12.

JESS PASSEOU PELO CONVÉS de braço dado com Beth. O vento em alto-mar era forte, estufava as velas e dirigia a embarcação até seu destino. A velocidade, contudo, não era suficiente para a criada.

— Estou cansada do mar e deste navio — resmungou Beth.

— E ainda temos muitos dias pela frente — comentou Jess.

— Oh, isso é odioso! — A jovem olhou para a patroa com um sorriso estranho. — Pelo menos a senhora conta com uma distração bem bonita durante a viagem.

Jess assumiu um ar inocente.

— Eu nunca admitiria isso.

Por meio de suas interações com Alistair, Jess chegara a uma nova compreensão do arrebatamento que as mulheres jovens podiam experimentar. Ela não passara por isso até aquele momento. Acordada ou sonhando, Alistair ocupava sua mente com alarmante regularidade.

— Lembre-se de seu namorado quando estivermos na Jamaica — pediu a Beth, afugentando as lembranças.

— Ah… Miller! Gentil e jeitoso. Um rapaz da melhor espécie.

Jess riu.

— Como você é ingênua!

— Às vezes — Beth concordou sem embaraço.

— Gentil e jeitoso, você disse? Ninguém me falou para admirar essas qualidades.

— A senhora foi ensinada a se interessar por cavalheiros bonitos — retrucou a criada. — Claro, quanto mais formosos, mais severos são com as mulheres.

— Como assim?

— Recebem um tratamento diferente do normal. Quanto mais se espera deles, menos concedem. Acham que a boa aparência compensa tudo. — Beth estudou o semblante da patroa. — Sem desrespeitá-la, milady, mas devia saber disso.

Jess gesticulou com a cabeça, concordando. Ela sabia.

— Existem homens que defrutam as maiores liberdades com as menores consequências — explicou Beth. — São perdoados pelas mulheres traídas, mas que não deixam de amá-los. Isso dói. Se eu tivesse a chance de escolher entre um homem bonito e elegante, e outro feio, mas gentil e bondoso, ficaria com o segundo.

— Você é sábia, Beth. Mas não considero Miller uma pessoa feia.

Beth deu de ombros.

— As lições da vida são duras de ser aprendidas. Sou grata a tudo que me acontece, mas quebraria minhas regras pelo sr. Caulfideld. É um homem fascinante, não?

— Sim — afirmou Jess, pensando nos problemas que a ligação
com ele poderia lhe trazer. No entanto, as horas de prazer justificavam os riscos.

— Pode ficar tranquila — Beth acalmou a patroa. — Está segura, pois ainda sente a perda do seu marido e não entregou seu coração a outro. Se tiver de dar adeus ao sr. Caulfield, será com gratidão e sem remorsos. É assim que as mulheres sobrevivem à troca de um amor.

— Verdade? — Até ouvir isso, Jess não se achava imune a um profundo laço de amor com Alistair. Naquele instante, espantou-se por sentir alívio.

— Bem… O coração tem defesas que nem podemos imaginar. — Beth segurou o braço de Jess. — Quanto ao sr. Caulfield, eu não me preocuparia. É do tipo que borboleteia em volta das mulheres bonitas. Quando termina com uma, logo arranja outra.

No mesmo minuto, um menino de cerca de dez anos, talvez filho de alguma serviçal a bordo, passou correndo pela proa, brincando sozinho. O pé de um marujo, estendido de propósito no caminho, o derrubou. O garoto caiu e começou a gritar de dor e de susto. Inconformada com tamanho ato de crueldade, Jess censurou o tripulante aos brados, enquanto Beth se agachava a fim de socorrer o menino, que sangrava no braço, para depois levá-lo de volta à mãe.

— O senhor aí! Não posso aceitar o que fez com uma criança inofensiva.

— E a senhora sabe dirigir uma embarcação? É perigoso correr pelo convés. Agi assim pela segurança de todos e do próprio menino — defendeu-se o marinheiro, fazendo menção de afastar-se.

Naquele momento, admitindo a ineficácia de qualquer reclamação, Jess lembrou-se vividamente da insegurança e do quase estado de pânico que a assaltaram na infância diante de seu pai. Ao ficar triste mas em silêncio, ela se prevenia da escalada da violência paterna quando era castigada por conta de alguma peraltice. No entanto, ao rever a expressão furiosa do garoto ferido, ela segurou o marujo pelo ombro.

— Existem maneiras melhores de impor disciplina a bordo — argumentou.

— Não é da sua conta — o homem enfezou-se, os olhos saltados.

— Vigie seus modos ao se dirigir a uma dama! — interveio Beth, erguendo-se.

Jessica conhecia bem aquele olhar. Era triste constatar que existiam muitos homens como seu pai, incapazes de controlar o próprio poder e de resolver os problemas sem recorrer à força ou a xingamentos. Eram mestres em derramar seu ódio sobre pessoas moralmente debilitadas, e tiravam prazer dessa atitude.

