Edo estava de pé no convés do pequeno barco, a olhar para as águas do Nilo com óculos de visão noturna. Tinham-se já passado várias horas desde que Joe e os seus amigos haviam entrado no edifício da Osiris.
O helicóptero abandonara o complexo há cerca de quarenta e cinco minutos. A corrente de água vinda do canal aumentara, até se transformar numa torrente e, contudo, não havia ainda sinais deles.
À medida que as horas iam passando, Edo começava a ficar cada vez mais inquieto. Estava preocupado com o amigo, sem dúvida, mas, como homem militar, também conhecia os perigos de um assalto falhado. Deixava-os vulneráveis a um contra-ataque.
Se algum deles fosse capturado, seriam torturados até confessarem tudo. O nome de Edo seria eventualmente mencionado; ora, isso punha-o em perigo de ser assassinado, detido ou posto na prisão. E, mesmo que nada tão tremendo daí resultasse, ele iria acabar como tinha principiado, debaixo das ordens do seu cunhado, a trabalhar num emprego que ele odiava e sem qualquer oportunidade de se poder libertar.
Estranhamente, esse destino parecia-lhe pior do que qualquer outra das hipóteses.
Decidiu então que já era tempo. Começou a fazer telefonemas. Chamadas que deveria ter feito quando Joe o consultara pela primeira vez. De início, os seus velhos amigos tinham-no ignorado.
— Vocês têm de perceber — disse ele a um amigo, que fazia agora parte do Gabinete Antiterrorista do Egito. — Eu ainda ouço coisas. Ainda tenho contactos que têm mesmo de falar com pessoas como vocês. Dizem-me que o Shakir irá atacar os europeus, que causou o incidente em Lampedusa, que ele e a Osiris estão por detrás de tudo o que tem acontecido na Líbia. Temos de intervir, ou o Egito como um todo nunca irá sobreviver.
Os homens com quem ele falara formavam um grupo diverso: ex-comandos, membros atuais das forças armadas e amigos que se tinham dedicado à política. Apesar disso, as respostas deles eram estranhamente semelhantes.
«É claro que Shakir e a Osiris são um perigo», tinham eles dito, «mas que esperas tu que nós possamos fazer?»
— Temos de entrar na central — sugeriu Edo. — Se pudermos provar o que eles têm andado a fazer, as pessoas ficarão do nosso lado e os militares voltarão a salvar o país.
Seguiu-se um silêncio de chumbo, mas, por fim, os homens começaram a concordar com ele. — Temos de o fazer agora — insistia Edo —, antes que o Sol nasça. Se esperarmos até de manhã, será tarde de mais. — Cada um deles acabou finalmente por concordar.
Um coronel, que estava à frente de um grupo de comandos especial, ofereceu-se para ajudar. Vários políticos afiançaram que iriam apoiar a decisão. Um amigo, que ainda trabalhava para a Segurança Interna, concordou em enviar um grupo de agentes para acompanharem a equipa dos comandos.
Edo sentia-se responsável pelo apoio. Se isso funcionasse, se ele pudesse agrupar a tropa nesse movimento, seria o herói do novo Egito. Se isso também pudesse pôr um fim à carnificina na Líbia, o seu nome também se tornaria famoso em todo o Norte de África. Tornar-se-ia uma figura lendária. Quem sabe se não seria o próximo líder do país.
— Contactem-me quando os vossos homens estiverem posicionados — dissera-lhes Edo. — Eu próprio os conduzirei até ao interior do edifício.
Bem dentro desse labirinto de túneis, a dez quilómetros da central hidroelétrica, Tariq Shakir mal conseguia controlar a sua raiva. Estava furioso perante o fracasso que ele testemunhara, envergonhado perante os seus homens e pronto para descarregar a sua ira em alguém. Hassan era o alvo mais fácil.
Shakir chegou mesmo a pensar abatê-lo a tiro ali mesmo, mas precisava dele para coordenar a busca.
— Encontra-os!
Hassan entrou logo em ação, organizando uma busca e chamando reforços. Os veículos todo-o-terreno, ao fundo do túnel, estavam agora sem préstimo. Quando chegaram mais homens, Hassan também os enviou.
