55

Paul e Gamay já estavam em terra num carro alugado quando o Sol começou a nascer. Usando uma base de dados de registos do município, Gamay conseguiu encontrar a morada de Camila Duchêne e assumiu o papel de navegadora, enquanto Paul guiava por ruas sinuosas que lhe pareciam ter metade da largura que deveriam ter.

Seguir a ruela, à medida que esta se encurvava, se retorcia e parecia voltar ao ponto onde começara, era já suficientemente mau. Contudo, fazê-lo num carro com o qual ele não estava familiarizado, enquanto entrava e saía de zonas com nevoeiro, tornavam isso bem mais difícil. Quando uma camioneta passou por eles, na faixa contrária, Paul chegou-se mais à berma e acabou por arrancar uma série de arbustos que não estavam no lugar certo.

Gamay olhou para ele de um modo reprovativo.

— Não sabia que também te dedicavas ao paisagismo! — exclamou ela.

Finalmente, chegaram ao centro da cidade. Paul estacionou no primeiro lugar que conseguiu encontrar. — É melhor fazermos o resto do caminho a pé — disse ele.

Gamay abriu a porta. — Boa ideia. Será mais seguro para ambos, inclusivamente para a vida das plantas…

Com a morada na mão, começaram a andar por uma travessa calcetada em direção ao que lhes pareceu ser um pequeno castelo. Duas torres circulares de pedra ligadas por uma muralha bloqueavam o caminho, mas um arco ao centro permitia-lhes a passagem.

— Trata-se das Portes Mordelaises — observou Gamay, lendo o letreiro na parede.

Passaram por baixo do arco, sentindo que estavam a entrar numa cidade medieval, o que, até certo ponto, tinha um fundo de verdade. Tinham chegado à antiga parte de Rennes e essas Portes Mordelaises eram uma das poucas partes que ainda restavam das muralhas que, em tempos, tinham rodeado a cidade.

Continuaram por uma viela até chegarem à morada. Era um pouco cedo, mas, quando Paul se aproximou da porta, cheirou-lhe a pão a cozer no forno. Pelo menos alguém estava acordado em casa.

— Só agora me apercebi de como estou cheio de fome — admitiu Paul. — Não comi nada nas últimas doze horas.

A porta abriu-se e uma senhora de cabelo branco, com talvez noventa anos, apareceu diante deles. Estava bem vestida, com um xaile nos ombros. Franziu os lábios examinando os dois americanos.

Bonjour — disse ela. — Puis-je vous aider?

Gamay respondeu: — Bonjour, êtes-vous Madame Duchêne?

Oui — disse ela. — Pourquoi?

Gamay ensaiara um discurso em francês, acerca das cartas do almirante Villeneuve, e começou a falar devagar.

Madame Duchêne pôs a cabeça de lado para ouvir melhor. — O seu francês é bastante bom para uma americana — disse ela em inglês. — Vocês são americanos, não é verdade?

— Pois somos — disse Gamay, sabendo bem que os viajantes americanos na Europa tinham por vezes uma má reputação.

Em vez de os mandar embora, Madame Duchêne sorriu e convidou-os a entrar. — Entrem, entrem — disse ela. — Estava a fazer uns crepes.

Gamay olhou para Paul que estava a sorrir de orelha a orelha. — Acho que nasci sob uma boa estrela…

O aroma na cozinha de Madame Duchêne era delicioso. Para além do pão que ela já tinha cozido, o odor a alperces acabados de apanhar, mirtilos e baunilha parecia dançar em volta da divisão.

— Por favor, sentem-se — disse-lhes Madame Duchêne. — Já não tenho muitas visitas, de modo que é um prazer para mim receber-vos.

Sentaram-se em torno da pequena mesa de cozinha, enquanto a idosa se dirigia ao balcão. Começou a partir ovos, a juntar farinha e a bater tudo. Ia falando enquanto trabalhava, olhando ocasionalmente para Paul e Gamay.

— O meu primeiro marido era americano — disse ela. — Era soldado e eu tinha quinze anos quando o conheci. Veio com o exército para nos libertar dos alemães… Querem mirtilos?

