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Com Renata entregue a uma equipa médica, Kurt, Joe e Edo levantaram voo num helicóptero aérospatial Gazelle, pintado com as cores e com o emblema da Osiris.

Edo era o piloto, Joe estava sentado no assento do copiloto, e Kurt examinava as areias brancas e flamejantes por baixo deles. Cobriram milhas de terra deserta, dunas sem fim e formações rochosas esculpidas pelo vento, famosas pela sua beleza etérea. Dois veículos no deserto chamaram-lhes a atenção, mas uma breve vista de olhos, mais de perto, provou que tinham sido abandonados.

Um pouco mais à frente, Kurt vislumbrou a marca fina de uma conduta que parecia atravessar o deserto. Terminava ao lado de um edifício de blocos de cimento, desaparecendo por baixo do deserto como uma serpente que se enterrasse. — É ali — disse ele. — Onde a conduta sai da areia.

Edo desceu nessa direção. Não havia carros estacionados junto ao edifício discreto, e nenhum sinal de uma comissão de boas-vindas.

— Parece abandonado — observou Joe.

— Não podemos ter a certeza — retorquiu Edo. — Podem estar à nossa espera lá dentro.

— Consigo vislumbrar um heliporto — disse Kurt.

— Então vamos aterrar nele.

O helicóptero causou uma pequena tempestade de areia, enquanto Edo tentava aterrar, mas esta tornou-se mais suave logo que os hélices começaram a abrandar.

Kurt já estava no solo, acocorado com uma AR-15, caso alguém os atacasse naquela situação de vulnerabilidade. Olhou para as portas e para as janelas pronto a disparar, mas não surgiram quaisquer adversários.

Joe e Edo em breve se juntaram a ele. Kurt apontou para a frente, de onde ouvira um estranho estrondo, como o de uma persiana a ser arrancada numa tempestade.

Fez pontaria, afastando-se um pouco de Joe e Edo, para que ninguém pudesse acertar nos três com um único tiro. Encontraram uma porta que alguém deixara aberta. Esta estava a abanar na brisa e a bater contra a ombreira, incapaz de se fechar, pois a língua da fechadura não fora recolhida.

Edo apontou para um puxador, indicando que a iria abrir de par em par. Kurt e Joe acenaram afirmativamente com a cabeça.

Quando Edo a abriu, Kurt e Joe apontaram as armas ao interior do edifício e fizeram incidir as suas poderosas lanternas de pilhas sobre a parte inferior das escadas, iluminando uma divisão.

— Vazia — disse Joe.

Kurt atravessou a porta. O edifício era incrivelmente utilitário. Paredes de blocos de cimento e chão também de cimento. Uma série de canos retorcidos conduziam da conduta principal até três bombas, que pareciam ser os reforços de alta pressão que Edo mencionara. Na parede do fundo, encontrava-se a única coisa que parecia estar fora do lugar. — Olhem para isto.

Joe seguiu o raio de luz da lanterna de Kurt, juntando-o ao seu. As duas luzes convergiram sobre uma gaiola metálica e sobre um forte sistema de guinchos. — Parece o elevador da caverna subterrânea.

— Estamos pelo menos a sessenta quilómetros da mesma — observou Kurt. — Mas tens razão. Trata-se do mesmo esquema.

Kurt encontrou o interruptor e o elevador animou-se. — É melhor irmos até ao fundo das coisas.

Os três homens meteram-se no elevador, com Joe junto aos controlos. As grades perpendiculares fecharam-se e o mesmo começou a descer.

Quando as grades se voltaram a abrir, estavam a uma centena de metros mais abaixo, numa sala repleta de mais bombas e de canos.

— Estas bombas são muito maiores que as que estão lá em cima — assinalou Edo. — É mais o género de arranjo que encontramos na central hidroelétrica da Osiris.

Kurt notou que os canos mergulhavam no chão e se dirigiam para baixo. — Devem estar a extrair uma enorme quantidade de água do aquífero que aqui se encontra.

— Ou a repô-la de volta, graças ao que fizeste — observou Joe.

