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O motor V8 do jipe acordou estrondosamente, trazendo um choque sonoro a uma ilha que estava mergulhada em silêncio.

Kurt pôs-se a acelerar o motor umas quantas vezes como se o barulho que o mesmo fazia pudesse quebrar o encantamento que fora lançado sobre a população.

Pôs o jipe em marcha e começou a guiar, enquanto Joe consultava um mapa. A distância seria curta mas tornava-se mais difícil devido aos acidentes de automóvel, aos radiadores fumegantes, às motas caídas não muito longe dos seus condutores estendidos. Cada cruzamento tinha um amontoado; cada passeio, peões caídos por terra.

— Isto até parece o fim do mundo — observou Joe, com tristeza. — Uma cidade dos mortos.

Perto da entrada do hospital via-se toda uma série de acidentes, bloqueando a passagem. Um consistia numa camioneta deitada de lado, com toda a mercadoria entornada. Para a evitar, Kurt começou a guiar por cima do passeio e por sobre um jardim de pedras, até chegar à entrada principal.

— Este hospital parece moderno — observou Joe acerca da estrutura de seis andares.

— Tanto quanto sei, foi renovado e aumentado para poder tratar dos refugiados que para aqui vêm em barcos que partem da Líbia e da Tunísia.

Kurt desligou o motor e saiu do jipe, parando quando algo lhe chamou a atenção.

— Que se passa? — perguntou Joe.

Kurt olhou na direção de onde ambos vinham. — Pensei ter visto alguma coisa a mexer-se.

— Que tipo de coisa?

— Não tenho a certeza. Ali, naquele amontoado de carros.

Joe olhou para lá, durante algum tempo, mas nada apareceu.

— Achas que deveríamos ir ver?

Kurt abanou a cabeça. — Não é nada. Talvez um reflexo da luz na viseira do meu capacete.

— Poderia tratar-se de um zombie — observou Joe.

— Se for esse o caso, estás safo — ripostou Kurt. — Ouvi dizer que eles só comem o cérebro.

— Estás a armar-te em engraçadinho, mas, diz-me lá, se alguém tivesse sobrevivido e nos visse vestidos desta maneira, poderia pensar duas vezes antes de se aproximar de nós.

— Se calhar é a minha própria mente que me engana — respondeu Kurt. — Anda, vamos entrar.

Chegaram à entrada e ouviram as portas automáticas a abrirem-se. Passaram por uma dezena de corpos na sala de espera, metade ainda recostada nas cadeiras. Via-se uma enfermeira estendida ao lado do balcão de atendimento.

— Há algo que me diz que não temos de registar os nossos nomes… — disse Joe.

— Pois não — concordou o amigo. — Já só tenho um terço da minha garrafa de oxigénio. O mesmo se deve passar contigo. Este é um edifício bastante grande, prefiro não ir pelos corredores a verificar o interior de cada divisão.

Encontrou um livrinho com uma lista do pessoal, começou a folheá-lo e a ver os nomes. Ambrosini aparecia logo na primeira página e, por estranho que pudesse parecer, estava escrito à mão, quando todos os outros estavam impressos. — Deve ser nova neste hospital — observou Kurt. — Infelizmente não temos o número do gabinete nem o andar.

— E se usarmos isto? — sugeriu Joe, pegando num microfone que parecia estar ligado a um sistema de som. — Talvez ela nos possa responder.

— Ótimo.

Joe ligou o sistema e selecionou um botão geral, para se certificar de que a sua voz seria difundida por todo o edifício.

Levando o microfone à parte da frente do capacete, tentou falar o mais claramente possível. — Dr.ª Ambrosini, ou quaisquer sobreviventes neste hospital, o meu nome é Kurt Austin. Recebemos o seu pedido de socorro. Se consegue ouvir esta mensagem — ele quase disse, pegue no auscultador —, contacte, por favor, a receção. Estamos a tentar entrar em contacto consigo mas não sabemos onde se encontra.

A mensagem soou através dos altifalantes, um pouco abafada mas suficientemente clara para ser entendida. Estava já quase a repetir o que dissera quando as portas automáticas se abriram por detrás deles.

Ambos se voltaram um pouco sobressaltados, mas não havia aí ninguém, apenas um espaço vazio. Após um ou dois segundos, as portas voltaram a fechar-se.

— Quanto mais depressa encontrarmos estas pessoas e sairmos daqui, tanto melhor — disse Joe.

— Não poderia concordar mais contigo.

A linha junto da secretária começou a tocar, e viu-se uma luz branca a piscar no painel.

— Uma chamada para si na linha um, Dr. Austin — disse Joe.

Kurt pressionou o botão.

— Está lá? — ouviu-se uma voz feminina. — Está aí alguém? Fala a Dr.ª Ambrosini.

Kurt debruçou-se junto do microfone e começou a falar clara e pausadamente.

— Chamo-me Kurt Austin. Ouvimos o seu pedido e viemos para a socorrer.