Madame Duchêne — interrompeu Gamay. — Sei que lhe poderá parecer estranho mas estamos cheios de pressa…

— Mirtilos parece-me ótimo — disse logo Paul, interrompendo-a.

O mesmo olhar reprovador voltou a incidir sobre ele. Dessa vez ainda mais intenso. Paul fingiu não ter dado por nada. — Não há necessidade de tanta pressa — murmurou ele quando Madame Duchêne retomou o que estava a fazer. — De qualquer modo vamos ter de comer e bem pode ser aqui.

Gamay revirou os olhos.

— Os mirtilos fazem muito bem — opinou Madame Duchêne sem se voltar. — Ajudá-lo-ão a ter uma longa vida.

— Não se a tua mulher te matar primeiro — murmurou Gamay, entre dentes.

Paul sorriu devido à piada. — Conte-me mais coisas sobre o seu marido — pediu ele à anfitriã.

— Ah, ele era um homem alto e bem-parecido, como o senhor — disse ela, voltando-se e olhando para Paul. — Tinha uma voz semelhante à do Gary Cooper. Não tão grave como a sua.

Gamay suspirou. Se houvesse uma mulher que quisesse seduzir o seu marido, uma francesa de noventa anos seria a menos perigosa. Para além disso, a própria Gamay estava esfomeada e, assumindo que Paul poderia ser suficientemente simpático, talvez conseguissem apurar melhor a história de Camila Duchêne desse modo.

Após o pequeno-almoço, a história surgiu. — O meu avô tinha as cartas — admitiu Madame Duchêne. — Ele nunca falava delas… Isso tinha algo a ver com a vergonha de ter tido alguém assassinado à facada na sua mansão de família… E Villeneuve não era famoso de um modo que alguém gostasse de o recordar.

— Mas a senhora tentou vendê-las, não é verdade? — perguntou Gamay.

— Há já uns anos… problemas financeiros… Estávamos a perder tudo. Depois de o meu marido ter falecido, as coisas começaram a correr muito mal. Nessa altura havia uma grande procura por objetos históricos, por qualquer coisa do tempo de Napoleão. Se tivéssemos uma faca de mesa que ele tivesse usado, podíamos pedir dez mil francos por ela.

— E isso fê-la pensar nas cartas… — alvitrou Paul.

Oui — disse ela. — Pensei que se as pudesse vender num leilão, que isso nos poderia tirar da situação em que estávamos, mal tal não aconteceu. Fomos acusados de sermos falsários, de termos forjado todos esses documentos, e ninguém nos deu o benefício da dúvida.

— Nós temos outras cartas que Villeneuve escreveu a D’Campion — disse Paul. — Se a escrita for a mesma, talvez isso possa provar a autenticidade das suas cartas.

Ela sorriu, com as rugas a complementarem a beleza dos seus olhos. — Receio que isso não seja uma grande ajuda — confessou ela —, pois acabei por dá-las.

Gamay sentiu-se muito desapontada. — A quem?

— À biblioteca, juntamente com alguns livros velhos e com as pinturas.

Paul olhou para o relógio. — Acha que a biblioteca já está aberta?

Madame Duchêne olhou para o relógio de parede. — Deve estar a abrir a qualquer momento. Esperem até eu vos arranjar um lanchinho para levarem.

A biblioteca que Camila Duchêne lhes indicara, um edifício de quatro andares, especializava-se em livros raros e em História de França. Surgiu através do nevoeiro cinzento da manhã ao lado do canal que atravessava o centro de Rennes. O que fora em tempos um rio tinha tido as margens reforçadas com paredes de cimento, para prevenir as cheias e permitir a construção. Como muitos rios da Europa, não tinha muitos embarcadouros no centro da cidade.

Dentro da biblioteca, Gamay e Paul acharam que o pessoal era um pouco reservado mas atencioso. Logo que verificaram quem eram os Trout, atribuíram-lhes um funcionário para os ajudar. Este levou-os até uma secção na parte de trás do edifício e indicou-lhes o espólio que Madame Duchêne tinha doado.