Passaram pelas bombas, em busca do laboratório que esperavam encontrar. Através de uma porta, viram o painel de controlo para a rede. No ecrã puderam ver que as bombas ainda estavam a trabalhar ao contrário, do modo como Kurt as programara.

— Surpreende-me o facto de não terem posto as bombas a extrair água antes de se irem embora — assinalou Joe.

Kurt estivera a pensar na mesma coisa. Bateu no teclado e tentou executar um comando. Pedia-lhe uma palavra-passe. Ele teclou alguns números ao acaso e recebeu uma recusa. Uma mensagem surgiu: Sistema Bloqueado / Tecla de Comando da Osiris Necessária.

— Trata-se de uma estação operada remotamente — disse Kurt. — O modo como as bombas estão a funcionar foi definido no centro principal de comando. Creio que não poderão contrariar essa ordem aqui, a não ser que alguém com a devida autoridade consiga teclar a palavra-passe apropriada.

Concordaram e continuaram a explorar a estação.

— Olha para isto — disse Joe.

Kurt desviou-se do painel de controlo. Joe e Edo estavam diante de uma porta hermeticamente selada, como as do laboratório ao lado da câmara funerária. Um teclado ao lado da mesma tinha um vago brilho avermelhado.

— É disto que temos estado à procura — disse ele.

— Mas, como é que entramos? — perguntou Joe.

— Dá que pensar… — ripostou Kurt, avançando e teclando o mesmo código que Golner usara no laboratório por baixo das pirâmides.

O teclado ficou escuro por instantes. O nome de Brad Golner apareceu no ecrã, mas a porta não se abriu. O teclado ficou vermelho uma vez mais.

— Foi uma boa tentativa — observou Joe.

— Parece que ele está no sistema mas não está autorizado a entrar neste lugar — disse Kurt.

Enquanto falava, o teclado passou a verde e a porta abriu-se devagarinho com um cicio. Dois homens e uma mulher apareceram. Tinham batas vestidas. O primeiro homem do grupo era mais baixo, com sobrancelhas muito farfalhudas, que surgiam por cima das lentes dos óculos como uma sebe.

— Brad? — perguntou este, olhando em volta.

— Receio que já não esteja connosco — informou Kurt.

Ficaram a olhar intensamente, petrificados, para o uniforme de Edo, respondendo rapidamente à pergunta que ia na mente de cada um deles. — Fazem parte do exército.

Edo retorquiu: — Por que motivo estão aqui escondidos?

Olharam uns para os outros. O aspeto oprimido que se via neles mostrava que tinham sido forçados a fazer aquele trabalho.

— Quando os homens na estação ouviram que o edifício da Osiris estava a ser atacado, ficaram muito nervosos — disse o que tinha as sobrancelhas farfalhudas. — Continuaram a telefonar-nos a pedir ordens e atualizações, mas ninguém lhes respondeu. Foi então que as bombas começaram a trabalhar inversamente e eles não conseguiam alterar esse comando. Ouviram as notícias do assalto através do rádio, entraram em pânico e foram-se embora. Queriam destruir o laboratório mas nós fechámo-nos aqui dentro. Sabemos para que fins utilizaram o nosso trabalho, mas não queríamos que o antídoto fosse destruído.

— Então fabricam-no aqui? — perguntou Kurt.

O homem assentiu com a cabeça.

— E como é que funciona?

— Vem dos sapos — informou o homem.

— De algo que eles têm na pele? — inquiriu Kurt.

— Sim, como é que soube?

— Brad Golner tentou explicar-mo — disse Kurt. — Shakir deu-lhe um tiro antes de ele ter terminado. Mas o Brad sentia-se como vocês. Queria corrigir as coisas e deu-nos toda a informação que conseguiu, antes de morrer. Disse-nos que as peles desses sapos eram guardadas em recipientes selados e enviadas para fora.

