O Escorpião guiou o Land Rover através do mesmo deserto que ele fora forçado a percorrer sob um sol escaldante. Breves lembranças da dor e da ira, que o mantiveram nesse trilho, atravessaram-se nos seus pensamentos. Ocasionalmente, viu miragens sob a forma de homens que desapareciam como fantasmas.
A sua mente focou-se então nos americanos, nos indivíduos da NUMA que tinham praticamente destruído toda a organização em poucos dias. Ele iria caçá-los. Mesmo que a Osiris estivesse acabada e o último esforço de Hassan tivesse falhado, ele iria caçá-los até ao fim da sua vida, se necessário.
Hassan estava no assento do passageiro, a olhar fixamente para o terreno monótono, sem dizer uma palavra. De vez em quando, ouvia-se uma rajada de vento, chicoteando o jipe com finos grãos de areia, enquanto o Sol, lá em cima, parecia queimar a terra.
Quando avistou a estação de bombeamento, o Escorpião parou o carro.
— Porque é que paraste? — perguntou Hassan.
— Olha.
Hassan pegou num par de binóculos e apontou-os para o edifício. Os seus olhos mais velhos não eram tão discriminadores como os do Escorpião, porém, através dos binóculos, conseguia ver o helicóptero Gazelle no heliporto.
— É um dos nossos — disse ele.
— Mas que estará a fazer aqui?
Pensar que outros tinham escapado e ido até ali era bom de mais para ser verdade. Pegou num transcetor que tinha no porta-luvas e tentou ligar para a frequência da Osiris. Estava quase a fazer a chamada quando viu o técnico do laboratório sair do edifício de blocos de cimento com um carrinho. Deste, estavam a transferir caixotes com caixas de plástico para o helicóptero, sob a supervisão de um homem com uma farda militar.
Logo que o trabalho terminou, os quatro entraram no helicóptero e os hélices começaram a rodar. O Gazelle levantou voo e começou a subir, dirigindo-se para leste.
— Estão a levar o antídoto — disse Hassan. — Mas, pelo menos, foram-se embora.
— Não hão de tardar a voltar — observou o Escorpião.
— Preciso apenas de alguns minutos para reprogramar as bombas e fazer com que seja impossível para eles alterar o seu funcionamento. Vamos.
O Escorpião voltou a ligar o Rover e eles começaram a mover-se uma vez mais.
Na câmara subterrânea, Kurt estava à espera. Durante muito tempo, o único som era o infinito e monótono ruído das bombas. Joe tinha-se escondido na sala de controlo.
Quando a maquinaria do elevador se fez ouvir, parecia ter um som chocantemente alto. Kurt olhou para cima e, nessa luz mortiça, viu-o a descer. Era um pequeno quadrado lá em cima, mergulhando com uma velocidade surpreendente. A meio caminho, passou por uma luz encaixada a meio da parede. Essa iluminação brilhou contra um dos lados da cabina e depois voltou a desaparecer.
Kurt espalmou-se contra a superfície rochosa, mantendo-se muito quieto na escuridão, quando o elevador passou por ele para continuar mais dez metros, antes de parar.
Kurt arrumara a sua AR-15, trocando-a por uma pistola, dessa vez uma Beretta Cougar automática de calibre 45.
Os portais da frente da cabina abriram-se, com um ligeiro som metálico, e dois homens saíram. Kurt reconheceu logo Hassan e assumiu que o outro homem só poderia ser o Escorpião. Ambos empunhavam armas como se estivessem à espera de encontrar problemas. Hassan tinha um revólver de cano curto e o Escorpião uma espingarda de atirador furtivo de canos longos.
— Parece que não há aqui mais ninguém — disse Hassan, pondo o revólver no coldre.
— Mas isso não vai durar por muito tempo — observou o Escorpião.
Hassan assentiu com a cabeça. — Arranja um lugar para me dares cobertura, caso os nossos amigos militares decidam voltar. Não demoro muito tempo.
O Escorpião olhou em volta, estudando toda a divisão, e chegando à mesma conclusão que Kurt e Joe: a única maneira de cobrir o espaço era a partir da armação em volta do poço do elevador. Depois de ter posto a espingarda ao ombro, começou a trepar pela armação do mesmo, tendo escolhido o lado por onde Kurt subira.
Na posição em que se encontrava no escuro, Kurt poderia ter eliminado ambos, mas esperava poder capturá-los vivos. Contudo, o seu dedo pressionou muito ligeiramente o gatilho, enquanto mantinha a arma apontada à cabeça do Escorpião.
Hassan atravessou o espaço enquanto o Escorpião se instalava no seu lugar, três metros abaixo de Kurt. Daí, podia ver toda a divisão e controlar parte da sala de controlo. Nunca olhou para cima. Mesmo que o tivesse feito, nunca teria visto Kurt, dado que os seus olhos ainda se estavam a ajustar ao escuro, após ter guiado através das areias extremamente brilhantes do Deserto Branco.
Instalou-se no seu poleiro e tirou a espingarda do ombro, agarrando-a sem grande preocupação.