— Não demos muita importância a essa papelada — explicou ele. — Também não julgámos que as pinturas fossem muito valiosas. Pareceram-nos trabalhos amadores como recriações de cenários de batalha. Ninguém acredita que Villeneuve as tivesse pintado porque ele não era um artista. Para além do mais, também não estavam assinadas.

— Assim sendo, porque as guardaram? — perguntou Gamay.

— Porque essas são as condições sob as quais foram doadas — explicou o funcionário. — Temos de as guardar por um mínimo de cem anos ou devolvê-las a Madame Duchêne ou aos seus herdeiros. E, dado que a sua proveniência não pôde ser inteiramente desacreditada, pareceu-nos sensato aceitá-las em vez de permitirmos que pudessem acabar num local desconhecido.

Paul comentou: — Não há nada como verificar que algo que nós dispusemos numa venda de garagem vale uma fortuna.

— Venda de garagem? — repetiu o funcionário, projetando o tipo de desdém académico que os franceses pareciam ter aperfeiçoado até à sua forma mais refinada.

— Sim, onde nos vemos livres de toda a tralha — disse Paul. — As pessoas organizam-nas regularmente nos Estados Unidos.

— Tenho a certeza que sim…

Gamay tentou não se rir e manteve-se ocupada, folheando os livros. Um era um ensaio sobre grego ptolomaico, o tipo de grego que se encontrava em muitas das inscrições trilingues no Egito. Algo que parecia prometedor, dado que D’Campion e Villeneuve estavam supostamente a trabalhar em traduções. O outro era um tratado de guerra escrito por um autor francês de que ela nunca ouvira falar. Percorrendo as suas páginas, não encontrou notas ou papéis soltos lá dentro.

— E as cartas — perguntou Gamay. — Os escritos?

O funcionário pegou num dossiê fino e com uma capa moderna semelhante à de um álbum de fotografias. No seu interior, entre folhas de plástico, havia manuscritos com duzentos anos, cobertos com linhas de tinta numa letra rebuscada e já um pouco apagada, que teriam sido escritas com uma caneta de tinta permanente ou até com uma pena.

— Havia cinco cartas — explicou o funcionário —, perfazendo um total de dezasseis páginas. Estão aqui todas.

Gamay puxou por uma cadeira, sentou-se e acendeu uma luz da secretária. Com um bloco de notas a seu lado, começou a lê-las. Era um processo lento, dado que estavam escritas em francês, e num estilo da época que parecia evitar as frases curtas e concisas.

Quando ela iniciou a tradução, Paul perguntou: — Será que poderia ver as pinturas?

— Com certeza — disse o funcionário.

Foram até ao fundo do corredor onde ele usou uma chave para abrir a grande porta de um armário. Lá dentro viam-se umas doze pinturas encaixilhadas, com tamanhos diferentes. Estavam dispostas numa prateleira com nervuras verticais.

— Villeneuve pintou tudo isto?

— Apenas três — esclareceu o funcionário. — E volto a lembrar-lhe de que não há provas de que sejam da sua autoria.

Paul percebeu o aviso. Contudo, queria ver o que Villeneuve poderia ter executado.

O funcionário retirou a primeira das três, simplesmente encaixilhada em madeira, colocou-a num cavalete e foi buscar as outras duas. Todos os caixilhos pareciam velhos e gastos.

— Estes caixilhos são originais? — perguntou Paul.

— É claro — respondeu o funcionário. — Até talvez tenham mais valor do que as obras.

Paul acendeu uma luz e pôs-se a estudar as pinturas. Estas tinham sido executadas a óleo, com pinceladas espessas e cores mal coordenadas.

A primeira pintura era uma vista de três quartos de um navio de guerra. A perspetiva não fora feita com qualquer tipo de rigor e o navio parecia quase bidimensional.

A segunda obra consistia num cenário de rua, uma viela poeirenta à noite, cheia de nevoeiro escuro. As portas, com cores estranhamente debotadas, estavam bem fechadas. Não se via vivalma. No canto superior direito, viam-se três triângulos no que parecia ser uma planície distante.

