2.

POR QUE O DESTINO lhe havia reservado tal armadilha? Por educação, tocou a mão que Alistair estendia em cumprimento. Talvez, naqueles anos de distanciamento, ele já tivesse mudado de conduta, mas, como sempre, ostentava boa aparência e uma virilidade contida. Já não era tão bonito, Jess concluiu: o rosto estava mais envelhecido; nuvens de preocupação toldavam-lhe os olhos outrora hipnotizantes; e os cabelos negros pareciam mais ralos. No entanto, traída pela memória, Jess poderia descrever cada segundo da cena no coreto que tinha presenciado sete anos antes. Ainda que mais maduro e mundano, Alistair ainda era um homem formidável e inegavelmente másculo. Percebeu-se ruborizada. O que dizer? Como agir?

— Lady Tarley — ele começou por fim —, é um grande prazer revê-la. — E, dizendo isso, voltou-se para os outros: — Já nos conhecemos de longa data.

Também a voz era mais baixa e aguda do que ela se lembrava. Quase um sussurro. Mas ele mantinha uma graciosidade felina, e o foco intenso em Jess tendia a varar-lhe a alma e atingir-lhe em cheio o coração. Ou a intimidade física dela. A visão do membro masculino teimava em assomar-lhe à mente, exaltando seus sentidos.

Ela respirou fundo, a fim de recompor-se.

— Faz muito tempo que não nos falamos — conseguiu articular.

— Anos.

O olhar penetrante de Alistair não permitia que Jess se esquecesse daquela noite no bosque de Pennington. Sua viagem de recuperação poderia tornar-se uma tortura.

— Por favor, aceite meus pêsames por sua perda — ele prosseguiu. — Tarley era um homem bom. Eu o admirava e gostava dele.

— Aprecio seus sentimentos — retrucou Jess, sentindo a boca seca. — Digo-lhe o mesmo. Também lamentei o falecimento do seu irmão.

— Dois deles — acrescentou Alistair com um sorriso triste. Alistair retomou a mão de Jess e as pontas dos dedos dele apertaram-lhe o centro da palma. Jess retirou a mão bruscamente e esfregou o lugar tocado, como se quisesse apagar a vermelhidão ali deixada por ele.

— Podemos começar? — propôs o comandante e, sem aguardar resposta, ordenou que o garçom iniciasse o serviço.

Caulfield ocupou a cadeira diretamente à frente de Jess, o que a deixou retraída, pouco à vontade, mas ela se esqueceu de tudo quando o farto jantar chegou à mesa, regado a vinho. Então levou a conversa para o lado dos negócios agrícolas e marítimos, ao qual os cavalheiros aderiram, animados. Claro que não se interessariam tanto pela vida social da viscondessa de Tarley. Em geral, os homens não discutiam tais temas na presença dela. Assim, o que se seguiu foi uma fantástica hora de boa comida e conversação.

Ficou evidente que Caulfield festejava seu sucesso financeiro. Não
o mencionou explicitamente, mas detalhou seus afazeres ao longo da
conversa. Ele havia, por fim, se libertado do controle paterno e assumido responsabilidades dignas de um homem de trinta anos de idade. Como nada confidenciou a respeito de sua vida amorosa, Jess não pôde tirar nenhuma conclusão, favorável ou não. O único detalhe óbvio era que permanecia solteiro.

— Vai com frequência à Jamaica, comandante? — perguntou Jess ao carrancudo capitão Smith.

— Não tanto quanto os outros navios do sr. Caulfield — respondeu o marujo, cofiando a barba branca. — Londres é a nossa base. As demais docas estão em Liverpool e Bristol.

— Quantos barcos são ao todo?

O capitão olhou para Caulfield, indeciso.

— Cinco?

— Seis — afirmou o novo magnata, observando a reação de Jess.

Jess desviou o olhar com dificuldade. Não sabia explicar o motivo, mas era quase como se as intimidades que havia testemunhado no coreto do bosque tivessem ocorrido entre Caulfield e ela própria em vez de com outra mulher. Algo de estranho e profundo havia surgido no instante em que se avistaram em meio à escuridão. Um elo, uma conexão tinha se formado, pois Jess aprendera ali coisas que desconhecia e não existia modo de restabelecer sua então abençoada ingenuidade em matéria de sexo e prazer.

