Quando o Sea Dragon se aproximou de Lampedusa, o primeiro sinal de que alguma coisa não estava a correr bem era uma mortalha de fumo oleoso e escuro que se elevava sobre a ilha. Kurt fez incidir sobre a mesma um par de binóculos de longo alcance.
— Que é que consegues ver? — perguntou Joe.
— Uma espécie de barco — respondeu Kurt. — Parado mesmo junto à costa.
— Um petroleiro?
— Não te consigo dizer — disse Kurt. — Há muito fumo. A única coisa que consigo vislumbrar é metal queimado e retorcido. — Voltou-se para Reynolds e disse: — Vamos até lá para vermos melhor.
O Sea Dragon mudou de rumo e o fumo por cima deles tornou-se cada vez mais espesso e escuro.
— O vento está a arrastar o fumo através da ilha — observou Joe.
— Que transportaria esse navio…? — interrogou Kurt. — Se fosse uma matéria tóxica…
Ele não precisou de acabar a frase.
— A médica disse que estava fechada numa área isolada e a ficar com pouco oxigénio — acrescentou Joe. — Eu até pensei que o hospital tinha ruído em volta dela, após uma explosão ou um forte tremor de terra, mas creio que o que ela queria dizer é que estavam a tentar proteger-se destes gases tóxicos.
Kurt voltou a dar uma olhadela através dos binóculos. A parte da frente do navio parecia ter sido rasgada por um gigantesco abre-latas. De facto, era como se metade do navio já tivesse desaparecido. O resto do casco estava negro de fuligem.
— O barco deve estar encalhado num recife — disse Kurt. — Caso contrário já se teria afundado. Não lhe consigo ver o nome. Alguém telefone para Palermo para os informar do que descobrimos. Se não conseguirem precisar de que barco se trata, talvez consigam descobrir o que ele transportava.
— Está bem — respondeu Reynolds.
— E Gary — acrescentou Kurt, elevando os binóculos. — Mantém-nos fora da direção do vento.
Reynolds assentiu com a cabeça. — Não tens de mo dizer duas vezes.
Ajustou o rumo do barco e reduziu a velocidade enquanto eles tentavam comunicar as notícias. Quando já estavam a quinhentos metros do cargueiro, um membro da tripulação gritou-lhes da parte da frente do convés.
— Olhem para isto! — exclamou ele.
Reynolds abrandou por completo a velocidade e o Sea Dragon ficou praticamente parado, enquanto Kurt se dirigia para o convés. Viu que o membro da tripulação estava a apontar para meia dúzia de formas que flutuavam na água. Os objetos tinham cerca de quatro metros e meio e apresentavam mais ou menos a forma de torpedos cor de antracite.
— São baleias-piloto — disse o homem, reconhecendo a espécie. — Quatro adultos e uma cria.
— E a flutuarem com as barbatanas para o ar — reparou Kurt. As baleias estavam de facto a flutuar de lado, rodeadas de algas, peixes mortos e lulas. — Não importa o que tenha acontecido nesta ilha, também está a afetar as baleias.
— Tem de ser esse cargueiro — disse alguém.
Kurt concordou, mas não disse nada. Estava ocupado a estudar o amontoado imóvel de vida marinha que por ali flutuava. Conseguia ouvir Joe a falar no rádio com as autoridades italianas, a relatar-lhes a última descoberta que tinham feito. Deu-se conta então de que nem todas as lulas estavam mortas. Algumas encontravam-se agarradas umas às outras, como se tivessem usado os seus pequenos e curtos tentáculos para um abraço espasmódico.
— Talvez devêssemos sair daqui — sugeriu o marinheiro, puxando a parte de cima da camisa para cobrir o nariz e a boca, como se isso pudesse protegê-lo do estranho veneno que ainda estivesse a flutuar pelo ar.
Kurt sabia que estavam bem onde estavam, porque se encontravam a um quarto de milha na direção contrária ao vento e não havia o mais leve traço de fumo no ar. Porém, tinha também que pensar na segurança da tripulação.
Voltou a entrar na cabina. — Avança mais uma milha — pediu. — E mantém um olho atento no fumo. Se a direção do vento mudar, temos de fugir antes que o mesmo chegue até nós.
Reynolds assentiu com a cabeça, carregou na alavanca e fez rodar o volante. À medida que o barco acelerava, Joe voltou a pôr o microfone do rádio no descanso.
