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CAPÍTULO 12

A atmosfera na escola estava mais sombria do que tinha ficado depois dos desaparecimentos anteriores. Violet suspeitou de que isso se devesse ao fato de Hailey McDonald não ser apenas uma conhecida que viam passar em uma festa ou um evento social. Para a maioria do corpo estudantil, Hailey McDonald era alguém familiar.

Ela era irmã de um colega de escola, e sua família era bastante conhecida por muitos dos alunos da White River. Sua ausência na comunidade era quase palpável, e estava sendo encarada de forma mais pessoal que as mortes das outras meninas.

Outra coisa evidente na escola na segunda-feira foi o notável aumento na segurança. E não eram apenas os seguranças desarmados da escola que patrulhavam o campus e mantinham a ordem; havia agora a presença visível de policiais, com pelo menos dois oficiais não uniformizados em guarda nos corredores, fora das salas.

Um dos policiais carregava diversas marcas, que Violet presumiu serem ossos do ofício. Felizmente, nenhuma delas era particularmente ofensiva a ela, que podia facilmente ignorá-las quando ele estava por perto.

Os orientadores psicológicos também estavam de volta, o que Violet julgava um pouco prematuro, considerando que não havia provas — pelo menos não ainda — que sugerissem que Hailey McDonald não seria encontrada e trazida para casa ilesa.

Eles estavam disponíveis para os alunos que sentissem necessidade de, em um ambiente seguro, desabafar seus medos e frustrações. Mas muitos os consideravam ótimas desculpas para matar aulas, uma vez que autorizações para falar com os orientadores estavam sendo distribuídas como se fossem bala.

Violet optara por guardar as próprias preocupações, em vez de conversar com os orientadores. E como Jay ainda não estava falando com ela, realmente não tinha ninguém com quem desabafar.

Ele a deixara em casa no domingo à noite, após o dia desastroso no shopping, e esperara na entrada apenas o tempo suficiente para certificar-se de que ela tinha entrado em segurança. Quando Violet tentou ligar mais tarde naquela noite, ele não se incomodou em atender ao telefone e também não respondeu aos e-mails da amiga. Violet não insistiu no assunto. Sabia que estava bravo e que só precisava de um tempo para melhorar.

Seus pais, no entanto, a surpreenderam quando ela chegou: eles lhe deram um celular novinho em folha.

Violet pedia a eles que lhe dessem um telefone desde os catorze anos, citando os nomes de todas as outras pessoas de sua idade que já tinham um. Os pais sempre recusaram, ignorando os pedidos de Natal e aniversário, declarando que não havia nenhum “bom motivo” para que ela tivesse um.

Aparentemente, tinham mudado de ideia.

Ela deveria ter ficado animadíssima com o celular, mas de algum modo não tinha mais o mesmo apelo de outrora. Agora parecia mais uma ferramenta necessária à sobrevivência que o novo brinquedo com o qual sempre sonhara. Guardou-o na bolsa… ao lado da lata de spray de pimenta.

Violet seguiu a grade de disciplinas de segunda-feira, tentando ignorar o fato de que Jay, que se sentava a seu lado em diversas aulas, ainda não falava com ela. Ele se manteve impassível, olhando para a frente e realizando um bom trabalho ao fingir que prestava atenção nos professores, em um esforço de evitar qualquer contato visual acidental com Violet. Ela sabia que ele continuava furioso.

De fato, não se importava de ele estar tão aborrecido, pois considerava que merecia, ao menos até certo ponto. Ela agira como uma idiota no dia anterior, percebeu, ao lembrar-se de que basicamente planejara confrontar um assassino em um banheiro público no shopping. Então, em vez de se afetar com o tratamento silencioso de Jay, fingiu não perceber a indiferença intencional do amigo.

Mas algo mais aconteceu naquela segunda-feira, e que pegou Violet de surpresa.

Depois da aula de educação física, no primeiro tempo, ficou surpresa ao encontrar Grady à sua espera do lado de fora do vestiário. Ele caminhou com Violet até a sala do segundo tempo de aula. Conversaram sobre assuntos irrelevantes, coisa que era fácil fazer com Grady, pois eram amigos há muito tempo. E ela apreciava o fato de ele não parecer pressioná-la a serem nada além do que eram, apesar de ainda planejarem ir juntos à festa. Violet percebeu que gostava da companhia de Grady e ficou satisfeita por ele ter decidido ir caminhando com ela.

Jay não levantou o olhar ao passar por eles a caminho da aula, mas Violet tinha certeza de que ele não estava de punhos cerrados até vê-la com Grady.

Mesmo assim, considerando que eram “apenas amigos”, Violet ficou ainda mais surpresa quando viu que Grady a esperava novamente, após as duas aulas seguintes.

