8.

JESSICA ACORDOU INDISPOSTA, com uma provável enxaqueca. Sequer se lembrara de se alimentar nas horas anteriores. Por isso, agora, tinha fome e sede. Então solicitou a Beth que lhe pedisse um café da manhã reforçado. Ao usar o banheiro, contemplou-se ao espelho e, por um segundo, censurou-se pelo exibicionismo e volúpia demonstrados na cena de amor com Alistair. Entretanto, por sentir-se realizada como mulher, deixou o mau pensamento esvair-se no ar.

A dor de cabeça insistente e o gosto amargo na boca a desanimaram, mas tinha consciência da comichão entre as pernas. Como pudera ser tão exigente na cama? E inflamar-se tanto pelas carícias do parceiro a ponto de vê-lo partir dali com alívio?

Sabia a resposta... Alistair Caulfield sempre produziria aquele efeito nela, tornando-a irreconhecível a não ser como uma fêmea no cio. Talvez isso não fosse socialmente adequado, pois havia experimentado agora, mesmo que por um minuto, um misto de conflito, embaraço e culpa. Pessoas simples como Beth vivenciavam aventuras amorosas sem o menor constrangimento nem preocupação com boatos.

A criada trouxe-lhe uma bacia com água quente e ofereceu-lhe um biscoito para quebrar o jejum. Jess não havia retornado ao salão de jantar desde o assédio que sofrera de Alistair na torre de comando. Proibira-se de vê-lo até ele aparecer, sem convite, em sua cabine. Talvez tivesse sido melhor assim, adiar o que parecia inevitável, por mais que isso doesse em seu íntimo. Se naquela ocasião Jess atendesse ao desejo de Alistair, ficaria totalmente indefesa diante dos instintos que ele lhe despertava. O que menos queria era mostrar-se submissa.

Após a refeição, Jess decidiu subir ao convés para respirar ar fresco.

— Lady Tarley, permite-me acompanhá-la no passeio? — A voz de Alistair soou forte atrás dela. Nervosa, Jess sorriu em sinal de aceitação.

— Só preciso buscar um xale. Estou com frio.

— Aqui está. — Mais que depressa, ele desabotoou o próprio casaco e o ajeitou nas costas dela.

Jess protestou, mas sem convicção:

— Um cavalheiro não deve mostrar-se em mangas de camisa!

A resposta veio em tom mordaz:

— Você é a única a bordo que repararia nisso. Sinto muito calor, desde ontem à noite.

O coração de Jess acusou a austeridade do semblante masculino. Os olhos azuis cintilantes e o queixo quadrado de Alistair a preveniam de que ele não seria facilmente detido em seus objetivos.

— Seria bom conversarmos outro dia — propôs ela.

— Há muitos detalhes a esclarecer. Quanto antes, melhor.

Apesar de sua desconfiança, Jess o obrigava a agir com energia. O casaco nos ombros dela não transmitia apenas calor, mas também o odor especial daquele homem. Alistair esbanjava virilidade, e os atos eróticos da véspera inundaram a mente de Jessica.

Ambos caminharam lado a lado pelo convés, onde algumas tábuas estavam danificadas por conta do bombardeio dos piratas. Caulfield sinalizou a dois marujos que trabalhavam no reparo das pranchas para que se afastassem. Continuava bonito, à luz do crepúsculo. Como uma estátua de herói, Alistair enchia de vitalidade o ar em torno. Ele estava vivo de uma maneira que Jessica nunca havia experimentado, até poucas horas antes.

— Não sei fazer isso — desafiou ele.

— Fazer o quê?

— Driblar a verdade, fingir que as coisas não são como são, usar a formalidade como escudo.

— Certa formalidade é indispensável na vida social — pontuou Jess suavemente. — Cria padrões que permitem a duas pessoas diferentes, mas que têm o mesmo objetivo, passar bons momentos juntas.

— Não tenho interesse em me relacionar com estranhas. Por que você ficou lá?

— Não entendi.

— Esqueça a timidez. Por que se escondeu no arbusto defronte ao coreto naquela noite?

Jess virou para cima as lapelas do casaco, cobrindo o pescoço, e cruzou os braços como quem se protege. Apesar de não sentir mais frio, continuava se achando exposta demais.

