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Joe e Renata seguiram Kurt quando este começou a descer as escadas, movendo-se rápida e silenciosamente. Em fila indiana, percorreram a sala dos geradores, chegando à secção da parede que se abria, quando esta já começava a fechar-se.

— Lá para dentro — disse Kurt, acocorando-se no escuro. Joe e Renata seguiram-no e os três já se encontravam no túnel quando a porta se fechou.

Esta foi mesmo até ao solo e a escuridão era quase total. Na distância, conseguiam ver luzes na carruagem, que iam atingindo as paredes e o teto, à medida que esta progredia.

Contudo, encontrava-se outra carruagem vazia nos carris ao lado deles.

— Acham que deveria ver se conseguia pôr esta coisa a funcionar? — perguntou Joe. — Ou pensam que deveríamos ir a pé?

Kurt olhou para a linha. A outra carruagem estava a andar muito depressa, sem mostrar sinais de abrandar.

O som do motor reverberava pelas paredes. O estranho ecoar do local tornava difícil dizer a que distância se encontraria, mas essa mesma acústica também dificultava, para os homens que viajavam mais à frente, saber que estavam a ser seguidos.

— Vamos usar esta carruagem — sugeriu Kurt. — Por hoje, já tive exercício que me chegasse.

Joe entrou na carruagem e descobriu logo os comandos. Quando Renata entrou, Kurt foi partir os faróis da frente.

— Também se poderiam ter desligado — disse Joe. — Apenas uma sugestão minha.

Kurt caiu em si. — Uma que até nem teria sido má de todo…

Joe ligou alguns interruptores e retirou um fusível, por precaução. Depois pressionou o botão para ligar a carruagem. Três pequenos indicadores, no painel de comando, acenderam-se, mas nada mais se passou. Como um carrinho de golfe, o motor ligado a uma bateria permanecia inerte até que se empurrasse a alavanca.

— Estão todos cá dentro?

Kurt juntou-se a Renata na parte de trás, enquanto Joe empurrava a alavanca para que o motor elétrico começasse finalmente a trabalhar. Com um som suave, a carruagem foi deslizando pela escuridão, continuando a baixa velocidade e mantendo-se a uma distância de pelo menos cem metros da outra carruagem.

Não havia curvas no túnel e a conduta que lhes ficava à esquerda tornava-se para eles uma companhia constante.

— Para que será afinal esta conduta? — perguntou Renata, em voz baixa. — É óbvio que se está claramente a desviar do rio.

— Pode ser uma conduta de escoamento das águas da chuva — sugeriu Joe, num murmúrio.

— Parece-me demasiado grande para uma cidade construída no deserto onde não deve cair muita chuva — observou Renata.

— Talvez o sistema que venha da cidade convirja num único local, antes de ser enviado para esta conduta.

— Não se trata de uma conduta de escoamento — disse Kurt. — Vi que estava a sair muita água quando passámos por ela no canal, mas há semanas que aqui não chove.

— Assim sendo, de onde vem a água? — perguntou Joe.

— Não faço ideia — respondeu Kurt.

— Talvez se trate de um outro projeto da Osiris que nós não conheçamos — alvitrou Renata.

— Talvez… — repetiu Kurt, antes de mudar de assunto. — O homem de fato. Um dos árabes chamou-lhe Piola. Você pareceu reconhecer o nome. Sabe quem ele é?

— Muito provavelmente — disse ela. — Alberto Piola é um dos líderes no nosso parlamento. Ele tem sido um crítico acérrimo acerca da intervenção americana no Egito, e especialmente na Líbia. É um problema que o incomoda e que incomoda muitos no meu país, pois a Líbia costumava ser uma colónia nossa.

— Mas que estará ele aqui a fazer? — perguntou Kurt. — Especialmente agora em que metade do continente se está a desmoronar?

— Tanto quanto sei, ele está aqui para negociar qualquer coisa, mas do que se trata é algo que não faço ideia.

— Penso que ele está aqui — retorquiu Kurt — para negociar uma espécie de tributo à Osiris.

— Tributo? — inquiriu Renata.

— Pensem melhor — continuou ele. — Com base no que o ex-major Edo nos contou, a Osiris ergueu-se ninguém sabe de onde para se tornar num grande poder. Shakir, o homem que a gere, imagina ser um importante impulsionador de carreiras políticas. Ele estava ligado à velha guarda. E esta, removida do poder tão rapidamente há cerca de dois anos, está agora em plena ascensão em todos estes países, surgindo com uma rapidez que ninguém poderia ter predito. Tudo isso, claro está, ajudado por uma súbita falta de água que ainda ninguém conseguiu explicar.

Kurt olhou para eles, e reparou que eles estavam à espera que ele continuasse.

