capítulo 6
A IMAGEM MACABRA NÃO DURARIA muito mais que isto: Lily mal havia sentado no colo de “Joe” quando ele se levantou e saiu com ela da sala. Trinta segundos depois o sensor de movimento desligou a câmera.
Quando a gravação reiniciou, Isabella e Lily entraram na sala, vindo da cozinha, e começaram a brincar como sempre faziam. Maya adiantou as imagens, mas o resto do dia foi exatamente como outro qualquer. Isabella, Lily e mais ninguém. Nenhum marido morto nem nada.
Maya voltou o vídeo e assistiu uma segunda vez, depois uma terceira.
– Livro! – Era Lily, que já se impacientava.
Maya virou-se para ela e procurou as palavras certas. Não as encontrando, disse apenas:
– Filha... você viu o papai?
– Papai?
– Sim, meu amor. Você viu o papai?
Lily se entristeceu de repente.
– Cadê papai?
Maya não queria assustar a menina, mas, por outro lado, as circunstâncias eram assustadoras por natureza. O que fazer? Não havia outro jeito. Ela voltou as imagens outra vez e mostrou à filha. Lily ficou olhando para o computador, fascinada. E, quando viu Joe, escancarou um sorriso e disse:
– Papai!
– Isso – disse Maya, fazendo o possível para não se comover com a alegria da filha. – Você viu o papai?
– Papai! – repetiu Lily, apontando para a tela.
– Sim, é o papai. Ele esteve aqui ontem?
Lily não fez mais do que encará-la de volta.
– Ontem – disse Maya. Em seguida levou a filha para o sofá da sala de televisão e sentou no mesmo lugar em que estivera “Joe”, abrindo aspas imaginárias sempre que pensava no nome do marido. – O papai esteve aqui ontem? – repetiu.
Lily não estava entendendo nada. Maya procurou manter o tom de entusiasmo, dando a entender que aquilo era uma espécie de brincadeira, de jogo, algo divertido em vez de preocupante. No entanto, ou ela estava mandando sinais errados com a linguagem corporal, ou tinha uma filha mais intuitiva do que pensava.
– Mamãe, para.
“Você a está irritando.”
Percebendo que estava amedrontando a menina, plantou no rosto um sorriso tão grande quanto falso, tomou-a no colo e subiu com ela para o quarto, sacudindo-a e fazendo gracinhas até apagar o desconcerto que ela mesma tinha provocado. Deitou-a na cama e ligou a televisão. Na Nickelodeon estava passando Bubble Guppies, um dos desenhos prediletos de Lily. Sim, ela havia jurado que jamais faria a televisão de babá (todas as mães juravam o mesmo e acabavam capitulando), mas paciência: situações extraordinárias pediam medidas extraordinárias.
Em seguida correu para o closet de Joe e hesitou um segundo antes de entrar. Nem sequer chegara perto daquela porta após a morte do marido. Era cedo demais. Porém agora, claro, não havia tempo para este tipo de melindre. Vendo que a filha se distraía com o desenho, abriu o closet e acendeu a luz.
Joe adorava roupas. Cuidava delas tão bem quanto ela, Maya, cuidava das suas... armas. Os ternos se enfileiravam meticulosamente a uma distância de poucos centímetros um do outro. As camisas estavam organizadas por cor. Para evitar os vincos, as calças pendiam esticadas dos cabides que as beliscavam pela barra. Além disso, ele fazia questão de comprar suas próprias roupas. Jamais gostava dos presentes que recebia dela. Com uma única exceção: a camisa de sarja “verde-floresta” que ela havia encomendado de uma marca norueguesa chamada Moods. Essa camisa, a menos que seus olhos estivessem mentindo, o que não deixava de ser uma possibilidade, era a mesma que “Joe” estava vestindo naquela gravação. Ela sabia exatamente em que cabide encontrá-la.
Mas não encontrou.
De novo, nenhum grito, nenhum susto. Mas agora, tinha certeza.
Alguém havia estado na casa. Alguém havia entrado no closet de Joe.
Dali a dez minutos Maya avistou a única pessoa capaz de fornecer respostas imediatas.
Isabella.
A babá tinha trabalhado na véspera, portanto, pelo menos em tese, teria notado qualquer coisa fora do comum, como por exemplo o marido morto da patroa passeando pelo closet do quarto ou brincando com a filha.
Da janela do quarto, Maya ficou observando enquanto Isabella caminhava para a porta dos fundos da casa, procurando avaliá-la do mesmo modo que fazia com os inimigos do seu passado de capitã. A garota aparentemente não estava armada, embora levasse consigo uma bolsa grande o suficiente para esconder uma arma. Agarrava essa bolsa como se temesse que alguém surgisse a qualquer momento para roubá-la, mas era sempre assim que a carregava. Isabella não era exatamente uma pessoa calorosa, a não ser, claro, naquilo que realmente importava: com Lily. Adorava Joe, assim como os empregados mais fiéis geralmente adoravam os seus empregadores. Quanto a ela, Maya, simplesmente a tolerava como uma intrusa. Assim costumavam ser os empregados fiéis: tinham ciúmes dos seus benfeitores ricaços, viam os demais como forasteiros.