A terceira pintura representava vários homens numa chalupa a manejarem vigorosamente os remos.

Após ter estudado as pinturas durante um minuto, Paul percebeu o que o funcionário queria dizer com «trabalhos amadores». Um chamamento vindo do balcão da entrada pedia a presença do empregado. — Já vou, Matilda — respondeu ele, e depois, voltando-se para Paul: — Não demoro nada.

Paul assentiu com a cabeça e, logo que o funcionário se foi embora, dirigiu-se a Gamay. — Estás a encontrar alguma coisa nessas cartas?

— Nem por isso — disse ela. — Estes escritos até nem parecem cartas. Têm datas, mas não se encontram assinadas e não são dirigidas a alguém em especial e, mesmo com o meu nível de francês, dá para concluir que não têm grande coerência e que são um pouco repetitivas.

— Como um diário? — sugeriu Paul.

— Mais como as divagações de um louco desesperado — esclareceu Gamay. — Um indivíduo a falar consigo mesmo, a mencionar os mesmos velhos rancores repetidas vezes.

Ela apontou para a carta que estava a examinar. — Esta parece ser uma diatribe irada contra Napoleão por ter tornado a República num império pessoal.

Ela voltou atrás no dossiê e apontou para uma outra carta. — Nesta, ele chama a Napoleão un petit homme sur un grand cheval, isto é, um homenzinho montado num grande cavalo.

— Isso é o tipo de comentário que poderá habilitar alguém a ser esfaqueado várias vezes — opinou Paul.

— Também me parece — concordou ela, antes de ter aberto uma outra carta. — Esta sugere que Napoleão está a «destruir o caráter da França» e que ele é um parvo. Diz assim: «Ofereço-lhe os meus serviços e ele endurece a sua atitude contra mim. Será que não sabe o que lhe estou a oferecer? A verdade será revelada como a Ira de Deus.»

— «Ira de Deus»? — repetiu Paul.

Ela assentiu com a cabeça. — Por fazer coisas pouco recomendáveis. Como convencer uma idosa a fazer um pequeno-almoço, recorrendo ao seu afeto pelo falecido marido…

— Mas olha que valeu a pena — respondeu logo Paul. — A melhor refeição que comi há já muitas semanas. Mas não era nisso que eu estava a pensar. Vamos lá, olha para isto.

Ele levou Gamay até às pinturas. — Olha.

Ela examinou-as durante alguns segundos. — De que devo estar eu à procura?

— Da Ira de Deus.

— A não ser que seja esse o nome do navio, não faço ideia do que possas estar a falar.

Paul apontou para a pintura da rua. — Ira — disse ele —, ao estilo do Velho Testamento. É o Egito. Podem ver-se as pirâmides como pequenos triângulos lá muito ao fundo. As portas estão marcadas de vermelho, o que, provavelmente, representa o sangue. O sangue dos cordeiros. E a viela está a encher-se do que eu penso ser poeira. Mas não é poeira. É a última praga de que o Egito foi vítima quando o faraó não deixou que os israelitas se fossem embora. Uma praga que vinha e matava os filhos primogénitos de todos aqueles que não pintassem os batentes das portas com sangue.

Ele apontou para a parte de baixo. — Vê aqui. Rãs ou sapos. Esta era a segunda praga, penso eu. E aqui, gafanhotos, também uma das pragas.

Os olhos de Gamay abriram-se mais ao dar-se conta do que Paul estava a insinuar. Pegou no dossiê de cartas e começou a ler em voz alta. — «La vérité sera révélée»… a verdade será revelada… «à lui comme la colère de Dieu»… a ele como a cólera de Deus.

— Será que ele pintava o que estava a escrever? — perguntou Paul. — Ou vice-versa?

— Talvez — disse ela —, mas eu tenho uma ideia.

Gamay retomou o dossiê com as cartas, e começou a ler uma delas: — O barco tem o poder, o navio é a chave para a liberdade.

Ela apontou para a pintura do navio de guerra e depois começou a percorrer uma outra carta.

— Esta é a mais coerente — observou. — E, com base nas datas, é a última da série. Pelo contexto, assumo que foi enviada a D’Campion, embora, uma vez mais, não esteja assinada nem endereçada.

