11.

— LINDO CHAPÉU! — exclamou lady Bencott.

Hester focou sua atenção na monstruosidade que lady Emily Sherman equilibrava na cabeça enquanto experimentava a peça diante do espelho. Decididamente, nenhuma das senhoras tinha bom gosto.

— Venha ver o chapéu da vitrine — sugeriu à amiga. — Talvez lhe caia melhor.

Encaminhando-se para o lado de fora da loja, Hester sentiu uma pontada de saudade de Jessica. Quando participava dessas saídas para compras, a irmã era uma conselheira e conciliadora de dar inveja. Sozinha na calçada depois de as amigas entrarem de novo no estabelecimento, Hester reparou em uma figura que se destacava em meio ao grande fluxo de pedestres na rua comercial.

O homem era alto e elegante. Usava botas de cano curto, calças brancas de cavaleiro e casaco verde-escuro discretamente enfeitado, mas sem dúvida caro. Exibia um andar tão confiante que os outros lhe davam passagem. Mulheres, jovens ou maduras, não deixavam de observá-lo. Assim que notou o olhar fixo de Hester, ele a cumprimentou tirando o chapéu e elevando o queixo forte e quadrado, inconfundível para ela.

Michael. De imediato, a visão alterou o motivo de seu aperto no coração. Um calor lhe percorreu as veias, sentimento que não experimentava desde a primeira vez que Regmont a possuíra. Algum fator íntimo havia nublado aquela noite, mas a lembrança permanecia acesa.

Como ele se tornara um homem tão sedutor? Por que o amigo de infância passara a evitá-la? Quando se transformara em lorde Tarley ou antes? Como o via pouco, mal notara seu formidável poder de atração. Parado ali, em meio à multidão, parecia satisfeito com seu porte físico, e de uma maneira que o marido, baixo e atarracado, nunca demonstrara.

Hester deixou os braços caírem ao lado do corpo, esperando a aproximação de Michael com impaciência. Também ele se mostrava surpreso, afobado para vencer o tráfego e chegar à calçada.

— Boa tarde, lorde Tarley — disse ela em tom anormalmente firme.

— Lady Regmont — ele devolveu a saudação, inclinando-se de leve e deixando à mostra os cabelos castanhos. — É um prazer encontrá-la.

— Igualmente.

Michael avistou a loja de chapéus e a movimentação interna.

— Passando a tarde com amigas?

— Sim. — A resposta curta significava que Hester não podia falar diretamente com ele sobre o que a preocupava. — Gostaria de vê-lo assim que tiver tempo. Tenho algo importante a discutir com você.

— Do que se trata? É grave? — perguntou Michael, tenso.

— Ouvi falar de sua luta com Regmont.

Michael ergueu as sobrancelhas.

— Não vou machucá-lo — Afirmou ele, e completou, rindo: — Não muito.

— Não é com ele que me preocupo. — Segundo Hester, o amigo não tinha noção da fera adormecida que poderia acordar.

Com os lábios trêmulos, Michael sorriu, em um gesto raro e que demonstrava profunda comoção. Nunca demonstrara abertamente seu interesse por aquela mulher radiante, em especial depois de seu casamento supostamente harmonioso com Regmont.

— Duvida das minhas aptidões pugilísticas?

— Não. É que não suportarei vê-lo ferido.

— Então, por você, tratarei de me proteger bem. E quanto ao seu esposo? — O olhar dele adquiriu um novo brilho. Ali, em plena rua, a situação parecia mudar de rumo.

— Regmont é fisicamente capaz de se defender sozinho — respondeu ela, percebendo que tinha revelado mais do que deveria. Por isso, passou a conversar sobre outro assunto.

— Apreciei sua visita, no outro dia. Não pode aparecer com mais frequência?

— Gostaria de tomar essa liberdade, Hester. — Um olhar sombrio complementou a voz baixa e íntima. — Prometo tentar.

Então cada qual partiu para um lado, sem mais despedidas. Hester reuniu toda a força de vontade que possuía para não espiar Michael por sobre o ombro quando voltou à chapelaria. Uma coisa era falar por um instante com o cunhado da irmã. Outra, mostrar-se ávida por vê-lo e senti-lo perto de si.

Junto das amigas, Hester ouviu elogios a ele, como o de que o título de nobreza lhe assentava bem.

— Com alguma sorte, Emily — afirmou lady Bencott —, um chapéu novo vai chamar a atenção dele e lhe propiciar um encontro.

— Tomara! — atalhou a outra, mas trocando o chapéu que experimentava por um terceiro, que tinha visto na prateleira. — Faz tempo que admiro Michael Sinclair.

Tal comentário provocou em Hester um inesperado e desconfortável ciúme.

— Deseja falar comigo?

De sua mesa de trabalho, Michael viu a mãe entrar na sala. Magra, bem trajada e igualmente bem penteada, conhecida pela firmeza de opiniões, a condessa de Pennington aparentava reinar sobre o espaço acanhado do escritório.

