—Por baixo das pirâmides? — perguntou Renata.
— Ou, pelo menos, por baixo do planalto de Gizé — retorquiu Kurt.
— E a grande profundidade?
— Não é fácil responder a isso, mas parece-me que viemos a descer durante uma parte do nosso percurso, ora, Gizé fica, pelo menos, a sessenta metros acima do nível do rio. Poderemos estar neste momento a cento e cinquenta metros de profundidade, ou até a mais.
— Assim, não me parece que possamos ver as tais pirâmides, não é verdade?
Kurt olhou em volta. Para além do túnel com os carris e a conduta, a única maneira de ali entrar ou sair era o caminho guardado pelas duas estátuas de Anúbis. — A não ser que nos consigamos juntar ao resto dos excursionistas…
— Surpreende-me o facto de não haver aqui guardas — disse Renata.
Kurt respondeu: — Os guardas estão no alto da torre a ver o que se passa. Nós já estamos no coração da fortaleza.
O túnel era mal iluminado por lâmpadas de baixa voltagem, de vinte em vinte metros. Em alguns lugares, a passagem parecia uma fissura, noutros, era claro que fora escavada na rocha com ferramentas primitivas e, em algumas secções mais à frente, tinha sido escorada usando métodos modernos.
Após uma parte a descer, o túnel tornava-se plano e continuava em linha reta. Ao longo das paredes, havia nichos escavados que faziam lembrar as catacumbas de Roma, contudo, em vez de terem cadáveres humanos, tinham animais mumificados. Crocodilos, gatos, pássaros e sapos. Centenas e centenas de sapos.
— Os egípcios mumificavam toda a espécie de coisas — disse Joe. — Principalmente crocodilos que encontramos em muitos túmulos devido à sua ligação a Sobek, um dos seus deuses; os gatos porque poderiam afastar os maus espíritos. Também se encontraram pássaros. Existe uma enorme cripta numa gruta escura ao lado das pirâmides (quem sabe se mesmo por cima de nós) chamada a tumba dos pássaros. Não existem aí quaisquer humanos.
— E rãs? — perguntou Kurt, examinando uma espécie de sapo ainda com algumas ligaduras. — Haveria um deus rã ou algo semelhante?
Joe encolheu os ombros. — Não que eu saiba.
Continuaram a andar e, em breve, chegaram à entrada de uma sala muito bem iluminada. Kurt dirigiu-se para a abertura. Tinha a impressão de estar no balcão de uma ópera, a meia altura e ao lado do palco. Na parte inferior aberta dessa caverna haveria espaço para um pequeno congresso. Luzes modernas iluminavam-na, mas tudo o mais era de origem antiga.
As paredes eram lisas e cobertas de hieróglifos e de frescos. Numa parede representava-se um faraó a ser servido por Anúbis, outra mostrava um deus egípcio de pele verde a ressuscitar um faraó morto. Um terceiro painel mostrava homens com cabeça de crocodilo, a nadarem no rio e a apanharem rãs e tartarugas.
— Tu que és o egiptólogo de serviço — disse Kurt para Joe. — Que é que isto poderá querer dizer?
— O fulano de pele verde é o mesmo que nós vimos nas placas do museu. Trata-se de Osíris, deus do submundo. É ele quem decide quem permanece morto e quem regressa à vida. Ele também é responsável por dar vida às colheitas e por adormecê-las, no final da estação.
— Osíris a trazer os mortos de novo à vida… — observou Kurt. — Que apropriado…
— Esses homens-crocodilos são representantes de Sobek — acrescentou Joe. — Este deus também tem algo a ver com a morte e com a ressurreição, tendo salvado Osíris uma vez em que ele foi traído e cortado aos bocadinhos.
Kurt acenou afirmativamente com a cabeça e olhou melhor para o cenário. No centro, encontrava-se uma longa fila de sarcófagos. Num dos lados, havia uma versão mais pequena da esfinge, coberta com folha de ouro e lápis-lazúli iridescente. No lado oposto, quase por baixo deles, via-se um fosso cheio de água e quatro crocodilos grandes.
Um deles rugiu e contorceu-se violentamente quando um outro se aproximou.