— Parabéns pelo sucesso — murmurou ela.

— Você também os merece. — Dizendo isso, ele colocou um braço sobre a mesa e passou a tamborilar os dedos na toalha, como havia feito no pilar do coreto enquanto se exibia a Jess.

— O que quer dizer? — perguntou ela após um gole revigorante de vinho.

— Meus barcos também transportam produtos de Calypso à Inglaterra. Cana-de-açúcar, por exemplo.

Sem surpresa, Jess prometeu que discutiria o assunto com ele outro dia.

— Quando tiver tempo — acrescentou ela. — Não há urgência.

— Tenho tempo agora — foi a resposta peremptória.

Os olhos de águia brilhavam. Por seus antecedentes, Alistair só pretendia assediá-la, talvez forçá-la a uma proximidade descabida naquele momento, quando Jess tinha a mente engajada em assuntos de negócios.

De qualquer modo, deveria precaver-se e não se aproximar de homens do tipo dele. No entanto, Alistair apressou-se em afastar a cadeira e tomar a jovem pelo braço, conduzindo-a para fora do recinto. Jess teve tempo de murmurar um agradecimento à acolhida do capitão, que manifestou a vontade de repetir os encontros para jantar.

Já no corredor, Jess sentiu a presença forte do acompanhante a seu lado. Ele transmitia calor e ansiedade por contato físico. E ela percebeu o desdobramento de seu nervosismo para as partes sensíveis do seu corpo. Tarley a havia doutrinado bem no que se referia ao domínio e ao desfrute dos instintos. Conseguira torná-la verdadeiramente feminina e, portanto, vulnerável.

— Vamos passear no convés? — propôs Alistair em tom baixo, perto do ouvido dela. O odor corporal de sândalo que exalava dele era delicioso. À guisa de consentimento, ela disse que precisaria apanhar um xale na cabine, então Caulfield a escoltou em silêncio até lá. Aguardou junto à porta, mostrando que não queria invadir-lhe a privacidade, sobretudo porque a criada estava ali.

— A senhora parece febril — comentou Beth. — Posso lhe preparar uma compressa?

— Nada disso. Apenas me dê o xale preto de seda. Vou sair de novo. E você pode se retirar para seus aposentos.

Ao colocar o xale nos ombros, Jess sentiu-se mais corada que o normal. Atribuiu o fato ao excesso de vinho durante o jantar, mas no fundo sabia que estava tentando se enganar. Tudo a seu redor, inclusive a viagem à Jamaica, aparentava fugir do controle. Ela imaginara deitar-se e descansar, sem conseguir adormecer devido à excitação, e só retomar a conversa com Caulfield no dia seguinte, à luz do dia. No mínimo, correria menos perigo.

Ele estava apoiado de forma displicente na parede revestida do corredor quando Jess o encontrou novamente. À luz baça, um sorriso aliciante demonstrava que ele aprovava a aparência dela, que ficou paralisada por um segundo pela certeza de que o debochado Lucius agiria sempre de acordo com o conquistador que era. A expressão dele lembrou-a do olhar insistente que ele lhe lançara durante a cena do coreto em Pennington. E teve agora um efeito similar, entorpecedor, sobre ela.

Caminhando à frente, com passos impetuosos, Alistair a guiou até o convés do navio. Ali, debruçada sobre a amurada, Jess ficou grata pelo ruído calmante das ondas e pela presença da lua no céu. O ambiente estava envolto em tons de cinza, que também a ajudaram a mitigar sua secreta ansiedade diante da permanente vibração de Alistair Caulfield.

— Quais seriam as chances — começou ela a dizer, rompendo o silêncio — de você e eu nos encontrarmos viajando no mesmo navio, ao mesmo tempo?

— Grandes, considerando-se que arranjei tudo — disse ele com suavidade. — Espero que esteja confortável com essa ideia.

— Como me incomodar? Este navio é magnífico.

— É bom ouvir isso. Na verdade, Michael me pediu para ajudá-la na viagem e na venda das terras em Calypso — disse ele, omitindo que havia se excedido bastante no cumprimento do pedido por motivos inconfessáveis. — Estou a seu dispor, principalmente depois de chegarmos ao nosso destino.

— Michael? — murmurou ela, custando a acreditar que o cunhado a tinha confiado a uma pessoa que, normalmente, a deixava insegura. — Não sabia disso. Acho que ele foi superprotetor.