— Depois de termos arrancado o Paul e a Gamay das suas férias, soubemos que eles estavam a trabalhar com um hidrólogo líbio. Li o relatório durante o nosso voo até aqui. Sobretudo geologia. No entanto, de acordo com alguns testes que o Paul conseguiu fazer, existe um profundo lençol freático por baixo da Líbia que era suficiente para satisfazer todas as suas necessidades. De súbito, a água estava a mover-se, criando uma pressão negativa em vez de positiva, e a tornar todas as bombas inúteis. E aqui estamos nós, por baixo das areias do Egito, ao lado de uma enorme conduta, dentro da qual poderíamos guiar um camião, que parece estar a bombear toneladas de água por segundo e a despejá-las no Nilo.

— Está a sugerir que a Osiris está a causar esta seca para fomentar a revolta? — perguntou Renata.

— Se existe uma causa humana, não estou a ver mais ninguém com um motivo, ou com os meios.

— E o Piola?

— Ele quer influência na Líbia e isso custa dinheiro. Ou está aqui para pagar ou para receber. De qualquer modo, faz parte disto, e a seca está a ajudá-lo.

Joe pôs-se a observar melhor a conduta. — Não sei que quantidade de água se tem de tirar de um aquífero para causar o que Paul estava a sugerir — disse.

— É uma grade conduta — notou Kurt.

— Sim, mas não suficientemente grande — ripostou Joe.

— E que tal dezanove como esta? — perguntou Kurt. — De acordo com o website deles, a Osiris tem dezanove centrais hidroelétricas a funcionar ao longo do Nilo. E se todas elas estiverem a extrair água do aquífero?

Joe assentiu com a cabeça. — Usando a própria energia do rio… Uma decisão brilhante!

— Assim, tudo se começa a ligar. A Névoa Negra, a seca… tudo conduz à Osiris

Dez minutos mais tarde, o cenário começou finalmente a mudar. — Uma luz ao fundo do túnel — murmurou Renata.

Kurt teve a impressão de que não se tratava, efetivamente, do fundo do túnel, mas, pelo menos, era uma paragem na linha.

Por mais de vinte minutos tinham viajado na mais completa escuridão; a única luz era a que emanava do painel de controlo e da carruagem em frente deles.

— Parecem estar a abrandar — observou Joe.

— É melhor não nos aproximarmos muito — disse. — Se eles pararem, não quero que nos ouçam a carregar nos travões a fundo.

Joe abrandou bastante a velocidade da carruagem. O veículo diante deles estava a fazer o mesmo e depois entrou num desvio, abandonando esse túnel.

Joe parou a cerca de cem metros dessa abertura e os três seguiram a pé.

Quando chegou à esquina do túnel, Kurt tentou dar uma vista de olhos para o outro lado.

O que ele viu surpreendeu-o. Voltou a olhar para os seus amigos.

— Então? — perguntou Joe, entre dentes. — Estamos sozinhos?

— Se não contarmos dois indivíduos com dois metros e meio de altura, cabeças de chacal e lanças na mão… — relatou Kurt. — Anúbis.

— Estás a referir-te ao deus egípcio?

— Pois estou.

Kurt desviou-se, de modo a que os outros pudessem ver os detalhes da sala, uma caverna com tetos abobadados e paredes feitas de pedra cor de areia, iluminada por uma série de lâmpadas ligadas a um serpenteante cabo preto. Havia arte egípcia e hieróglifos numa das secções, enquanto a outra parecia ter-se desmoronado. As duas grandes estátuas ladeavam a entrada de um túnel escavado à mão na parede do fundo.

— Mas onde estamos nós? — perguntou Renata.

— Eu perguntaria antes, quando é que estamos… — retorquiu Joe. — Iniciámos a nossa jornada numa central hidroelétrica moderna para acabarmos no Egito antigo. Sinto que regredimos cerca de quatro mil anos.

Quer a conduta quer o túnel pareciam correr ao longo da direção oeste. Ao lembrarem-se das fotografias da central elétrica da Osiris tiradas por satélite, ele recordava-se que não existia nada para oeste a não ser ruas congestionadas e prédio após prédio com lojas térreas, armazéns e escritórios. Mais ao longe, eram edifícios de apartamentos e pequenas casas já no deserto, onde…

— Se calhar, não andas muito longe — disse Kurt.

— Olha que estou espantado com a tua concordância… — admitiu Joe.

— Com base na velocidade da carruagem e considerando o tempo que estivemos no túnel, creio que estávamos a dez ou a doze quilómetros a oeste do rio… — Depois, voltou-se para Renata. — Acredito que o seu desejo se irá tornar realidade.

— Qual desejo?

— O de ver de perto as pirâmides — respondeu ele. — De acordo com os meus cálculos, estamos mesmo por baixo delas.