— Sim.

— Ela ocupou a cadeira indicada pelo filho, que colocou a pena com a qual escrevia sobre a tampa do móvel de mogno.

— Tenho um favor a lhe pedir.

A condessa estudou Michael com ar bondoso. A perda do outro filho, Benedict, se refletia em sua expressão austera. — Pois sabe que basta dizer. Se estiver dentro do meu alcance…

— Obrigado. — Ele analisou os próprios pensamentos, escolhendo a melhor maneira de dizer o que pretendia.

— Antes de mais nada, diga-me como tem passado. — Elspeth pousou as mãos no colo. Tinha faixas grisalhas nas têmporas e outros sinais de envelhecimento, mas continuava bonita, impecável e imponente. — Procurei deixá-lo sossegado, respeitar sua privacidade, desde que Benedict morreu, mas confesso que me preocupo com você. Parece não ser
o mesmo.

— Nenhum de nós é — concluiu Michael, recostando-se na cadeira.

Essa conversa sofrera um longo adiamento. Elspeth guardara luto fechado pelo conde e se abstivera de influenciar a nova vida de Michael, embora costumasse acompanhar a trajetória de todos os familiares. Agora, ocupava-se de amigos e atividades sociais, porém, desconhecia a razão daquela visita: apoiar o filho que sobrara ou preencher o vazio deixado pelo outro que partira?

— Fomos inocentes a ponto de pensar que Benedict jamais iria nos deixar um dia. — Por isso, agora, nos debatemos com a falta dele.

— Você não está se debatendo — corrigiu Elspeth. — É mais do que capaz de assumir novas responsabilidades à sua maneira. Ninguém exige que siga o estilo de Benedict nos negócios. Pode abrir seu próprio caminho.

— Estou tentando.

— Também não precisa ser um substituto perfeito de seu irmão. Rezo para que acredite que seu pai e eu nunca quisemos isso.

Michael meneou a cabeça.

— Não haveria ninguém melhor para eu imitar — rebateu ele.

De forma graciosa, Elspeth apontou o corpo do filho, a mão movendo-se da cabeça aos pés dele.

— Quase não o reconheci quando entrei. Você mudou seu guarda-roupa, além de pormenores, como o corte de cabelo.

— Já não sou simplesmente um Sinclair — respondeu ele em tom defensivo. — Sou um Tarley, e espero em breve ser nomeado o novo conde de Pennington. Optei por uma aparência mais discreta e por uma conduta mais recatada.

— Absurdo! — protestou a mãe. — O importante é sua saúde e felicidade. A capacidade de trabalho é mais valiosa para o título do que a suscetibilidade de seu irmão.

— Saúde é um luxo que quero manter. Ignoro como Benedict fez frente a todas as obrigações, mas o volume de trabalho pendente é espantoso.

— Em vez de fazer tudo sozinho, confie mais nos funcionários da propriedade.

— Sim, eu confio, mas não posso deixar a responsabilidade pela boa condição financeira da família nas mãos de empregados apenas para me poupar. O que ainda não sei fazer, vou aprender.

Michael olhou em torno de si e captou a essência do estilo do irmão. Os tons vermelhos e marrons da decoração não eram as cores que escolheria para o escritório, todavia, não se julgara no direito de modificá-las.

— Ao contrário de Benedict, superei as preocupações com as terras de Calypso.

— Sim, por testamento, ele passou tudo à viúva, Jessica Sheffield. Ela não precisará de mais nada pelo resto da vida — comentou a mãe.

— Na verdade, viabilizar essa propriedade para maior produção e renda consumirá muito da atenção, paciência e trabalho de Jessica. Mas ela conta com um estipêndio para as despesas normais. De qualquer modo, é um desafio — completou Michael, continuou: — Ele a amava. E ela veio falar comigo, dizendo que existe algo sobre a Jamaica que a afetava e exigia uma mudança de postura e de princípios. Jess merece credibilidade, porém, e tem total liberdade de ação, garantida pelos documentos da herança.

— Bem pensado, suponho, mas Jessica deveria estar aqui conosco, em vez de viajar a fim de resolver problemas tão distantes. Dói-me imaginá-la sozinha por lá.

— A irmã dela, Hester, pensa da mesma forma, o que tem a ver com o assunto do favor que quero lhe pedir.

— Sim?

— Aprofunde seu relacionamento com Hester. Traga-a para junto do seu círculo social. Passe mais tempo com ela, se possível.

Elspeth ficou surpresa.

— Ela é adorável, sem dúvida, mas há muita diferença de idade entre nós. Não estou certa de que nossos interesses combinem.

— Tente, por favor.

— Por quê?

Michael pousou os braços sobre a mesa.

— Temo que exista algo de errado com ela. Preciso da sua opinião. Se eu estiver certo, a senhora perceberá imediatamente.

— Eu quis dizer, por que o interesse em lady Regmont em particular? Por causa de Jessica?

