Capítulo 1

Minha mão pulsava no mesmo ritmo do meu coração. Eu só conseguia bufar em frente à porta fechada do elevador que a levava para longe de mim.

Pensa, pensa!

Ir atrás de Brynne não era uma opção, então saí do hall e fui até a sala dos funcionários. Elaina estava pegando um café. Ela manteve a cabeça baixa e fingiu que eu nem estava ali. Mulher esperta. Espero que os outros idiotas do andar façam a mesma coisa, ou provavelmente terão que procurar novos empregos.

Joguei umas pedras de gelo num saco plástico e enfiei a mão dentro. Porra, doeu! Tinha sangue nas juntas e, provavelmente, na parede ao lado do elevador também. Voltei para a minha sala com a mão no gelo e pedi que Frances chamasse a equipe de limpeza para dar um jeito na mancha de sangue na parede.

Frances assentiu sem piscar e olhou para a mão no saco.

— Vai precisar tirar um raio X? — perguntou ela, com uma expressão maternal. Ou, pelo menos, uma que eu imaginava ser as que as mães faziam. Mal lembro da minha, então podia estar só delirando.

— Não. — Preciso da minha namorada de volta, não de uma porra de um raio x!

Entrei no escritório e fechei a porta. Tirei uma garrafa de vodca do frigobar e abri. Puxei a gaveta da mesa e tateei atrás do maço de Djarum Blacks e do isqueiro que sempre deixo ali. Desde que conheci Brynne, eu vinha fumando mais, em um ritmo frenético. Tinha que lembrar de renovar o estoque.

Tudo que precisava era de um copo, ou nem isso. A garrafa servia muito bem. Dei um gole, segurando o gargalo com a mão ferrada, e apreciei a dor.

Foda-se a minha mão, era o meu coração que estava partido.

Olhei para a foto de Brynne. Aquela que bati no trabalho, quando ela me mostrou a pintura da Lady Percival com o livro. Lembro que tirei a foto com o celular e me surpreendi ao ver como tinha ficado boa. Tão boa que imprimi uma cópia para ter no escritório. Não importava que fosse só a câmera de um celular – Brynne ficava linda através de qualquer tipo de lente. Especialmente as dos meus olhos. Às vezes, chegava a sentir dor só de olhar para ela.

Fiquei me lembrando daquela manhã ao seu lado. Podia vê-la na minha imaginação – feliz como ela estava quando bati a foto, sorrindo para aquele quadro antigo...

Parei o carro no estacionamento da Rothvale Gallery e desliguei o motor. Do lado de fora, estava um dia feio, úmido e frio. Só de ter Brynne sentada no banco do carona, vestida para trabalhar, linda, sexy, sorrindo, já me levava nas alturas, mas o que me deixava louco era a consciência do que tinha acontecido entre nós naquela manhã. Não estava falando da transa, não. Lembrar do banho e do que a gente fez lá realmente me manteria excitado o dia inteiro, mas o que me deixava mais feliz era saber que à noite nos encontraríamos de novo. Que ficaríamos juntos, que ela era minha e que eu podia levá-la para minha cama e fazer tudo outra vez. A conversa que a gente teve, também. Sentia que ela finalmente tinha se aberto um pouco para mim. Que ela gostava de mim do mesmo jeito que eu. E que já era hora de começarmos a falar de um futuro juntos. Eu queria tanta coisa com Brynne.

— Já te falei como gosto de quando você sorri pra mim, Ethan?

— Não — respondi, abrindo mais o sorriso. — Me diz.

Brynne balançou a cabeça reprovando minha tática e olhou para a chuva, através da janela.

— Sempre me sinto especial porque tenho a impressão de que você não sorri muito em público. Eu diria que você é reservado. Então, quando você sorri para mim, fico assim... derretida.

— Olha pra cá — esperei que ela atendesse, sabendo que iria obedecer. Esse era outro assunto que a gente teria que discutir, mas para mim estava claro desde o início. Brynne era naturalmente submissa a mim. Ela aceitava o que eu queria – o dominador em mim tinha encontrado sua musa –, e essa era apenas mais uma das razões pelas quais a gente era tão perfeito junto.

Eu te derreto, hein?

Brynne levantou os olhos castanhos/verdes/cinzentos para mim e aguardou, enquanto meu pau latejava dentro da calça. Poderia transar com ela ali mesmo, no carro, e ainda iria desejá-la minutos depois. Aquela mulher era como um vício.

— Meu Deus, você fica linda quando faz isso.

— Faço o quê, Ethan?

Passei uma mecha daquele cabelo tão macio por trás da orelha dela e sorri de novo.