Alguns minutos mais tarde, surgiu o condutor de um dos veículos e falou com Hassan, antes de voltar a arrancar a toda a velocidade.
— Pois bem — disse Shakir. — Que têm para me dizer?
— Não vimos nenhum dos intrusos, mas encontrámos dois dos nossos veículos em mau estado. Não havia sinais que nos permitissem avaliar como ocorreu esse choque. Quando dois dos elementos da equipa mais avançada se aproximaram para investigar, caíram no chão inanimados.
— A Névoa Negra. Eles têm a Névoa Negra! — exclamou Shakir. — Onde é que isso aconteceu?
— A seis quilómetros daqui, no túnel dezanove.
Shakir olhou para o mapa. — O dezanove não tem saída.
Hassan assentiu com a cabeça, já sabendo disso com base no relatório do condutor. — Os nossos veículos todo-o-terreno pareciam ir nesse sentido quando se deu o choque. Não muito longe daí, o túnel ramifica-se. Dado que os intrusos não vieram por aqui, devem ter subido até à sala principal.
— A sala principal — observou Shakir — é como o tronco de um carvalho gigante. Há pelo menos quinze túneis que partem dela, já para não falar de dezenas de cada um desses ramos.
Hassan voltou a assentir com a cabeça. — A esta hora, poderão estar em qualquer lado.
Shakir levantou-se e correu para Hassan, agarrando-o pelos colarinhos e atirando-o contra a parede da caverna. — Tiveste três oportunidades de os matares e falhaste todas as três…
— Shakir — implorou Hassan —, ouve-me melhor.
— Manda os teus homens atrás deles. Põe todos de que disponhas nesta operação.
— Nunca os iremos encontrar — gritou Hassan.
— Mas têm de o fazer!
— É um desperdício de pessoal — proferiu Hassan. — Sabes bem, tal como eu, da extensão desses túneis. Tal como disseste ao Piola, existem literalmente milhares de túneis e de salas, centenas de quilómetros de passagens, muitas das quais ainda nem sequer constam dos nossos mapas.
— Temos duzentos homens para fazer essa busca — observou Shakir.
— Mas cada grupo estará sozinho — retorquiu Hassan. — Os rádios não funcionam aqui em baixo. Não terão modo de comunicar uns com os outros, ou connosco. Não teremos maneira de os controlar ou de avaliar o seu progresso.
— Estás a sugerir-me que deixemos os intrusos saírem daqui? — gritou Shakir.
— Pois estou — respondeu Hassan.
Mesmo através da raiva cega que sentia, Shakir sentiu que Hassan tinha uma carta na manga. — Explica-te lá melhor!
— Há só cinco saídas desta mina — observou Hassan. — Duas estão escondidas por baixo de estações de bombeamento a cargo dos nossos. As outras três podem facilmente ser vigiadas. Em vez de irmos atrás deles através deste labirinto, devíamos colocar grupos bem armados junto de cada abertura e esperar até que os intrusos saiam por uma delas. Põe no ar um dos nossos helicópteros armados com mísseis. Põe dois ou três se assim o desejares.
Ao ouvir o que lhe parecia ser um plano razoável, Shakir largou o seu tenente. — E se afinal houver mais saídas? Portais que nós ainda não encontrámos?
Hassan abanou a cabeça. — Temos andado a mapear este lugar durante o último ano. A hipótese de eles descobrirem uma saída de que nós ainda não tivéssemos tido conhecimento não me parece muito plausível. O mais provável é que eles comecem a andar por aqui e se percam, morrendo antes mesmo de encontrarem qualquer espécie de saída. Mesmo que venham a descobrir algum poço de acesso até ao exterior, que nós nunca vimos, acabarão no Deserto Branco, onde serão alvos fáceis para as nossas unidades de reconhecimento. E se chegarem a uma das saídas conhecidas, os nossos homens não tardarão a alvejá-los.
— Não, quero-os desfeitos — corrigiu Shakir — e quando acabarem de o fazer, quero ver os cadáveres deles crivados de balas.
— Vou já dar essa ordem — afirmou Hassan, compondo o casaco.
— Muito bem — disse Shakir. — Mas estou a avisar-te, Hassan, não voltes a falhar, pois não irás gostar das consequências.