Tinha planejado almoçar na mesa de sempre, na companhia dos mesmos amigos com os quais ela e Jay se sentavam quase todos os dias. Grady geralmente ficava em outra mesa com vários de seus amigos atletas, mas naquele dia era como se ele, de alguma forma, tivesse sentido que Violet ficaria sozinha e decidido ficar com ela. Violet não reclamou.

Carregou a bandeja do almoço para a mesa na qual Claire e Jules já estavam sentadas. Grady se sentou perto dela… no lugar em que Jay normalmente ficava.

A ausência de Jay era muito óbvia.

Violet olhou o mais discretamente possível pelo refeitório, imaginando com quem Jay tinha decidido passar a hora do almoço, mas ele não estava em lugar nenhum. Ficou um pouco irritada consigo mesma pela decepção que sentiu ao não vê-lo, mesmo que de longe.

— Oi, Grady — Violet ouviu Chelsea falar com convicção ao juntar-se ao grupo, espremendo-se entre Claire e Jules. Violet sabia que o tom tinha sido mais por sua causa que por Grady.

— Oi — respondeu Grady, acenando com a cabeça para as outras meninas da mesa.

Passaram-se alguns desconfortáveis instantes de silêncio, tornados ainda mais evidentes pelos olhares zombeteiros não tão sutis que Chelsea dirigia a Violet. Chelsea era tão discreta quanto uma britadeira. No fim das contas, contudo, foi Claire quem piorou as coisas quando perguntou onde Jay estava.

Violet realmente não queria contar a eles que Jay estava com raiva dela, e não havia como explicar a briga que tinham tido, então simplesmente inventou alguma bobagem sobre Jay ter de ficar depois da aula para fazer alguns trabalhos. Não fazia ideia se Jay corroboraria a mentira idiota, se perguntassem a ele, e, naquele momento, realmente não se importava… desde que impedisse que mais alguém mencionasse a ausência do amigo no almoço.

Quando Andrew Lauthner, um garoto que várias vezes se sentava à mesa com eles, e que havia muito gostava de Chelsea, juntou-se ao grupo, Grady ficou satisfeito por poder voltar a atenção para o outro menino. Como começaram a conversar sobre carros, um assunto sobre o qual Violet não sabia absolutamente nada, ela não se sentiu muito mal em ignorar a conversa dos dois… e os dois.

Chelsea lançou outro olhar cheio de significado a Violet, informando-a de que não acreditava na história Jay-tem-um-trabalho-para-fazer. E Violet se fez de desentendida, fingindo que não tinha notado os olhares da amiga.

Quando o sinal finalmente tocou, Violet se sentiu grata por Grady ainda estar envolvido demais na conversa com Andrew para ir com ela até a próxima aula. Infelizmente, a curiosidade de Chelsea não diminuiu ao longo da refeição, e ela deu um salto para seguir Violet para fora do refeitório.

Caminharam por quase sessenta segundos antes que Chelsea dissesse alguma coisa, apesar de Violet saber que, sem dúvidas, isso aconteceria.

— Eu gosto do novo Jay — Chelsea finalmente declarou, como se estivesse fazendo uma simples observação, em vez de estar tentando arrancar informações da amiga.

— Cale a boca — resmungou Violet, sem conseguir esconder completamente o sorriso em relação ao comentário absurdo de Chelsea. Mesmo assim, não se sentiu inclinada a compartilhar os problemas com a amiga.

— Não me entenda mal, Vi. Ainda gosto mais do velho Jay; só estou dizendo que o novo Jay não é tão ruim. Além do mais, pelo menos ele teve coragem de convidá-la para a festa. Coisa que o velho Jay não pareceu capaz de fazer.

— Ele não é o novo Jay — insistiu Violet, parando no armário para pegar um caderno. — Jay só está irritado comigo agora. Daqui a pouco vai passar. Além disso, eu já lhe disse que somos apenas amigos.

— Quem? O novo Jay ou o velho Jay?

Violet revirou os olhos ao fechar a porta do armário.

— Os dois. — Ela se virou de costas e deixou Chelsea sozinha na fileira de armários. E depois disse novamente, olhando para trás: — Além disso… não tem novo Jay.

Violet só levou um instante para registrar o fato de que Jay estava bem ali no corredor, a alguns centímetros de distância dela, próximo o suficiente para ter ouvido toda a conversa com Chelsea. Mas ela não sabia com certeza há quanto tempo ele estava parado ali. Mesmo assim, ficou mortificada por ele ter ouvido que ela falara sobre ele.

Ignorou o olhar flamejante que Jay lançou em sua direção ao passar apressada pelo amigo, fugindo para a próxima aula… e tentou ignorar o fato de que ele estaria sentado a seu lado.