— A senhora nada conhece sobre navegação, milady — declarou o homem em tom de deboche. — Como encarregado da segurança, posso ensinar-lhe a sobreviver aqui.

Outros marujos se aproximaram, dispostos a aplacar os ânimos exacerbados.

— Então, por que não ensinou uma criança a se comportar, usando palavras em vez de botas? Acho você pouco confiável para qualquer tarefa.

Acatando as sugestões dos amigos, o homem enfiou as mãos nos bolsos e retirou-se, derrotado.

— É complicado lidar com marinheiros rudes — opinou Beth.

— Mas era apenas uma criança! — rebateu Jess, convencida de que tinha agido bem e de que encararia com coragem qualquer abuso praticado por um adulto. No íntimo, sentiu-se realizada pela oportunidade de demonstrar a força de seu caráter.

— Lady Tarley!

Ao ouvir a voz de Alistair, voltou-se e o viu acompanhando a cena de longe. Desenfreada, sua imaginação lhe mostrou que, caso estivesse ali há mais tempo, ele deveria ter se aproximado para ajudá-la a conter o marujo.

— Sim, sr. Caulfield? — respondeu, em meio aos tripulantes que se dispersavam e enquanto Beth se afastava com o menino.

— Ainda deseja meu auxílio? — perguntou Alistair com ar inocente.

— Conversaremos sobre isso em particular.

— Claro.

Para surpresa de Jess, Alistair chamou o homem que tinha derrubado o garoto.

— Você!

O marinheiro aproximou-se e removeu o quepe surrado em sinal de respeito.

— Pois não, senhor.

A mudança visível no proprietário do barco e em seu subordinado espantou Jess. Ela de novo lembrou-se de sua infância, da submissão que sempre demonstrara diante da rudeza do pai, anulando seu inconformismo.

— Reveja imediatamente o tratamento que dá aos nossos futuros marujos — Alistair alertou com firmeza o homem agora calado, pacato como um cordeiro. — Não irei tolerar atitude semelhante para com qualquer criança, ou mesmo adulto, dentro de um navio meu.

Um potente jorro de admiração percorreu as veias de Jess. A distância, Caulfield devia ter visto o suficiente para entender a situação. A atitude dele significava muito para Jessica. Até mesmo Beth tinha parado para escutar a reprimenda, girando a cabeça do menino para que ele pudesse testemunhar tudo. De olhos arregalados, o garoto balançou a cabeça, mas sua expressão era de terror, não de aprovação nem de alívio.

Jess ficou confusa, pois esperava ver a criança relaxada e grata. Então compreendeu o que se passava: uma das mais difíceis lições aprendidas na infância era que adiar o inevitável levava apenas a uma punição maior no final. Lágrimas brotaram em seus olhos. Lágrimas de piedade tanto por aquele menino quanto pela menininha infeliz que havia sido. Jess compreendeu que talvez tivesse tornado as coisas ainda piores para o garoto, que agora estava vulnerável a uma vingança por parte do marinheiro repreendido por Alistair.

Sem esperar por ninguém ou por mais nada, Jess correu até a passagem abaixo do convés. Procurava a privacidade atrás de uma porta fechada, mas sentiu uma mão masculina no ombro e deixou-se levar, com a visão borrada e o coração agradecido.

A cabine de Caulfield. Apesar da visão turva, Jess teve certeza disso graças ao aroma de sândalo, típico de Alistair. A fragrância viril permeava o ar e elevava a temperatura do local, no mais familiar pelo tamanho, pela mobília e pela decoração. Parecia diferente, talvez pela sensualidade dominante. Ela respirou fundo, tomada pela expectativa de um prazer indescritível. Não se achava livre disso, bem como não se achava livre de seu pai ou de si mesma. Nem do charme de Alistair, conforme tinha suposto.

— Jessica? — Alistair a rodeou até abraçá-la por trás. — Droga… não chore.

Jess tentou escapar da pressão, mas ele a apertou ainda mais contra si. Seu coração batia forte.

— Fale comigo — pediu Alistair.

— Aquele marujo agressivo não pretence à raça humana. É um animal. Você faria bem em livrar-se dele.

Alistair manteve a respiração junto ao ouvido dela, até que isso parecesse completamente natural. Ela sabia que, além de querer excitá-la, Alistair avaliava suas reações ao episódio do menino derrubado no convés.

— Pretendo falar com o capitão Smith e pedir a demissão dele assim que chegarmos ao porto. Assim, poderei beneficiar você, mas gostaria de uma explicação sobre seus atos.