— Certamente gosto das duas. São boas pessoas e muito ligadas uma à outra. — Michael se interrompeu nas explicações a fim de não ter de mentir.

— O que é muito louvável. Mas eu não compreendo sua preocupação. Se Hester não estivesse bem, o marido saberia e tomaria providências. Porém, você precisa de uma boa esposa, com a qual poderá se ocupar. Já tem alguma pretendente à sua altura?

Resmungando, Michael desistiu de fazer confidências fora de hora: Não, absolutamente. Como bem insinuei, estou apaixonado pela esposa de outro homem.

— Eu vou bem, os negócios também, assim, não vou retê-la aqui. Não se preocupe comigo.

— Preciso de uma boa xícara de chá, mas sei esperar — contestou a mãe. — Mas, conte-me, o que causou essa atenção especial da sua parte em relação a lady Regmont?

Michael sentiu vontade de tomar algo mais forte que chá. Elspeth não tinha capitulado. A conversa apenas aguçara a mente curiosa da matriarca. E se ela soubesse que Hester havia receado por sua integridade em função de uma rodada de pugilismo entre dois homens civilizados? A lembrança de seu rosto assustado, como a implorar que Michael a tranquilizasse, ainda o assombrava.

— Ela emagreceu e anda pálida. Sempre foi suscetível, fisicamente ou não. Já não parece a mesma mulher vivaz e cheia de energia.

— Ora, os homens raramente reparam nisso nas próprias esposas, quanto mais um... estranho.

Michael ergueu a mão, como para se prevenir de outras admoestações.

— Conheço meu lugar e o dela. Estou colocando o assunto nas suas mãos, e com isso ficarei mais tranquilo para focar minha atenção nos negócios.

A chamado de Michael, uma criada veio receber o pedido da mãe quanto ao chá. Ele solicitou um cálice de conhaque. Elspeth esticou a saia ao retornar ao seu assento.

— Sei da sua luta de boxe marcada com Regmont. De repente, ela ganhou um novo significado, além do que eu já imaginava... um retorno do velho Michael.

— Será apenas uma disputa esportiva, nada mais. A senhora tem o costume de ver fantasmas onde não existem.

— Não venha me dizer que, por esporte, resolveu reviver antigos hábitos. Pensar e falar de lady Regmont pode ter causado esse efeito em você — a mãe de Michael adoçou o tom. — Mas verei o que posso fazer por Hester. Com uma condição.

— Ah, eu sabia! Qual?

— Deve permitir-me apresentar a você algumas belas e ricas jovens.

— Droga! — reagiu ele. — A senhora é incapaz de agir só pelo coração bondoso?

— Bondoso para você. Sente-se estressado, subestimado. Sem surpresa, foi atraído pelo conforto de se interessar por uma mulher casada.

A criada retornou com as bebidas, o que impôs uma pausa na discussão. Michael calou-se, reconhecendo que argumentar contra a mãe alimentaria a hostilidade dela. O chá, em definitivo, não iria sossegá-la. Ele desfrutou de seu conhaque em silêncio.

— Ainda bem que se calou — Elspeth prosseguiu pouco depois. — Casei-me com um Sinclair e criei dois outros. Sei exatamente como vocês são, por dentro e por fora.

— Somos tão diferentes assim dos outros homens?

— Alguns, como seu amigo Alistair Caulfield, só levam em conta a atração física. Mas os Sinclair agem a partir daqui. — Ela bateu sonoramente a mão no peito, no lugar do coração. — Feita a escolha, não desistem por nada. Talvez seja o seu caso, não?

Michael recusou-se a comentar.

— Sua família original demorou a me aceitar, mas seu pai conseguiu o que queria. E Jessica Sheffield... você a perdeu tolamente, por tardar a declarar-se. Eu a acolhi como se fosse minha filha, porém, mantive certas restrições. É o tipo de mulher que nunca se conhece bem, mas Benedict também teimou em casar-se com ela, e depressa.

— E viveu feliz — foi o comentário de Michael.

— Realmente? Acho que se esforçou para ter Jessica para si por inteiro, de corpo e alma. Contudo, ela parece incapaz de se entregar por completo ao amor. Guarda uma espécie de nicho interior, inacessível.

— Penso que está sendo injusta, mamãe. Há outros aspectos a considerar em um matrimônio, na vida de um casal.

— Talvez por isso você continue solteiro. Não por muito tempo mais, se me der o privilégio de interferir…

Michael desviou os olhos para a larga janela que dava para a rua. Entre os deveres a que estava fadado, junto com o título de Tarley, estava o de casar-se e ter filhos. A esposa, claro, deveria possuir as qualidades pessoais requeridas pela aristocracia britânica. Ele sentiu-se cansado, exaurido, e decidiu não prolongar aquela agonia.

— Aconselhe lady Regmont — disse com mais secura do que convicção — e eu me disponho a conhecer as moças que a senhora indicar.

— Combinado. — Elspeth sorriu, satisfeita com a própria perspicácia.