— Você me forçou a ficar. Não por palavras, mas por seu corpo, por suas ações...

— Ah, e você obedece a todos os meus comandos? — Os lábios dele exibiam uma expressão cruel.

— Claro que não!

— Mas por que justamente naquele episódio? Você era inocente. Deveria ter ficado horrorizada, corrido para longe.

— O que espera que eu diga? — No fundo, Jess se rejubilava pela coragem então demonstrada.

Alistair aproximou-se, tomou-a pelos braços e ergueu-a na ponta dos pés, mantendo o olhar desafiador.

— E pensou naquela noite desde então? Reviveu a cena quando se deitava com Tarley? A lembrança a atormentou?

Jess assustou-se com a aguda percepção de seu íntimo que o homem alcançava com aquele questionamento.

— Por que julga isso importante?

Caulfield a colocou novamente no chão, pondo fim à brincadeira. Mas envolveu a nuca de Jessica com as mãos em concha enquanto encarava diretamente os lábios tentadores dela ao falar:

— Eu me lembro de cada segundo que a observei. O brilho dos seus olhos no escuro. O peito ofegante, que subia e descia sem cessar. Sua mão cobrindo a boca, abafando suspiros.

— Havia testemunhas perto de nós — contrapôs Jess, trêmula de medo e de excitação. Ela reagia com polidez ao tratamento pesado que Alistair lhe impunha, e isso a preocupou. Parte de sua mente devia ter sido treinada para buscar e admitir tal tipo de atenção.

— Não levo isso em conta.

Tangida pela confusão, ela endureceu a fala:

— Sua brutalidade pode ser agradável para certas mulheres, mas lhe asseguro que para mim não é.

Caulfield deixou as mãos cairem ao lado do corpo.

— Querida, é suficiente para você, reconheça. Parece tão esfaimada por mim agora quanto sete anos atrás, naquele bosque.

Jess franziu a testa, tornando sombrias suas feições. Pensou ouvir do homem um breve praguejar, mas depois ele se expressou com clareza:

— Tentei esquecer aquela noite, mas é impossível.

Desviando os olhos dele, Jessica concentrou-se na paisagem e recebeu uma brisa úmida na face.

— Por que essa lembrança o incomoda tanto? Você contou com minha discrição.

— Pela qual sou eternamente grato. — Alistair enfiou as mãos inquietas nos bolsos da calça. — Mas me evitou por todos os dias seguintes. Por quê, se afirma que o flagrante não a abalou?

— É que decobri algo sobre você que não deveria saber, e isso me deixou desconfortável.

Eu causei o desconforto — corrigiu ele. — Até agora.

Conscientemente ou não, Jess teve a sensação de que era caçada por todos os lados. Temia o desejo constante e turbulento de Alistair. Talvez receasse mais o próprio apetite sexual por aquele homem que, tempos atrás, havia aceitado dinheiro das mulheres que satisfazia. Então sentiu os dedos dele roçando-lhe insistentemente o pulso.

— Quanto mais tenta se distanciar de mim, mais determinado eu fico a conquistá-la. Temos algo em comum, algo que só existe entre nós. Devemos nos tornar mais acessíveis um ao outro, e não menos.

— Não acha que estou acessível neste momento, engajada em uma conversa sincera?

— Tão acessível como estava ontem, apesar do excesso de vinho. Cruzamos a barreira que nos separou há sete anos e não existe caminho de volta. O destino nos reuniu.

A possibilidade de os dois estarem fadados a se tornar amantes não deixava de ser reconfortante. Jess tirava das mãos a responsabilidade pelas consequências inevitáveis. Ela inspirou e apressou-se a dizer

— Desculpe-me por alguma coisa que fiz ou falei ontem à noite antes de você ir embora. Queria que ficasse…

— Já me corrompi por dinheiro — interrompeu ele asperamente. — É preciso que você saiba por quê.