— Oh, graças a Deus! — exclamou ela. — O senhor parece americano. Está com a NATO?

— Não — respondeu Kurt. — Eu e o meu amigo estamos com uma organização chamada NUMA. Somos mergulhadores e especialistas em operações de salvamento.

Houve uma pausa. — E por que motivo não se encontra afetado pela toxina? Aparentemente afetou toda a gente. Vi-o com os meus próprios olhos.

— Digamos que estamos vestidos para a ocasião.

— Mais do que vestidos — acrescentou Joe.

— Pois bem. Estamos fechados no terceiro andar. Conseguimos selar uma das salas de cirurgia com pedaços de plástico e adesivo, mas não podemos aqui ficar por muito mais tempo. O ar já começa a rarear.

— Unidades militares italianas, especializadas em materiais perigosos, já se encontram a caminho — disse Kurt. — Mas terá que esperar mais umas horas.

— Não podemos — disse ela. — Há mais dezanove pessoas aqui. Precisamos de ar fresco desesperadamente. Os níveis de dióxido de carbono estão a subir muito depressa.

Numa mochila, Kurt trouxera mais dois fatos de mergulho e uma pequena garrafa de oxigénio que se poderia segurar na mão. O plano tinha sido levar quem encontrassem para o Sea Dragon e depois virem buscar os outros. No entanto, com vinte pessoas ali fechadas…

— Creio que temos o caldo entornado — disse Joe.

— Mais do que o caldo — murmurou Kurt.

— De que é que estão a falar? — perguntou a médica.

— Não vamos conseguir tirar-vos daí — concluiu Kurt.

— Mas não iremos conseguir sobreviver nesta sala por muito mais tempo — respondeu ela. — Alguns dos doentes idosos já estão inconscientes.

— Será que este hospital tem alguma unidade para lidar com materiais perigosos? — perguntou-lhe Kurt. — Poderíamos tentar descobri-la.

— Não — disse ela. — Não temos nada desse género.

— E quanto a oxigénio? — continuou Joe. — Há oxigénio em todos os hospitais.

Kurt acenou afirmativamente com a cabeça. — Esta semana parece que mereces o teu ordenado, meu amigo.

— E não o mereço sempre?

Kurt estendeu a mão e fez um gesto como se para dizer que tinha dúvidas.

Quando Joe fingiu estar muito ofendido, Kurt dirigiu-se mais uma vez ao microfone. — Em que andar é que fica o vosso armazém de material hospitalar? Vamos trazer-vos mais garrafas de oxigénio. As que sejam suficientes para vos manter, até que os militares italianos aqui cheguem.

— Sim, isso iria funcionar — disse ela. — O material hospitalar está no segundo andar. Não percam tempo, por favor.

Kurt desligou e ambos se dirigiram para o elevador. Joe carregou no botão e as portas abriram-se para mostrarem um médico e uma enfermeira estendidos a um canto.

Joe ia retirá-los, mas Kurt dissuadiu-o. — Não temos tempo para isso.

Carregou no 2 e a porta fechou-se. Quando se ouviu a campainha, Kurt começou a andar muito rapidamente pelo corredor, enquanto Joe arrastava o médico até meio da porta para aí o deixar.

— Estás a usá-lo para que a porta não se feche? — mencionou Kurt enquanto o amigo o alcançava.

— Creio que ele não se vai importar — informou-o Joe.

— Pois não. Acho que não…

Encontraram a sala ao fundo do corredor e arrombaram a porta. Viram um armário de rede ao fundo, com uma etiqueta onde se lia Oxigénio Médico. Kurt conseguiu abri-la. Estavam ali oito garrafas verdes que ele pensou serem suficientes.

Joe avançou com uma maca com rodas. — Põe-nas aqui em cima. Assim, não teremos que carregar com tudo.

Kurt colocou as garrafas na maca e Joe amarrou-as para que não escorregassem.

Conseguiram empurrar a maca através da porta; tentaram virar e embateram numa parede.

— Onde é que aprendeste a guiar? — perguntou Kurt.

— Estas coisas são mais difíceis de manobrar do que parece — respondeu o outro.

Endireitando-se, começaram a acelerar em direção ao elevador. A meio caminho, porém, ouviram uma vez mais a campainha e o som das portas do segundo elevador a abrirem-se.

— Este edifício deve estar assombrado — disse Joe, continuando.

— Ou o edifício ou o sistema elétrico.

Ao aproximarem-se, um indivíduo de pele muito morena saiu do segundo elevador e caiu.

— Ajudem-me — pediu ele, ficando estendido junto de uma parede. — Por favor…

Ainda um pouco confuso, Kurt largou a maca e debruçou-se sobre o homem.

A princípio, ele tinha os olhos fechados, porém, logo que Kurt se aproximou, ele abriu-os e fitou-o muito fixamente. Não havia delírio nem medo nesses olhos, apenas uma malícia terrível, acompanhada da pistola de canos curtos que o indivíduo tirou do bolso e disparou.