O técnico acenou afirmativamente com a cabeça. — Quando a pele em que o sapo se refugiou fica finalmente exposta à chuva, liberta um agente neutralizador que assinala ao sistema nervoso do sapo para que acorde. Para esse tipo de sapo é o fim da hibernação. Para os humanos tivemos de modificar esse sinal, mas funciona do mesmo modo, acreditem.

— E que quantidade de antídoto ainda têm?

— Um grande fornecimento — disse o homem.

— Suficiente para cinco mil pessoas?

— Para Lampedusa? — perguntou o técnico. — Sim, sabemos o que aconteceu. Deve haver suficiente para cinco mil doentes.

— Esperemos que o suficiente para cinco mil e um — disse Kurt. Depois voltou-se para Edo. — Pode levá-los, juntamente com o antídoto, até ao Cairo?

— Quer isso dizer que nós não vamos? — perguntou Joe.

Kurt assentiu com a cabeça. — Não me parece que fiquemos aqui sozinhos por muito tempo.

Edo percebeu e voltou-se para os técnicos. — Precisam de algum equipamento especial para transportarem o antídoto?

— Não — disse o chefe. — O antídoto permanece estável à temperatura ambiente.

— Então vamos o mais depressa possível — afirmou ele.

Os técnicos começaram a carregar caixotes com caixas de plástico para um carrinho com rodas. Estes estavam cheios com tubos individuais que continham o antídoto.

Edo voltou-se para Kurt e para Joe. — Irei assegurar-me de que a vossa amiga Renata recebe a primeira dose.

— Ficamos muito agradecidos — disse Kurt.

Kurt e Joe ficaram a ver, nas sombras do edifício, Edo e os cientistas levantarem voo com o antídoto e a matéria-prima que lhes permitiria fabricar mais. A pedido de Kurt, o helicóptero subiu a uma altitude maior do que a normal, antes de se desviar para leste em direção ao Cairo.

— Achas que o Hassan terá visto isto? — perguntou Joe.

Kurt assentiu com a cabeça. — Se ele estiver a vinte quilómetros deste lugar, não poderia ter deixado de ver. Espero que ele pense que este edifício se encontra vazio uma vez mais.

— E acreditas mesmo que o Hassan virá até aqui?

— Se tu fosses o Hassan e só te restassem duas fichas para jogar, ambas dentro deste local, que farias tu?

Joe encolheu os ombros. — Pessoalmente, optaria por me reformar na Riviera, na Côte d’Azur. Mas não creio que o Hassan seja um grande veraneante.

— Ele não irá parar — assinalou Kurt, muito seguro de si. — E a única opção que lhe resta, e que lhe poderia criar alguma vantagem, seria reverter as bombas e continuar com a seca. Se ele conseguir fazer isso, talvez possa transformar esta derrota numa espécie de vitória. Mas ele não está a contar que nós os dois estejamos à espera dele. Bem, vamos procurar um bom sítio para nos escondermos.

Entraram no edifício, desceram no elevador e estudaram o espaço.

— Sempre que nos confrontámos com eles, eles contavam sempre com a cobertura de um homem numa posição mais alta — observou Kurt.

— O Escorpião — ripostou Joe.

— Se o Hassan o trouxer até aqui, talvez queira que ele lhe dê cobertura, tal como antes — observou Kurt.

— O único ponto perigoso é o elevador — retorquiu Joe. — Mas, de um lugar na sua armação, poder-se-ia observar toda a sala.

Kurt olhou para cima e começou a trepar pela armação metálica. Esta parecia perder-se na rocha mais acima, mas havia espaço suficiente, em volta da mesma, para se esconder e não ser esmagado pelo vaivém do elevador. — Manda esta gaiola lá para cima — disse ele, ocupando um lugar onde pudesse apoiar os pés. — Não queremos ser mal-educados e fazê-los esperar…

Joe carregou no botão e a maquinaria começou a funcionar. O elevador iniciou a sua longa e lenta jornada até lá acima, passando mesmo rente a Kurt.

— Vou esconder-me na sala de controlo — disse Joe. — Se ele for reverter o funcionamento das bombas, será para aí que se dirigirá primeiro.