Hassan parou à porta da sala de controlo, olhou em volta e entrou. Caminhava com um certo cuidado e depois desapareceu de vista.
O Escorpião continuava à espera. O trabalho de um atirador era esperar e permanecer imóvel. Porém, a sua mente não se aquietava. Chegavam-lhe pensamentos do passado. Vozes. Ainda conseguia ouvir Shakir a insistir que ele caminhasse pelo deserto. Podia ouvir os americanos, aquele que se chamava Austin, a pedir que ele atirasse com a espingarda para a baía de Gozo, em forma de lágrima. Estava mesmo prestes a dar-lhe um tiro.
Pensou que o deveria ter baleado, que o devia ter matado nesse momento, ou mesmo antes. Talvez o devesse ter abatido no forte, em vez de Hagen. Mas essas não eram as ordens que lhe tinham dado. Não iria esperar da terceira vez…
Nessa quietude, os seus sentidos pareciam mais apurados. O som das bombas de água era embalador, mas, por essa altura, já deveria ter mudado. De que estaria Hassan à espera?
O Escorpião pestanejava repetidas vezes, tentando fazer com que os seus olhos se ajustassem. Viu brilhos verdes no escuro, ainda restos do sol do deserto. Abanou a cabeça e concentrou-se no que estava a fazer. Tinha de proteger Hassan, tinha de permanecer alerta.
Tentou acalmar a torrente de pensamentos e pôs-se a olhar insistentemente para a sala de controlo. Por fim, viu alguém a emergir de uma secção mais distante e sentar-se junto aos controlos. A imagem era desfocada a princípio, mas depois tornou-se mais nítida. Não era Hassan. Era Austin.
Mas como?, pensou. Como seria isso possível?
Voltou a olhar e levantou a espingarda para a encostar ao ombro.
O helicóptero. Deveria ser isso, é claro… Austin tinha-os enganado de novo. Ele tinha chegado primeiro e esperado na sala de controlo, e Hassan, provavelmente, já estaria morto.
O Escorpião pegou melhor na espingarda, com o seu usual sangue-frio já a ferver. Levantou-a até ao olho, colocou a mira sobre o cabelo platinado de Austin e respirou fundo. Logo que imobilizou o seu corpo, puxou o gatilho.
O tiro ouviu-se, sem sombra de dúvidas, acertando em Austin a meio das costas e matando-o instantaneamente. Viu-o tombar sobre a secretária.
O Escorpião observou melhor o espaço, em busca do companheiro de Austin. Este deveria estar ali por perto. Começou a mover a espingarda para a esquerda e para a direita.
Quando o Escorpião se pôs a observar o resto da divisão, a porta para a sala de controlo abriu-se com um estrondo, quando alguém pôs uma cadeira a deslizar. Esta rolou sobre o chão lajeado e foi então que o Escorpião se deu conta do seu erro. Matara Hassan e não Austin.
Tentou apontar a espingarda ao indivíduo que empurrava a cadeira mas alguém o deteve, antes mesmo que ele pudesse disparar.
O Escorpião voltou-se e viu que fora Austin quem o agarrara. Tentou levantar a espingarda mas o cano bateu contra um canto da parede antes mesmo que ele pudesse apontá-la ao alvo. O espaço era muito acanhado. Avançou, deu uma cabeçada em Austin e atirou com a espingarda para agarrar num punhal.
O Escorpião acabara de matar Hassan e lutava agora como um homem dominado pela raiva. Kurt apontou a pistola, mantendo-a junto ao seu corpo. De punhal na mão, o meliante tentou agredir Kurt.
Mas este disparou, acertando no braço do Escorpião que segurava o punhal. O homem caiu para trás, deixando também cair a arma branca. Agarrou-se à armação do elevador com o braço são. Ouviu-se o punhal a cair no chão por baixo deles.
— Rende-te — ordenou Kurt.
O outro ignorou-o e retirou uma outra arma do bolso, uma soqueira de latão com uma lâmina triangular montada na parte da frente. Hassan tinha-lha dado, depois da sua promoção. A forma do punhal deveria representar o poder renascido dos faraós e das pirâmides. Todos os assassinos da Osisris tinham um.
Encaixou a soqueira nos dedos e fechou a mão.
— Nem te atrevas! — gritou Austin.
O Escorpião investiu e Kurt voltou a disparar, acertando-lhe no outro ombro. O meliante cambaleou, pois mal conseguia manter o equilíbrio. Voltou a avançar e, dessa vez, Kurt acertou-lhe na barriga da perna.
O Escorpião ficou ali agarrado apenas por pura determinação. Se ele pudesse chegar junto de Austin, poderia abraçá-lo para o arrastar e para que morressem juntos.
Kurt detetou a obsessão no rosto do Escorpião. — Será que nunca desistes? — gritou ele.
O outro rugiu: — Nunca!
Voltou a investir, mas Kurt disparou sem qualquer hesitação, acertando na coxa do inimigo. O salto deste foi desajeitado e ele acabou por cair pelo poço do elevador, estatelando-se na parte de cima da cabina e tombando desta para o chão da caverna.
Morreu a olhar para cima, para a escuridão.