Depois de dizer isso, Alistair sentiu um profundo alívio. Expor-se assim lhe trazia tensão, algo que evitava a todo custo, mas era hora de reabilitar-se perante Jess. Ela ajeitou uma mecha de cabelo que insistia em cair-lhe no rosto. Aconchegou o casaco masculino ao seu corpo, em sinal de ansiedade. Havia perdido um marido que prezava muito, porém Alistair a pressionara a ignorar esse fato em nome do próprio egoísmo e da atração física que sentia por ela. Mesmo naquele momento, à beira da amurada, ele parecia desnudá-la com o olhar e com as linhas acentuadas de seus lábios voluptuosos. Talvez debochasse do luto que Jess adotara por Tarley. De qualquer modo, ressentia-se da intimidade entre ela e um homem com cuja conduta reta e alto caráter ele jamais poderia competir.

— Sim, explique-se — murmurou ela. — Gostaria de compreender.

— Para começar, por insistência de minha mãe, meu pai, o duque de Masterson, me doou um lote de terra na Jamaica. Impressionante pelo tamanho, mas também por ser improdutivo. Não existiam escravos, máquinas ou instalações agrícolas. O duque, meu pai, ainda me deu um barco cargueiro, e então me transformei em grande proprietário, porém sem capital para investir nem fundos para sobreviver com algum trabalho honesto.

Jess exalou o ar audivelmente.

— Posso imaginar sua luta pela subsistência, mas...

— Você nunca terá esse problema — Alistair atalhou. — Meus flertes com senhoras casadas me levaram a ingressar na atividade de rufião, pois elas faziam questão de me dar dinheiro em troca de prazer. Sei que você vê a vida sob o prisma da moral e dos bons costumes, mas às vezes a necessidade fala mais alto. No momento certo, decidi passar anos fora de Londres e trabalhar duro a fim de tornar lucrativa a plantação de cana na fronteira de Calypso. Depois veio a compra de navios, que precisei reformar, e eis-me de volta. Comecei a prosperar bem na hora em que me senti ameaçado de morte por algum marido ciumento. Descobri que tinha outros talentos além de ser atraente para as mulheres.

— Incrivelmente atraente — concordou Jessica. — Porém, na época, você era muito jovem e talvez…

— Sim, talvez me faltassem ideais e objetivos sérios. Por sorte, compreendi que a juventude é passageira e que o trabalho enobrece.

Ao dizer isso, Alistair demonstrou certo orgulho e uma dose de desafio.

— Fiquei surpreso com a primeira oferta de pagamento, mas acabei gostando do jogo. Levei tudo na conta de uma brincadeira perigosa, mas aprendi a conhecer os desejos femininos. Dar prazer é uma arte, similar a qualquer outra aptidão.

— Deve ter sido um bom aluno, então — completou Jess.

— As mulheres falam demais — justificou-se ele —, sobretudo dos detalhes que lhes trazem satisfação. É assim que os homens aprendem a usar seus dotes físicos, independentemente de todo o contexto.

— Sou uma idiota — acrescentou Jess de forma sombria. — Nunca me ocorreu que você pudesse não apreciar as práticas íntimas. Afinal, lady Trent é bonita.

— Algumas eram, de fato. No entanto, quando você vende algo, já não lhe pertence. Tornei-me um homem-objeto para elas, sem poder recusar nada. Claro que deixei em segundo plano meu próprio prazer.

— E quanto aos seus familiares? Eles sabiam da sua vida devassa? Reagiram?

— Meu orgulho foi insuficiente para recusar as terras e o navio
que ganhei. Mas, em compensação, nunca mais pedi nada ao duque de Masterson.

Alistair aguardou que Jess indagasse por que ele dispensara a assistência do próprio pai, a quem geralmente se referia pelo título de nobreza, não pelo nome. Ela já devia suspeitar que não se dessem bem, mas, de qualquer maneira, agora conhecia mais de seu passado sórdido do que qualquer outra pessoa. Dividi-lo com Jessica, a única mulher que o tocava no fundo da alma, tinha sido torturante. Caulfield queria ser aceito e desejado, embora ainda se julgasse abaixo do tipo de homem a que ela aspirava.

— Você fez o que precisava ser feito — disse Jess com uma convicção que o surpreendeu. Era difícil crer que havia absorvido com facilidade suas declarações. — Entendo que sobreviver estava em primeiro lugar.

Ele deu um passo à frente, incapaz de aceitar a mínima distância entre os dois.