A espontaneidade dele despertou em Jess novos e conflitantes sentimentos. Achava-se suscetível, exposta demais, desejosa de dar àquele homem um prazer maior do que o meramente físico. No entanto, narrar-lhe seu passado de menina infeliz era algo penoso. Por certo, ele a julgava temerosa de alguma represália por parte do marinheiro.

— Eu protegerei você, agora e sempre — acrescentou ele.

Jess dirigiu-se para a porta, alegando indisposição. Alistair bloqueou-lhe o caminho, com os braços cruzados.

— Pretende me prender aqui?

Ele curvou a boca em silencioso desafio, porém o olhar cálido a debilitava.

— Sente-se vulnerável. Fique comigo até recuperar-se — propôs ele.

A conversa com Beth, momentos antes, aplicava-se bem à situação. Jess compreendeu o porquê de sua atração por Alistair, mas a sensação de que ele se frustraria com ela ainda a paralisava.

— O que realmente pensa de mim?

— Que você é minha amante, Jess.

— Ainda não.

— Neste ponto, o sexo é mera formalidade — contestou Alistair em tom baixo e íntimo. — Faz tempo que nosso encontro se tornou inevitável. Porém, não sou homem de me contentar com migalhas, seja lá do que for. Quero tudo. Do melhor ou do pior.

— O pior de mim poderia decepcioná-lo — Em vez de abrir-se com Alistair, Jess fez o contrário. Não iria sobrecarregá-lo com o peso das cenas de agressão física praticadas pelo pai na infância, muito menos igualá-lo à laia do marujo abusado.

— Você sofre de uma inquietação permanente. Mas posso suportar isso. Não existe parte de você que eu despreze.

— Por quê?

— Porque minha vontade de você é irrestrita.

Entre outros casais, aquilo seria entendido como uma declaração de amor. No caso de Jess e Alistair, ela compreendia que, em sua mudança de vida, ele buscava a serenidade. Eventuais relacionamentos existiam para aliviar sua carga, não para aumentá-la. Ainda assim, Alistair — o homem mais viril que ela conhecera — era o único indivíduo que parecia confortável perante as confidências da mulher que cortejava.

Ele não modificaria o tratamento dado a ela. Tinha vivido e abraçado o lado sórdido da vida, e saíra fortalecido da experiência. Era assombroso como Caulfield mantinha a simpatia e a lucidez sem parecer arrogante ou autossuficiente. Anos antes, sua inata sensualidade o havia exposto ao interesse lascivo de mulheres amorais. Assumira a responsabilidade que lhe cabia pelo próprio futuro. Mas a que preço?

— Jessica, em que você pensa quando me olha dessa maneira?

Ela dera pistas de sua inegável adoração pela pessoa de Alistair Caulfield, incluindo o exercício primoroso do lado instintivo. A sensualidade que ele transmitia, além de aliciante, valia como aditivo aos desejos que a corrompiam. Por isso, diante daquele homem, Jess antecipava — e temia — os minutos de profundo e primitivo prazer.

O único obstáculo era que o mundo dele não era o dela; o universo de Jess não se confundia com o de Alistair. Podiam tomar o mesmo caminho por algum tempo, mas eles fatalmente se separariam em algum ponto. Ela não ficaria na Jamaica para sempre, nem ele toleraria a sociedade londrina, por mais que afirmasse o contrário. Sua sede de viver, vibrante e poderosa, o levaria para longe, a fim de fugir do tédio. Ela estava pensando como Beth, aceitando relacionamentos de curto prazo. Espaço para uma gratidão sem remorsos, como dizia a criada.

— Eu admiro você — respondeu ela por fim. Não deixou de ser sincera, mas ficou ansiosa devido aos incontáveis segundos que ele aguardou até ela responder.

— Depois de saber tudo sobre mim? — perguntou Alistair, que a viu confirmar com um meneio de cabeça. — Então é a única pessoa que conhece minhas transgressões passadas e mesmo assim...

— Nunca hesite em ser honesto comigo. Deve acreditar na minha virtude de conservar a mente aberta.

— Não sem alguma apreensão — confessou ele, cerrando os dentes. — Mas, sim, creio que você está mais propensa a perdoar meus pecados do que a usá-los contra mim.

O recente vazio interior de Jess já dava lugar a algo quente e terno. Faltavam-lhe palavras para explicar o que sentia. Era alguma coisa semelhante a vitória. De qualquer modo, era uma sensação oposta à da derrota experimentada no outro dia, ao fugir de Alistair quando ele ocupava a torre de comando do navio.

Era surpreendente, mas sua mente lhe pertencia por completo e estava clara. Não negava que seu corpo havia sofrido e que suas emoções muitas vezes eram guiadas pelo medo. A mente, porém, permanecia incorrupta. Jessica estava apta a julgar Alistair por critérios próprios, embora divergentes dos da maioria. Seu pai, por exemplo, havia falhado com ela, por Jess não conseguir pensar e agir como ele, apesar dos esforços.

