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Kurt e Joe encostaram-se muito à AS-42 que já estava mergulhada em dois palmos de água. Esta ia subindo cada vez mais. A arma antitanque estava agora inutilizada e nem um nem outro sabiam onde estava a metralhadora Beretta de Kurt.

— Nada adiantará matares-nos ou não — gritou Kurt. — Este lugar vai ficar inundado, há de haver água a sair de cada buraco e isso irá atrair as atenções. Estás acabado, Shakir. O teu esquema falhou.

A primeira resposta foi apenas uma gargalhada. — Arranjarei uma maneira de controlar a água e de remediar o que fiz — respondeu Shakir. — Isto não passa de uma inconveniência.

— Isso é o que tu pensas — gritou Kurt. — Usei o teu computador para enviar uma mensagem aos teus superiores. Quando chegares à superfície, toda a gente já saberá acerca de ti e do que fizeste. Hão de saber que és responsável pela seca. Hão de saber acerca de Piola e dos outros que te estão a dar apoio. Também irão saber que a toxina que tu usas para adormecer as pessoas provém das glândulas de um sapo africano. Da próxima vez que disseres às pessoas que as podes matar e trazê-las de novo à vida, irão rir-se de ti!

Ouviu-se uma rajada de tiros que bateram na parte de baixo da AS-42, e Kurt soube logo que irritara bastante o bandido.

— Não tenho a certeza se irritar um lunático com a mania das metralhadoras é uma boa ideia — disse Joe.

— Temos um carro blindado entre nós e eles — observou Kurt.

— Mas ele poderá estar a querer acertar no depósito da gasolina.

— Tens razão — disse Kurt. — Pelo menos estamos bem molhados se o Shakir acertar nele.

Por essa altura, a água já chegava às ancas de Kurt e começava a subir um centímetro ou dois a cada minuto. Kurt considerou mesmo nadar para uma área segura, quando viu algo que o fez mudar de ideias. Do outro lado de onde eles se encontravam, na parte mais distante da câmara, uma coisa longa, baixa e verde rastejou para cima do que ainda restava da parede de retenção.

— Temos um outro problema — disse ele.

Joe também reparara nele. — Estamos numa situação difícil. Ou somos baleados ou comidos.

A água estava a inundar todo o espaço; o primeiro lugar para onde escorreu foi para o ponto mais baixo, para o fosso dos crocodilos.

— Pensas que podes escapar — gritou Kurt para Shakir —, mas nunca conseguirás passar pelos crocodilos.

— Eles vão estar muito ocupados a comer-vos para se preocuparem comigo — respondeu Shakir. — Estamos em terreno mais alto.

Kurt olhou pela fenda da placa torcida de metal. Shakir estava em cima de um sarcófago, no centro da sala, com algo aos seus pés.

— Em breve irás ficar encharcado — disse Kurt. — Mas negociarei contigo. Tu e os teus homens saem pelo túnel de acesso e nós tomamos o elevador. Podemos sempre matar-nos uns aos outros num local mais seco.

Outro crocodilo saltou a divisória e depois mais dois. Estes desapareceram na água e Kurt sabia que não iria demorar até terem descoberto o veículo virado e «as duas refeições» que se abrigavam a seu lado.

— Vou dar-te uma oportunidade melhor — disse Shakir. — Tu e o teu amigo levantam-se, põem as mãos em cima da cabeça, e eu prometo executar-vos rapidamente.

— Em que medida é que isso é uma oportunidade melhor? — gritou Kurt.

— Porque a alternativa requer que permaneçam onde estão e fiquem a ouvir, enquanto eu ponho uma bala em cada um dos joelhos da mulher italiana, antes de a atirar à água.

— Tinhas de perguntar! — exclamou Joe.

Kurt abanou a cabeça, muito frustrado. — Pelo menos sabemos para onde ela desapareceu.

— De qualquer modo, ele vai matar-me — gritou Renata. — Vão. Saiam daqui. É mais importante que a verdade sobreviva.

Kurt torceu o corpo e espreitou através da parte da frente amolgada, uma vez mais. — Ele está em cima de um dos sarcófagos. Renata está em baixo, diante dele. Mas o foguete veio de outra direção. Vês aí mais alguém?