— Perdoe-o. Ainda está transtornado, cheio de compromissos. Julguei que era meu dever socorrer um amigo. E uma amiga…

— Sim, é muita consideração da sua parte — disse Jess, caminhando até a base da torre de proa a fim de abafar a tensão que sentia. Ela não saberia dizer se Caulfield havia mudado, mas já destoava da imagem de pessoa agressiva e indomável que ela tinha guardado na memória.

— Meus motivos foram altruístas — qualificou ele, aproximando-se de Jess. As mãos atrás das costas, em sinal de paz, realçavam a força dos ombros e a amplidão do tórax. Ele sempre fora mais musculoso do que os Sinclair, mais até do que os próprios irmãos. Jess censurou-se por, sem querer, ficar admirando aquela estrutura, enquanto ele voltava a falar: — Passei muito tempo fora. Espero que, na volta, você me ajude na minha aclimatação à sociedade londrina, assim como vou ajudá-la em relação
à jamaicana.

— Retornará para uma estadia mais longa?

— Sim. — O olhar firme dele mais uma vez tirou-lhe o fôlego. Jess cogitou de estender a conversa falando da alegria da família de Caulfield em tê-lo por perto, mas lembrou-se da perda recente dos irmãos dele, por isso optou por manter-se quieta.

Ele caminhou até o mastro principal e, com uma mão gentil no ombro de Jess, fez com que ela também parasse ali.

Sob um olhar agradecido, Alistair deu um desnecessário passo para junto dela, suficiente para saírem dançando, se fosse o caso. Mas ele apenas se expressou em um tom comovido:

— Agora não tenho mais motivo para ficar fora, mas uma boa e imprevista razão para permanecer na Inglaterra.

Jess avaliou se ele havia sido dispensado por alguma mulher e resolvera procurar nova amante em solo inglês. Foi um instante crítico: ou os dois se liberavam para uma troca de beijos e carícias, fadada a terminar na cama, ou adotavam uma conversa mais impessoal. Alistair se conteve primeiro e lady Tarley enveredou pela mesma trilha.

— Procurarei ser-lhe tão útil quanto você será para mim — declarou ela.

Sussurando um agradecimento, ele deu sequência à caminhada pelo convés.

— Quer discutir a exportação de produtos de Calypso para a Inglaterra?

— Preciso me inteirar da situação. Tenho obrigações para com lorde Tarley, que me pediu isso no leito de morte. Eu pretendia tratar do assunto com o administrador local. Por favor, não se importe muito comigo. É o que desejava dizer.

— Tenho as respostas que você procura. Fique à vontade para aproveitar-se de mim.

Jess encontrou o olhar dele intensamente focado nela.

— Mas você deve ser um homem ocupado. Não quero lhe impor nenhuma perda de tempo.

— Jamais será uma imposição. Terei imenso prazer em atendê-la em tudo que desejar.

— Está bem — redarguiu Jess, detectando certa malícia na fala de Alistair.

— Seu tom sugere desagrado — queixou-se ele, que gostaria de encorajar Jess a tornar-se mais extrovertida, como fizera tantos anos antes.

— Sou-lhe grata pela atenção, sr. Caulfield, mas o que fazer se fico preocupada com tanta gentileza? Não sou feita de vidro, arrisco-me a enfrentar meus problemas. Marquei essa viagem, em parte, por querer me distanciar dos que ainda me tratam como se fosse frágil.

— Mas eu desconheço como mimar uma mulher — defendeu-se ele secamente. — Se esse fosse o intuito, você fracassaria. Estive com seu administrador algumas vezes e acho que ele tem dificuldade em lidar com uma chefe do sexo feminino. Quero lhe apresentar os fatos, explicar-lhe todos os contratos em vigor, e então você tomará suas decisões. Enfim, não desejo poupá-la, mas expô-la.

Jess curvou os lábios de leve. Alistair, a seu modo, continuava sendo charmoso.

— Como já é tarde, vou acompanhá-la à cabine, se me permitir.

— Claro, obrigada. — Jess começou a perceber, com surpresa, que apreciava a companhia dele. Seu novo protetor não forçou a entrada no aposento particular. Desejou-lhe boa-noite, bons sonhos, e não esperou resposta para ganhar o corredor, de volta ao espaço provavelmente vazio que ocupava.