada sabem de importante. Vá, tente torturá-los. Faça o seu pior. Acredite que não irá saber mais do que já sabe.
Kurt estava em desvantagem, uma situação que ele teria de remediar bem depressa. — Talvez — disse ele. — Mas, sem dúvida, iremos saber alguma coisa com base nos artefactos que eles conseguiram retirar do mar. As antiguidades egípcias devem ser um hobby bem excitante. Estou curioso por saber quem será esse enorme indivíduo verde. Parece ter poderes mágicos para ressuscitar pessoas.
Era um bluff, mas pareceu funcionar. Dessa vez, em vez de riso, ouviu-se um longo silêncio. Uma resposta muito melhor, pensou Kurt. Ele sabia que tinha aflorado um certo nervo.
— Você tem a placa?
— De facto, tenho três — mentiu Kurt.
— Estou pronto a negociar consigo — disse o homem do outro lado do telefone.
— Sou todo ouvidos.
— Se me trouxer as placas, entrego-lhe os D’Campion ainda vivos.
— Ótimo — concordou Kurt. — Diga-me onde poderemos conversar.