* * *

Os dois dias seguintes se passaram com Jay lhe conferindo o tratamento do silêncio e Grady lhe dedicando atenção extra. Era como um bizarro universo alternativo, em que para cima significava para baixo e sim queria dizer não.

Violet não se importava com o fato de Jay a estar evitando, porque, por enquanto, isso lhe dava tempo para trabalhar no novo plano que tinha arquitetado, um no qual ele jamais ajudaria. Mas o excesso de atenção de Grady era outra história. Estava começando a dar nos nervos, ele a seguia como uma espécie de cachorrinho hiperativo que vivesse colado a seu pé. E ele sempre parecia estar um passo à frente de Violet… alcançando suas salas de aula antes que ela pudesse entrar e desaparecer nos corredores lotados, esperando por ela na mesa de sempre do refeitório, e até a encontrando no carro depois da aula, só para ter mais alguns minutinhos com ela.

Começava a ficar óbvio que Grady não estava interessado em ser apenas mais um dos amigos de Violet. Agora tinha certeza de que ele queria mais, e culpava a ausência de Jay pelos esforços exagerados de Grady em procurá-la durante as horas de aula. Temia que, se Jay não voltasse a falar logo com ela, Grady poderia decidir que o dia de aula não era suficiente, e começaria a visitá-la em casa depois da escola. Do jeito que estava, ele tinha passado a ligar para ela o tempo todo. Não sabia ao certo quantas mensagens de voz seu telefone conseguia armazenar.

Nos últimos dias, o simples pensamento de ir à festa com Grady fazia a pele de Violet pinicar, como se ela estivesse explodindo em urticária — ou, mais provavelmente, talvez fosse um caso grave de arrependimento.

Em um esforço para ignorar o interesse entusiasmado de Grady, Violet voltou a própria atenção para os detalhes do novo plano. A ideia tinha lhe ocorrido a princípio durante o caminho estranhamente quieto para casa, no dia em que foi ao shopping com Jay. Ela sabia com certeza que simplesmente andar por lugares públicos à procura de ecos era um erro. Havia muitas variáveis envolvidas, muitas pessoas que tinham matado sem intenção, ou por ocupação, ou por esporte. Foi então que percebeu que teria de filtrar a procura de alguma forma.

Já sabia que reconheceria a marca deixada pela garota do lago. Tinha visto com os próprios olhos e sabia que quem quer que ele fosse, carregaria uma película radiante e oleosa ao redor de si, exatamente como a menina do lago. Mas esse era um eco visual, que significava que só seria útil se Violet se encontrasse cara a cara com o assassino. Seria quase impossível detectá-lo à distância.

Precisava de mais informações. E só havia uma maneira de consegui-las.

Teria de descobrir que eco a outra menina, Brooke Johnson, deixara para trás. E que, assim, teria deixado também no assassino.

Para alguém como Violet, que podia sentir as energias remanescentes de um assassinato, um cemitério era um lugar difícil de visitar. Até então, pelo menos até onde sabia, enterrar um corpo parecia trazer uma sensação de paz, liberando o eco em algo menos… intenso. Mas sua experiência era limitada, na melhor das hipóteses experimental, e ela sempre temeu que suas teorias pudessem estar erradas.

Então Violet normalmente tentava evitar lugares nos quais houvesse mais chances de encontrar ecos — cemitérios, hospitais com necrotérios, funerárias —, pelo risco de sentir algo mais forte que aquilo que poderia suportar. Seus pais a tinham protegido contra essa possibilidade, e até a deixaram em casa quando foram para o enterro da avó de Violet, há apenas três anos.

Mas agora, quando Hailey McDonald ainda estava desaparecida em algum lugar, Violet sentia a responsabilidade pesar mais que qualquer temor — real ou imaginário — de seus potenciais desconfortos sensoriais. Ela poderia ser a única pessoa capaz de encontrar esse sujeito, e não estava disposta a ignorar essa possibilidade.

Se iria descobrir qual era o eco de Brooke, teria de ir até o cemitério no qual ela havia sido enterrada.

A ideia era bastante simples, mas sua execução era outra história. Seus pais praticamente a mantinham presa em um regime de segurança máxima. Sentia-se como se cumprisse pena. E, com a ausência de Jay como seu guardião e protetor, eles não pareciam inclinados a deixá-la longe de sua vista por mais de cinco minutos.

Jay teria sido o cúmplice perfeito, exceto pelo irritante fato de que ele se recusava a falar com ela. Com isso, e após o que ela aprontara no shopping, não havia chances de convencê-lo a ajudá-la mais uma vez. Violet mais que temia que, se soubesse o que ela planejava agora, Jay tentasse contê-la… mesmo que isso significasse dedurá-la a seus pais.

Violet imaginara diversos modos de escapar por uma tarde, descartando-os um por um ao perceber que, se fosse pega mentindo — ou mesmo omitindo —, provavelmente nunca mais veria a luz do dia.