— Não sei porquê mas gosto mais dos mumificados — disse Kurt.
— Eram, sem dúvida, mais pequenos — observou Joe.
Parecia que o fosso por baixo deles estava recuado alguns palmos, sendo, aparentemente, suficientemente profundo para manter aí os crocodilos enquanto dois homens descontraídos passavam por eles, antes de entrarem num túnel no extremo da enorme sala.
— Têm a certeza de que não estamos dentro de uma das pirâmides? — perguntou Renata.
Joe abanou a cabeça. — Já estive três vezes em Gizé — acrescentou Joe — e, que eu saiba, isto nunca fez parte da excursão.
— É incrível — afirmou Kurt. — Já ouvi falar de cavernas e de câmaras por baixo das pirâmides, mas, geralmente, naqueles programas de televisão em que insistem que os alienígenas construíram tudo e depois acabaram por abandonar todas as coisas.
— Mas como é que alguém poderia ter construído algo como isto? — perguntou Renata. — Como poderiam trabalhar aqui no escuro?
Joe acocorou-se e tocou no chão, agarrando no que pareciam ser pedaços de sal. Grande parte da caverna parecia estar coberta por essa substância. — Isto é carbonato de sódio — disse ele. — Os egípcios chamavam-lhe natrão. Trata-se de um secante que ajudava o processo de mumificação, mas que, combinado com certos óleos, permite fazer uma fogueira que não deita fumo. Foi assim que fizeram a luz suficiente para trabalharem nas tumbas e nas minas. Este lugar poderá ser ambas as coisas.
— Uma tumba e uma mina?
Joe assentiu com a cabeça. — No entanto é estranho — acrescentou. — O natrão encontra-se geralmente em locais onde houve água que secou.
— Talvez esteja a ser bombeada — sugeriu Renata.
Kurt pôs-se a pensar. — Porquê então transformá-la numa tumba?
— É que assim matavam dois coelhos com uma só cajadada. Ao porem aqui a tumba, poderiam escavar o sal e o natrão e depois trazerem os mortos e usarem os materiais que já aqui estavam para os mumificar neste mesmo sítio.
— Imaginem — observou Renata. — Uma tumba ainda por encontrar com mais ouro e arte do que a de Tutancámon…
— Porque a Osiris International a encontrou primeiro — disse Kurt. — Este lugar deve ter qualquer coisa a ver com a Névoa Negra.
— Talvez eles tivessem encontrado o que D’Campion e Villeneuve andavam aqui à procura.
— Isso faz todo o sentido — observou Kurt. — E quando descobriram o segredo e ficaram a saber que a coisa até funcionava bem, fecharam este lugar, escavaram o túnel e certificaram-se assim de que ninguém seria alguma vez visto a entrar ou a sair.
Ouviu-se então, vindo de baixo, o som de um pequeno motor. Kurt escondeu-se nas sombras enquanto um veículo todo-o-terreno, desenhado para mais de duas pessoas, irrompeu de um dos túneis. Tinha dois assentos, uma gaiola de proteção e uma prateleira atrás.
Dois homens de fardas pretas sentavam-se nele. Atrás deles, nessa prateleira, viam-se dois passageiros com batas brancas. Cada um tinha uma mão na gaiola e a outra numa pequena mala frigorífica, como se para a manterem segura.
O veículo atravessou o espaço mais abaixo, passou pela esfinge dourada e meteu-se pelo túnel.
— A não ser que estes tipos estejam a levar meia grade de cerveja para um estádio de basebol, diria que se trata de material farmacêutico — observou Kurt.
— Foi isso mesmo que eu pensei — afirmou Renata.
Kurt já estava disposto a ir atrás deles quando ouviu vozes a ecoarem através da câmara funerária. Podiam agora ver um grupo de homens a atravessar o espaço em frente da esfinge, passando pela fila de sarcófagos de pedra, em direção ao fosso dos crocodilos.
Pararam mesmo ao lado do fosso e não demorou até que dois outros homens se fossem juntar a eles.
— Hassan — murmurou Kurt.
— E quem é o sujeito ao lado dele? — perguntou Joe.
Kurt respondeu: — Tenho a impressão de que se trata de Shakir.