Isabella parecia um pouco mais cautelosa que o normal? Era difícil dizer. Ela sempre parecia cautelosa, com o olhar evasivo, a expressão indecifrável, o corpo tenso. Agora essas características estavam mais acentuadas ou a imaginação de Maya tinha assumido o controle, nublando seu julgamento?
Maya viu quando a babá abriu a porta com as próprias chaves. Continuou no quarto, esperando.
– Sra. Burkett?
Silêncio.
– Sra. Burkett?
– Já vou!
Maya desligou a televisão do quarto e ficou esperando pela birra de Lily, que não veio. Lily tinha ouvido o chamado de Isabella, queria ir ao encontro dela. Maya pegou a filha no colo e desceu com ela para a cozinha.
Isabella lavava uma xícara de café na pia e se virou assim que ouviu passos às suas costas. Olhou imediatamente para Lily, só para Lily, e descongelou a carranca com um sorriso. Um sorriso bonito, pensou Maya, mas no qual parecia faltar algo. Um pouco do brilho de sempre, talvez?
Basta.
Lily estendeu os braços para a babá. Isabella fechou a torneira, secou as mãos numa toalha e foi ao encontro da menina, estendendo os braços para ela, mas arrulhando um tatibitate qualquer, remexendo os dedos como se dissesse: “Vem, vem, vem!”
– Bom dia, Isabella – disse Maya.
– Bom dia, Sra. Burkett – devolveu Isabella, logo voltando sua atenção para Lily.
Maya precisou refrear o impulso de não entregar a filha. Eileen havia perguntado se ela confiava na garota, e ela respondera que sim, pelo menos tanto quanto era possível confiar numa babá. Mas agora, depois daquelas imagens gravadas pela câmera escondida...
Isabella roubou Lily para si, e Maya deixou. Sem dizer palavra, Isabella saiu com a menina para a sala de televisão e sentou com ela no sofá.
– Isabella? – chamou Maya.
Isabella ergueu o rosto como se tivesse levado um susto.
– Pois não, Sra. Burkett? – disse, um sorriso congelado nos lábios.
– Posso trocar uma palavrinha com você?
– Agora? – Lily estava no colo dela.
– Sim, por favor – disse Maya, subitamente estranhando a própria voz. – Quero te mostrar uma coisa.
Isabella acomodou a menina a seu lado no sofá, deixou um livrinho rosa sobre as pernocas dela, endireitou a saia e voltou à cozinha sem nenhuma pressa, como se antevisse uma má notícia.
– Pois não, Sra. Burkett.
– Alguém esteve aqui ontem?
– Não entendi.
– Perguntei se alguém esteve aqui ontem – repetiu Maya, procurando não se alterar. – Alguém além de você e da Lily.
– Não, Sra. Burkett – disse ela, trazendo a carranca de volta. – Quem poderia ter estado aqui?
– Sei lá. Seu irmão Hector, por exemplo. Ele não entrou na casa em momento algum?
– Não, Sra. Burkett.
– Então você não viu ninguém.
– Não, não vi.
Maya olhou de relance para o computador, depois para a babá.
– Saiu em algum momento? – perguntou.
– Da casa?
– Sim.
– Fui com a Lily ao parquinho. Como a gente faz todo dia.
– Fora isso, mais nada?
Isabella ergueu os olhos, procurando se lembrar.
– Não, Sra. Burkett.
– Não saiu sozinha? Hora nenhuma?
– Sem a Lily? Claro que não, Sra. Burkett – respondeu ela, ofendida.
– Não deixou ela sozinha em nenhum momento?
– Não estou entendendo, Sra. Burkett. Por que a senhora está me fazendo essas perguntas todas? Não está satisfeita com o meu trabalho?
– Eu não disse isso.
– Nunca deixo a Lily sozinha. Jamais. Às vezes, quando ela está dormindo lá em cima, eu desço pra limpar ou lavar alguma coisa, mas...
– Não foi isso que eu quis dizer.
Isabella avaliou o rosto da patroa por alguns instantes.
– Então foi o quê? – disse.
Não havia mais motivo para prolongar a conversa.
– Coloquei uma câmera na sala de televisão – explicou Maya, mesmo sabendo que não precisava. – Presente de uma amiga. Grava o que acontece quando estou ausente.
Isabella arregalou os olhos, confusa.
– Uma câmera?
– Sim.
– Mas nunca vi câmera nenhuma naquela sala, Sra. Burkett.
– Claro. Está escondida. É uma câmera oculta.
– Uma o quê?
– Uma câmera oculta. Sabe aquele porta-retratos digital que eu coloquei na prateleira? Na verdade é uma câmera.
Isabella olhou de relance na direção da sala.
– A senhora está... me espionando?