Joe acenou afirmativamente com a cabeça. — Está alguém em cima da esfinge. Espero que não tenha outro foguete, senão estamos feitos!

Kurt olhou para o amigo. Joe estava a sangrar de um corte por cima da sobrancelha e tinha as mãos nas costelas. — Parece-me que não temos muitas opções, meu amigo.

— Pois não — disse Joe. — Tal como vejo a coisa, ou lutamos e morremos, ou nos rendemos e morremos também. Outra opção será esperar que a água suba e nos afoguemos, isto é, se não formos comidos vivos primeiro.

Enquanto Joe falava, retirou a metralhadora Breda do suporte em que estava montada.

— Creio que queres lutar — disse Kurt.

— E tu não?

Ele abanou a cabeça. — De facto, vou render-me — disse ele, com um certo brilho nos olhos.

No rosto de Joe surgiu uma expressão de choque, mas Kurt abriu a palma das mãos e mostrou-lhe os dois tubos de Névoa Negra.

— Consegues acertar no tipo que está na esfinge? — perguntou Kurt.

Joe observou a metralhadora para se certificar de que não estava encravada. — Ainda tenho dez projéteis. Talvez um deles tenha o nome dele escrito.

Um tiro e um grito veio sobressaltá-los. — Este foi só um tiro ao de leve — gritou Shakir. — O próximo arranca-lhe a rótula do joelho.

Com um tubo em cada mão, Kurt colocou as mãos na nuca e pôs-se em posição para se levantar.

— Acerta neles em cheio — disse Joe. — Não te preocupes com detalhes.

Kurt sorriu e levantou-se devagarinho, quase esperando que o alvejassem assim que saísse de trás do veículo virado.

Ficou muito direito e olhou Shakir nos olhos. Renata estava de joelhos em frente dele.

— O teu amigo também — gritou Shakir.

Com as mãos na nuca, tal como lhe fora pedido, Kurt olhou para Joe e depois para Shakir. — Ele não consegue. Tem uma perna partida.

— Diz-lhe que salte!

Joe assentiu com a cabeça. Estava pronto a disparar.

— Diz-lhe tu! — gritou Kurt. Fez recuar o braço direito e atirou o primeiro tubo para o sarcófago, sobre o qual Shakir se encontrava de pé. Mas não lhe acertou e o tubo acabou por cair na água, saltando como se fosse um seixo.

Shakir viu o projétil a voar ao pé dele e estremeceu, esperando uma explosão. Quando esta não se materializou, ergueu e arma e disparou sobre Kurt.

Este já tinha posto o segundo tubo na mão direita e atirou-o, dessa vez com o braço mais descido. O mesmo acertou na tampa de pedra do sarcófago do faraó, mesmo aos pés de Shakir. O tubo partiu-se e os seus conteúdos começaram a subir junto à margem curva do sarcófago.

Shakir ficou coberto com a Névoa e começou a cambalear, com a visão desfocada. Soube logo o que tinha acontecido, mas era já tarde, a Névoa envolvera-o. Voltou a disparar na direção de Kurt e caiu para trás, para a água, devido ao coice da arma.

Do outro lado do veículo de guerra acidentado, Joe tinha-se levantado e apoiado a pesada metralhadora no para-choques da frente. Disparou para o indivíduo na esfinge. O estrondo da Breda ribombou pela câmara funerária como um tiro de canhão.

O soldado que aí se encontrava tentou esconder-se por detrás da estátua logo que se ouviram os primeiros tiros. Mas a rajada seguinte atingiu a cabeça da esfinge, abrindo-lhe buracos de lado a lado.

O soldado deu-se conta do erro tarde de mais. A esfinge era feita de gesso, folheado a ouro e incrustado com pedras semipreciosas. A arma que Joe estava a disparar fora concebida para penetrar carros blindados. Os projéteis passaram pela cabeça da estátua como se através de papel.

Ele caiu de joelhos quando um projétil lhe acertou. O seguinte acabou com ele; em seguida, caiu para o lado e deslizou pelas costas da esfinge. Tombou então na água e veio à superfície, a flutuar de cabeça para baixo.