— Nada, não. Você me deixa feliz, só isso. Adoro te trazer pro trabalho depois de a gente ter transado a noite toda.

Brynne ficou toda corada e eu quis fazer sexo com ela de novo.

Não, isso não era verdade. Eu queria fazer amor com ela. Bem devagar. Podia imaginar o corpo lindo dela espalhado, nu, esperando que eu o agradasse de todas as maneiras que conseguisse. Todo meu. Só para mim. Brynne me fazia sentir tudo!

— Você quer entrar e ver no que é que eu tô trabalhando agora? Dá tempo?

Peguei a mão dela, encostei nos meus lábios e inspirei seu perfume profundamente.

— Achei que você nunca fosse convidar. Vamos lá, professora Bennett, pode me guiar.

Ela riu.

— Quem sabe um dia... Vou usar um desses vestidos pretos e óculos e prender o cabelo num coque. Vou dar palestras sobre técnicas de conservação e você vai poder sentar lá atrás, me distraindo com comentários inapropriados e olhares.

— Ahh, e daí você vai me chamar na sua sala e me punir? Vai me deixar de castigo, professora? Com certeza a gente ia conseguir chegar a um acordo para eu me comportar melhor — deitei a cabeça no colo dela.

— Você é louco — falou rindo e me empurrando para trás. — Vamos entrar.

Corremos juntos pela chuva, meu guarda-chuva nos protegendo. O corpo elegante dela acolhido no meu, cheirando a flores e raios do sol, fazia com que me sentisse o cara mais sortudo do planeta.

Ela me apresentou ao segurança coroa, que era obviamente apaixonado por ela, e me guiou até uma sala grande, um estúdio. Era amplo, bem iluminado, com mesas grandes e cavaletes. Em seguida, me levou até um enorme quadro, o retrato de uma mulher de cabelos escuros, ar solene e olhos azuis brilhantes, segurando um livro.

— Ethan, por favor, diga “oi” para a Lady Percival. Lady Percival, esse é meu namorado, Ethan Blackstone — disse Brynne, sorrindo para a pintura como se fossem grandes amigas.

Fiz uma reverência para a imagem e disse:

— Senhora.

— Ela não é incrível? — perguntou Brynne.

Dei uma olhada no quadro, analisando-o.

— Bom, com certeza ela é bem carismática. Parece ter uma história para contar, por trás desses olhos azuis — me aproximei para enxergar melhor o livro nas mãos dela. Era difícil ler as palavras, mas assim que me dei conta de que era em francês, ficou mais fácil.

— Tô trabalhando especialmente nessa parte do livro. O quadro estragou bastante por causa do calor de um incêndio anos atrás, e tem sido uma luta tirar essa camada de verniz derretido. É uma coisa importante, eu tenho certeza.

Olhei de novo e consegui ler a palavra Chrétien:

— Tá em francês. Aqui, é o nome Christian, bem aqui — apontei.

Ela arregalou os olhos e perguntou, excitada:

— É?

— É. Tenho certeza de que tá escrito Le Conte du Graal. A história do Santo Graal? — virei para Brynne e encolhi os ombros. — A mulher no quadro se chama Lady Percival, certo? Percival não é o nome do cavaleiro que encontrou o Santo Graal, na lenda do Rei Arthur?

— Meu Deus, Ethan! — ela apertou meu braço, entusiasmada. — Mas é claro, Percival! Essa é a história dela. Você descobriu! A Lady Percival tá mesmo segurando um livro muito raro. Eu sabia que era alguma coisa importante! Uma das primeiras histórias escritas sobre o Rei Arthur, lá atrás no século XII. Esse livro é Perceval, o conto do Graal, de Chrétien de Troyes.

Quando ela olhou admirada para a pintura, com o rosto brilhando de felicidade, peguei meu celular e fiz a foto. Um retrato magnífico da Brynne, sorrindo para a Lady Percival.

— Fico feliz por poder ajudar, minha querida.

Brynne pulou em mim e me beijou na boca, com os braços enroscados em meu pescoço. Era a melhor sensação do mundo.

— Sim, você ajudou tanto! Vou ligar para a Mallerton Society hoje mesmo e contar a eles o que você descobriu. Eles vão se interessar, com certeza. Tem essa exposição para comemorar o aniversário dele no mês que vem... Acho que eles podem querer incluir isso.

Brynne começou a divagar e a me contar, superentusiasmada, tudo o que jamais havia sonhado aprender sobre livros raros, quadros de livros raros e conservação de pinturas de livros raros. O rosto dela estava vermelho de empolgação por ter resolvido um mistério, mas a verdade é que aquele sorriso e aquele beijo valiam ouro para mim.