Por isso, por tanto prezar a liberdade interior, Jess abrigava pontos em seu íntimo que Alistair desconhecia e talvez nunca viesse a alcançar. No entanto, ele já tornara viável a revelação, possível a descoberta. Sem ele, Jess jamais enfrentaria uma escolha entre o pior e o melhor de uma pessoa. A opção atual era, no mínimo, aceitável.

Em silêncio, Alistair não percebia quanto o mundo de Jess já girava em torno dele. Ela fez menção de abrir a porta da cabine e ele não a impediu. Ela sabia que Caulfield a seguiria se ela saísse dali. Julgou-se uma mulher de sorte. Então, com cuidado, voltou-se e começou a desfazer o laço do chapéu, amarrado sob o queixo, depositando a peça no espaldar de uma cadeira. Continuaria a despir-se ou iria embora, dificultando o início de um sublime ato de paixão?

Nem uma coisa nem outra. Ela sentou-se à beirada da cama e observou o rosto de Alistair, transfigurado de expectativa. Isso a fez tremer de tensão, o que se refletiu na própria respiração ofegante. Inesperadamente, ele disfarçou a própria vontade e juntou as mãos atrás das costas.

— Preciso lembrá-la de que sou visto como o grande chefe desta viagem. Sua presença na minha cabine é imprópria.

Um sorriso de desapontamento surgiu nos lábios de Jess. Eles estavam trocando os papéis até então em vigor naquela relação.

— Pareço me importar com quem é o proprietário da embarcação? — conseguiu articular.

— Como você sempre diz, é preciso levar em conta as consequências.

Jess desejava os dedos dele em sua pele, a boca provocante em sua intimidade, e toda a satisfação sensorial que Alistair era perito em dar. Sentiu um surto de afeição por ele e de gratidão pelas mudanças que vinha efetuando em seu estilo de vida.

— Sim, farei isso — avisou com pouca convicção, tanto que Alistair insistiu que ela as enumerasse. — Sem jogos ou apostas, por favor. Não agora.

— Conte-me por que resolveu ficar aqui, na minha cama?

— Por que não?

— Por que agora? Recusou convites anteriores para me visitar no meu território. Faz um minuto, tentou sair. O que mudou? O que pretende esquecer? Quer deitar-se comigo sem beber um gole de vinho antes?

— Não quero esquecer nada, mas sim recordar cada momento, cada palavra trocada hoje. É que aconteceu muita coisa em curto espaço de tempo e achei que um encontro secreto me ajudaria a assimilar.

Reprimindo a emoção, Alistair mostrou-se estranhamente agitado.

— Hoje me sinto mais perto de você — prosseguiu ela. — Mas não o suficiente. Daí a vontade de me desnudar e me oferecer a você.

— Não pense que quero menosprezá-la, de modo algum.

— Não vou pensar nada. Não mais.

A cautela dele era significativa. Se quisesse fazer sexo, não se preocuparia com desculpas ou empecilhos, nem com o tipo de explicação que ela poderia dar a fim de esquivar-se. Na verdade, era ele quem fugia da tentação, fazendo-a sentir-se ridícula com o oferecimento.

— Não estou preparado para uma pausa no meio do dia. As horas vão passar e sua ausência será percebida. Sua criada e meu valete acabarão sabendo da nossa transgressão. Talvez outros também comentem.

Jess pesou bem aquelas considerações.

— Está procurando me convencer a desistir. Alguma coisa mudou entre nós?

Ela sabia que não era o caso. Não com o olhar sensual que ele lhe dirigia, mas o que se passava na mente de Alistair era um mistério.

— Eu nem me lembro de ter de me controlar — disse ele de forma rude. — Mas você precisa pensar em quem você é, onde está, e em quem eu sou. Considere o jantar no salão: uma vez saciada sexualmente, os outros nos olharão como se fôssemos assassinos.

Ele falava como um empresário, não como um amante. Deveria aguardar outro momento, outra oportunidade. Ou isso estava se tornando impossível? A crueza de Caulfield a afetou, provocando-lhe uma tensão acalorada que nunca havia experimentado. Viu Alistair na condição de um amante selvagem, capaz até de feri-la com seu jeito másculo, fazendo mais de tudo que ela desejasse.

E ele de fato a desejava. Naquele exato instante. A confiança dela nos próprios encantos femininos o estimulou até um ponto em que não havia volta.

Alistair venceu a distância que os separava.

— Espero que entenda o que está fazendo — disse ele, sentando-se na cama e dando início às preliminares. — Mal posso aguardar até que esteja pronta, nua e em chamas.

— Também não aguento mais esperar — Jess apressou-se em tirar toda a roupa. — Fique bem quieto, sr. Caulfield, enquanto eu o possuo.