— Ainda se deitaria comigo? Meu toque iria sujá-la? Também lhe daria o prazer de ver-se adorada. Não quero nada tanto quanto quero você.

— Eu o aceito, Alistair — disse Jess, respirando fundo. — Mas o resto…

— Prossiga — ordenou ele, ansioso.

— Não me considero melhor do que as outras com quem esteve — continou ela, arregalando os olhos grandes e cinzentos enquanto sua fisionomia adorável lhe traía o tormento interior. — Mas gostaria de ter o direito de comandar seus atos lascivos como fazia lady Trent. Não por razões de segurança, mas porque fazer isso me excita.

Um fluxo de sangue enrijeceu-lhe o membro viril de tal modo que Alistair teve de reposicionar as pernas. Era a honestidade dela que o deixava assim, agitado.

— Jessica — sussurrou ele.

Movendo-se rapidamente, ela o rodeou e apertou o corrimão da amurada. Ele a seguiu, envolveu-lhe a cintura com as mãos e notou o corpo feminino vibrante de tensão. Depois baixou a cabeça e encostou os lábios na têmpora direita de Jessica. De algum modo, precisava provar-lhe que ela despertava nele sentimentos adormecidos.

— Nunca sonhou em ficar submissa, qualquer que seja a posição, enquanto eu cuido de excitá-la até pedir água?

— Não! — respondeu Jess, praticamente berrando. — Gosto de vê-lo com vontade de mim, mas você me sufoca. Preciso de certo controle.

— Acha que tenho algum? Não existe previsão nem certeza naquilo que fazemos juntos. Você deve entender nossa atração como indomável, mesmo com eventuais falhas no ritmo e desacertos.

— Não sei se consigo.

— Pelo menos tente.

Movendo um pouco a cabeça, ela o contemplou. — Perdoe-me pela insistência de ontem. Apenas ansiava para que ficasse a noite toda comigo.

— Jamais se desculpe por me desejar, mas deixe-me ser claro: procurei você sem pretensões exageradas. Mas nunca poderá ter Lucius, pois esse personagem já não existe mais. Aliás, nunca existiu para você.

No passado, Alistair usara o segundo nome a fim de proteger a identidade. Na verdade, o fizera como meio de autopreservação e de guardar distância da degradação representada ao aceitar dinheiro das mulheres. Se muitas o haviam elegido pela beleza e ardor, outras o tinham desejado como fonte de algum prazer inconfessável, como um amante que lhes preenchesse as fantasias sexuais sem risco de zombaria. Assim, pagando-o por isso, elas se sentiam menos depravadas.

Jess meneou a cabeça em sinal de compreensão. Alistair encostou a testa na dela, infeliz com o pensamento de que talvez não pudesse dar o que ela sonhava.

— Naquela noite, éramos somente você e eu. Lucius servia a lady Trent. Eu estava ao seu lado no arbusto.

Então Jess soltou um suspiro profundo.

— Deus! Eu não queria Lucius até vê-lo ser pago. Depois que você me tocou... Sinto muito.

Os olhos de Jessica denotavam tristeza e remorso. Talvez um pouco de autopiedade também, pelo desejo experimentado na ocasião.

— Eu lhe darei tudo por que anseia. E de graça. Basta pedir. — Ele a agarrou pelos quadris. — Conte-me os detalhes daquilo que fantasiou.

— Não! — gritou Jess com tal horror que fez Alistair sorrir. — É indecente.

Ele afagou com a língua uma orelha dela.

— Pode confiar. Eu confiei em você quanto a manter segredo sobre o que viu.

— E eu não falhei.

— O que significou muito para mim. Permita-me retribuir. Diga-me o que deseja.

— Este não é o lugar certo — ponderou Jess, percorrendo o convés com o olhar, em busca de alguma testemunha oculta. — Não há privacidade aqui.

— Posso procurá-la esta noite? — Caulfield esperou a resposta, que não veio. Sentiu-se ansioso, inseguro, receando ter ido longe demais, cedo demais. — Bem, minha cabine é a terceira à esquerda de quem entra no corredor. Venha.

Jess o encarou com os olhos bem abertos.

— Não sei se consigo.

Alistair esboçou outro sorriso. Talvez não, mas isso era duvidoso, e a antecipação do encontro serviu-lhe de recompensa.