Abri os olhos e tentei entender o que estava acontecendo. Parecia que tinham dado uma paulada na minha cabeça. Uma garrafa de vodca pela metade me encarava. Minha cara estava grudada na mesa coberta por pontas de cigarro, com um cheiro de cravo e tabaco estragados. Descolei o rosto e segurei a cabeça com as mãos, cotovelos apoiados na mesa.

A gente tinha fodido naquela mesma mesa, apenas algumas horas atrás. Isso mesmo, fodido. Aquilo tinha sido foda pura, indiscutível. Tão boa, que meus olhos ardiam só de lembrar. O visor do meu celular piscava, enlouquecido. Virei-o para baixo, para não ter que olhar. Nenhuma das ligações era realmente da Brynne.

Ela não iria me ligar. Disso eu tinha certeza. A única questão era quanto tempo eu ia aguentar até tentar ligar para ela.

Era noite. Tudo escuro lá fora. Onde ela estava? Estaria sofrendo, triste? Chorando? Amparada pelos amigos? Me odiando? Provavelmente tudo isso de uma só vez. E eu nem podia ir até lá e melhorar a situação. Ela não te quer lá.

Então é assim que a gente se sente quando está amando. Já estava na hora de encarar algumas verdades sobre Brynne e o que tinha feito com ela. Decidi ficar no escritório. Não podia ir para casa. Já tinha muitas coisas dela no apartamento e ver tudo lá me enlouqueceria. Melhor ficar ali aquela noite e dormir com lençóis que não tinham o perfume dela. Que não tinham nada dela. Uma onda de pânico obrigou meu corpo a se mexer.

Levantei o rabo da cadeira e fiquei em pé. Vi um pedacinho de pano cor-de-rosa jogado no chão, perto dos meus pés, e na mesma hora eu soube o que era. A calcinha de renda que arranquei de Brynne ali, na mesa.

Puta merda! Só de lembrar onde eu estava quando entrou aquela mensagem do pai dela... Enterrado dentro dela. Era agonizante tocar qualquer coisa que tivesse estado em contato com a sua pele. Peguei a calcinha e a guardei no bolso. O chuveiro estava me chamando.

Passei pela porta dos fundos e entrei na pequena suíte, onde havia uma cama, um banheiro, uma televisão e uma cozinha compacta – tudo de primeira. Perfeito para o homem solteiro ocupado, que trabalha até tão tarde que nem faz sentido ir para casa.

Ou talvez um matadouro. Era para lá que eu levava as mulheres que queria comer. Sempre bem tarde, claro, e nunca durante a noite inteira. Elas sempre iam embora antes do amanhecer. Tudo isso foi antes de encontrar Brynne. Nunca quis levá-la ali. Ela era diferente desde o primeiro dia. Minha linda garota americana.

Brynne não fazia ideia da existência desse lugar. Ela ia sacar de cara, e ia me odiar por levá-la até lá. Esfreguei o peito, tentando diminuir a dor que sentia nele. Abri o chuveiro e tirei a roupa.

Enquanto a água quente caía no corpo, encostei na parede e me dei conta exatamente de onde estava. Você não está com ela! Você fodeu tudo e agora ela não te quer mais.

A minha Brynne havia me deixado pela segunda vez. A primeira foi na calada da noite, aterrorizada por um pesadelo. Dessa vez, ela simplesmente virou as costas e foi embora, sem olhar para trás. No rosto dela, dava para notar que não estava indo embora por medo. Era por conta do sentimento devastador e sem volta da traição, ao descobrir que eu havia mentido para ela. Quebrei a confiança dela. Apostei muito alto e perdi.

O desejo de segurá-la e trazê-la de volta era tão poderoso que dei um soco na parede – e provavelmente quebrei alguns ossos – só para evitar ir atrás dela. Ela falou para eu nunca mais a procurar.

Desliguei o chuveiro e saí do banho, ao som dos pingos que escorriam e faziam meu peito doer, de tão oco. Puxei uma toalha e cobri a cabeça. Encarei meu reflexo no espelho, conforme o rosto ia se revelando por trás da toalha. Nu, molhado e miserável. Sozinho. Enquanto observava o cara babaca que eu era, me dei conta de outra verdade.

Nunca é tempo demais. Posso ser capaz de dar a ela um ou dois dias, mas nunca com certeza estava fora de questão.

Além disso, ela ainda precisava de proteção, por causa de uma ameaça que realmente poderia ser perigosa. Não poderia deixar que nada de ruim acontecesse com a mulher que eu amo. Nunca.

Sorri para o espelho, me divertindo – mesmo nesse estado deplorável – com a esperteza de aplicar o uso correto da palavra nunca.