Gamay percorreu o texto com um dedo e começou a ler: — «Que arma poderia daí resultar?, pergunta ele. Não passa de superstição, insiste ele. Pelo menos é isto que os agentes dele me dizem. E, no entanto, pede-me que lhe prove tudo o que sei. Mesmo que ele queira o que lhe possamos trazer, ele já não quer pagar por isso. Dizem que lhe devo muitos favores. Uma dívida que terá de ser paga. Penso que não seja seguro para mim tentá-lo, mas a quem mais poderei recorrer? E, na verdade, receio agora o que o imperador poderia fazer na posse desta arma. Talvez o mundo todo não lhe bastasse. Talvez seja melhor que a verdade nunca seja revelada. Que fique consigo no seu pequeno barco a remos a caminho do abrigo no Guillaume Tell

Ela levantou os olhos, apontando para a terceira pintura. — Pequeno barco, a remar algures com muito vigor…

— Em que é que estás a pensar? — perguntou Paul.

— Ele tinha de esconder o que D’Campion lhe enviou — disse ela. — Mas tinha de o manter à mão, num lugar que ele soubesse.

Paul poderia adivinhar o resto. — Pinturas feitas à pressa, feitas por um homem que nunca pintara nada na vida. Pensas que ele, de algum modo, escondeu a verdade na pintura?

— Não — respondeu ela. — Não na pintura em si.

Ela pegou na pintura da Praga do Egito e voltou-a. Na parte de trás havia papel grosso e pesado que aí fora colado. Pousando a pintura, pegou num canivete suíço que trazia na mala. — Agarra aqui enquanto eu tento retirar esta espécie de cartão.

— Endoideceste? — murmurou Paul. — Que aconteceu à Ira de Deus por fazer coisas pouco recomendáveis?

— Não estou preocupada com isso — disse ela. — Afinal, estamos a tentar salvar vidas.

— E que dizer da Ira do Funcionário?

— Ele nunca terá que saber… — retorquiu ela. — Para mais, não sei se ouviste. Ele não quer saber destas pinturas. Se calhar, era capaz de no-las vender por uma tuta-e-meia. Se pudesse, claro está…

Paul segurou bem no caixilho e Gamay escolheu a lâmina mais afiada do canivete. — Despacha-te — disse ele.

Ela começou por separar o pedaço de cartão do quadro, com cuidado, para não introduzir a lâmina muito fundo. Quando já tinha separado a parte de baixo, enfiou a mão para ver se ali se escondia alguma coisa.

— E então?

Ela voltou a passar os dedos por aquela parte e depois inclinou-se para olhar para dentro do espaço. — Nada — concluiu ela. — Tentemos os outros.

Então, com Paul como cúmplice solícito, ela separou a parte de trás da pintura do navio de guerra. Uma rápida busca e também nada encontrou.

— Acho que esse navio também não era a chave — observou Paul.

— Estás a armar-te em engraçadinho…?

Finalmente, começou a fazer o mesmo à pintura da chalupa onde os homens remavam.

— Despacha-te — repetiu Paul. — Vem aí alguém.

Um ruído de passos ecoou pelo chão lajeado, aproximando-se deles. Gamay fechou rapidamente o canivete.

— Depressa.

O funcionário apareceu ao fundo do corredor e Paul apressou-se a retirar a pintura das mãos de Gamay, para a colocar na respetiva prateleira. Em vez de uma exclamação repreensiva, ou de um olhar chocado, o funcionário permanecia estranhamente parado.

Só então é que Paul reparou que esse mesmo funcionário estava a cair para a frente com um punhal enterrado nas costas.

Um outro homem surgiu por detrás dele. Era um indivíduo mais novo, com ferimentos que pareciam demorar a sarar, na testa e nas faces. Retirou o punhal das costas do funcionário e limpou-o friamente. Mais dois homens se aproximaram, rodeando-o.

— Podem parar o que estão a fazer — disse o homem com os ferimentos. — A partir de agora somos nós que nos encarregamos desta operação.