— Então que tal?
— Disse-lhes o que tínhamos descoberto — respondeu-lhe Joe. — Baseado nos dados de ontem à noite do sistema de identificação automático, acreditam que o cargueiro é o M. V. Torino.
— E qual era o carregamento?
— Na sua maioria, peças de máquinas e têxteis. Nada de perigoso.
— Têxteis uma ova! — exclamou Kurt. — Qual é o tempo estimado de chegada desses helicópteros?
— Talvez duas ou três horas.
— Então que aconteceu à ideia de estarem prontos para levantar voo em meia hora?
— Eles levantaram — esclareceu Joe. — Mas, com base no nosso relatório, estão a voltar à Sicília para reabastecer, enquanto reúnem uma equipa especializada em lidar com materiais perigosos.
— Não os posso criticar — respondeu Kurt. No entanto, o seu pensamento estava no destino da médica que tinha enviado uma mensagem, a eles e aos membros da equipa da NUMA que ainda não lhes estavam a responder, já para não se mencionar os cinco mil homens, mulheres e crianças que viviam em Lampedusa. Foi rápido a tomar uma decisão, a única que a sua consciência permitiria.
— Vamos aprontar o barco insuflável, eu vou procurar os nossos amigos.
Reynolds ouviu o que estava a ser dito e reagiu de imediato. — Será que endoideceram?
— Talvez — disse Kurt —, mas se fico aqui à espera três horas para saber se as pessoas estão vivas ou mortas, não tenho dúvidas de que acabarei, de certeza, por endoidecer. Especialmente se se vier a verificar que poderíamos ter ajudado os nossos se não tivéssemos ficado sentados à espera.
— Estou contigo — apressou-se Joe a dizer-lhe.
Reynolds olhou para eles, muito sério. — E como é que se propõem a não morrer ou a ser vítimas do que afetou as outras pessoas na ilha?
— Temos capacetes que nos cobrem a cabeça e oxigénio suficiente. Se os usarmos, não nos irá acontecer nada.
— Algumas toxinas que atacam os nervos reagem com a pele — observou Reynolds.
— Temos fatos de mergulho que são impermeáveis — ripostou Kurt. — Isso será o suficiente.
— E podemos usar luvas e pôr fita adesiva em todos os intervalos — acrescentou Joe.
— Fita adesiva industrial? — perguntou Reynolds. — Vão arriscar as vossas vidas só porque confiam em fita adesiva industrial?
— Não seria a primeira vez — admitiu Joe. — Já a usei uma vez para colar a asa de um avião. Embora isso não tivesse funcionado como eu esperava.
— Isto é uma coisa séria — insistiu Reynolds, desconcertado com o que ambos se propunham fazer. — Estão a falar em arriscarem as vossas vidas para nada. Não têm dados para saberem se existem pessoas ainda vivas na ilha.
— Isso não é verdade — ripostou Kurt. — Tenho dois dados. Em primeiro lugar, recebemos a chamada no rádio que, obviamente, teria sido feita depois do acontecimento. A médica e algumas outras pessoas estavam vivas, pelo menos nessa altura ainda estavam. Para mais, num hospital. Mencionaram o facto de estarem isolados em relação ao ar exterior, com certeza para que as toxinas não os afetassem. Talvez outros pudessem ter feito o mesmo. Incluindo os nossos. Para além disso, podemos também ver que nem todas as lulas estão mortas. Ainda se estão a debater, a agarrarem-se umas às outras e a mexerem-se o suficiente para me dizer que ainda não estão prontas para serem atiradas para o grelhador.
— Isso não chega… — disse Reynolds.
Mas era suficientemente claro para Kurt. — Eu não vou ficar aqui à espera só para vir a saber que havia pessoas que podíamos ter ajudado se tivéssemos intervindo mais depressa.
Reynolds abanou a cabeça. Sabia que não iria ganhar esse argumento. — Está bem… está bem… — acabou por concordar. — Mas que iremos fazer entretanto?
— Temos de nos manter atentos ao rádio e olhar para os pelicanos que estão pousados naquela boia — sugeriu Kurt, apontando para três pássaros brancos pousados numa boia da Marinha. — Se eles começarem a morrer ou a cair no mar, invertam a direção do barco e saiam daqui o mais depressa possível.