Tudo bem, talvez um pouco dramático, mas não totalmente improvável.

Quando a resposta finalmente veio, sentiu-se um pouco estúpida por não ter pensado nela antes. Era a desculpa perfeita, e ninguém, nem mesmo seus pais, saberia a verdade. Mesmo seu acompanhante não saberia da armação. Era infalível.

Ela ligou para Grady do novo celular, útil pela primeira vez desde que o tinha ganhado.

Ele atendeu no primeiro toque, com a voz entusiasmada. Violet se contraiu ligeiramente. Após um pouco de conversa fiada, deu início ao plano.

Despejou as palavras com cuidado, seguindo o roteiro que preparara mentalmente antes de telefonar.

— Enfim, estou ligando por que, com tudo o que vem acontecendo, ainda não tive tempo de visitar o túmulo de Brooke e estou me sentindo péssima com isso — Violet explicou com o máximo de sinceridade que conseguiu.

— Cara, eu nem sabia que vocês eram amigas.

— Pois é. Nós jogamos softbol e futebol quando éramos mais novas, e, apesar de não nos vermos muito, fiquei arrasada quando soube… sabe… — tentou soar como se estivesse arrasada, sem conseguir concluir a própria frase. Desejou ser uma daquelas meninas que conseguiam chorar quando queriam, apenas para provocar um efeito dramático. — Você acha… você se importaria… de me levar lá? Para eu não ter de ir sozinha…? — a voz foi sumindo, e ela esperou pela resposta.

Executou com perfeição, desde o princípio. E mesmo com o alto grau de dificuldade, teve de se dar um dez pela atuação. Jay teria percebido na hora, mas Grady não fazia ideia.

— Quando você quer ir? — ele perguntou.

— Você consegue chegar aqui em uma hora?

Provavelmente poderia ter pedido que estivesse lá em dois minutos, e ele chegaria em um.

Quando Violet desligou, ficou surpresa por não sentir nem um pingo de culpa pela manobra e imaginou se teria se sentido diferente caso a mentira tivesse sido contada para Jay.

A parte seguinte do plano era uma pouco mais complicada. Teria de convencer os pais a deixá-la ir.

O pai ainda estava no trabalho, mas a mãe estava no estúdio. Violet caminhou pelo gramado até o galpão convertido em estúdio de arte e, ao abrir a porta, foi atingida pelo cheiro familiar do tecido das telas e dos gases do solvente de tinta.

A mãe sorriu em saudação enquanto limpava os pincéis em um velho pote com agentes cáusticos.

— Tudo bem, Vi?

Violet hesitou, e a primeira pontada de culpa atacou sua consciência. Mas não tinha volta, decidiu, e seguiu em frente.

— Grady Spencer ligou e perguntou se eu poderia ir ao cemitério com ele.

As sobrancelhas da mãe se ergueram com o pedido incomum, e ela parou de mexer nos pincéis e esfregou as mãos no avental sujo de tinta. Pareceu preocupada, e Violet sabia por quê. Não era algo que a filha pediria normalmente.

Violet prosseguiu com a explicação que planejara.

— Acho que ele era amigo da menina que morreu, a de Bonney Lake. Ele quer levar flores para o túmulo dela, mas não quer ir sozinho. — Mal conseguia acreditar que tivesse dito tudo sem tropeços. — Não achei que haveria problema, principalmente porque ele vai estar comigo, então eu disse que iria. — Ela se forçou a parecer o mais relaxada possível naquele momento, enquanto seu coração batia acelerado dentro do peito. — Tudo bem, não é?

Pensativa, Maggie Ambrose examinou a filha.

— Tem certeza, Violet?

Violet assentiu e prendeu a respiração ao olhar cautelosamente para a mãe, procurando qualquer sinal que indicasse o que ela poderia estar pensando. Por um instante, achou que tivesse visto um olhar cético, e imaginou que pudesse ter exagerado na interpretação.

Mas, finalmente, a mãe voltou a limpar os pincéis e deu de ombros.

— Acho que não tem problema. Desde que fiquem juntos. — E lançou outro olhar a Violet que indicava que estava falando sério. — Não estou brincando, Violet Marie… fiquem juntos. E tenham cuidado.

— Teremos, mãe. Obrigada. — Ela se aproximou e deu um beijo rápido na bochecha da mãe, que surpreendeu as duas um pouco. Violet não fazia isso havia anos, e não podia deixar de pensar que o ato impulsivo tinha sido motivado pela vergonha de ter mentido na cara da mãe. Talvez o gesto de afeto a deixasse com menos remorso pelo que estava prestes a fazer.

Mas, mesmo com o peso na consciência, Violet saiu praticamente saltitando do galpão e esperou impacientemente pela chegada de Grady.