– Estou monitorando minha filha – disse Maya.
– Mas não me avisou de nada.
– Não, não avisei.
– Por quê?
– Não precisa ficar na defensiva, Isabella.
– Ah, não? – disse a babá, agora mais ríspida. – A senhora não confia em mim?
– Você confiaria?
– Hein?
– O problema não é com você, Isabella. É com minha filha. Sou responsável pelo bem-estar dela.
– E a senhora acha que o melhor pra ela é me espionar?
Maya maximizou o vídeo e apertou o play.
– Eu tinha minhas dúvidas, pelo menos até hoje de manhã – disse ela, virando o computador para a babá.
– Hoje de manhã...
– Veja você mesma.
Maya não se deu ao trabalho de ver o vídeo outra vez. Àquela altura já o tinha visto mais que o suficiente. Preferiu ficar atenta ao rosto de Isabella, procurando nele algum sinal de estresse ou dissimulação.
– O que tem pra ver aqui? – disse a babá.
– Espera que você vai ver.
O falso Joe acabara de sair de quadro depois de ter bloqueado a câmera. Isabella estreitou os olhos para enxergar melhor. Maya procurou manter a regularidade da respiração. Dizem que nunca é possível prever a reação das pessoas diante de uma granada arremessada. Esta é sempre a grande incógnita. Você está ali com os seus companheiros de armas quando uma granada cai aos pés do grupo. Quem foge? Quem protege a cabeça? Quem sacrifica a própria vida e se joga em cima do explosivo? Você pode até fazer suas previsões, tudo bem, mas nunca é possível saber a verdade a priori.
Maya já tinha dado repetidas provas do seu comportamento no campo de batalha. Todos sabiam que sob pressão ela conseguia se manter calma, tranquila, lúcida. Como líder, ela já havia demonstrado essas qualidades inúmeras vezes. Mas o curioso era que esse sangue-frio não se aplicava à sua vida de civil. Eileen certa vez comentara que seu filhinho Kyle, sempre tão metódico e comportado na escola montessoriana que frequentava, era um verdadeiro capeta em casa. Algo semelhante acontecia com Maya.
Portanto, observando Isabella enquanto “Joe” ressurgia na tela do computador e colocava Lily no colo, e não percebendo nenhuma mudança na expressão da babá, ela sentiu um demorado frio na espinha.
– Então?
Isabella olhou para ela.
– Então o quê?
Outro frio na espinha.
– Como assim, “então o quê”? Como você explica isso?
– Não sei do que a senhora está falando.
– Hein? Para com esse joguinho, menina!
Isabella recuou um passo.
– Não sei do que a senhora está falando – repetiu ela.
– Não viu o vídeo?
– Claro que vi.
– Então viu o homem, não viu?
Isabella não disse nada.
– Viu o homem, não viu?
Isabella permaneceu muda.
– Fiz uma pergunta, Isabella.
– Não sei o que a senhora quer de mim...
– Viu ele, não viu?
– Ele quem?
– Como assim, “ele quem”? O Joe! – Não se contendo, Maya puxou a babá pela gola da camisa e disse: – Como foi que ele entrou nesta casa?
– Sra. Burkett, por favor... A senhora está me assustando...
– Espera aí. Você está dizendo que...
– Me solta!
– Mamãe...
Era Lily. Maya virou-se para a filha, e Isabella aproveitou a oportunidade para se desvencilhar, levando a mão à garganta como se tivesse escapado de um enforcamento.
– Está tudo bem, meu amor – disse Maya à menina. – Está tudo bem.
– A mamãe e eu... – disse Isabella, arfando como se tivesse perdido o ar dos pulmões. – A gente estava só brincando.
Lily ficou olhando para as duas.
Isabella ainda mantinha a mão no pescoço, esfregando-o de um jeito dramático demais. Maya virou-se de novo para encará-la, e ela rapidamente ergueu a outra mão como se dissesse: “Não se aproxime!”
– Quero respostas – disse Maya.
– Ok – assentiu Isabella –, mas antes preciso de um copo d’água.
Maya hesitou um instante, porém aquiesceu. Tirou um copo do armário e, enquanto o enchia na torneira da pia, um pensamento lhe veio à cabeça: era Eileen quem lhe dera aquela câmera oculta.
Ainda estava nisso quando olhou para a babá e foi surpreendida por um estranho jato de vapor. A dor foi excruciante, como se alguém estivesse esfregando pó de vidro em seus olhos, e ela berrou ao mesmo tempo que perdeu a sustentação das pernas e caiu de joelhos no chão. Em meio àquela agonia, àquele incêndio nos olhos, ela enfim se deu conta do que tinha acontecido. Isabella tinha borrifado algo em seu rosto. Spray de pimenta.
Maya sabia que os sprays de pimenta não só queimavam os olhos como também inflamavam as membranas mucosas do nariz, da boca e dos pulmões. Então prendeu a respiração para poupar os pulmões e começou a piscar freneticamente para lavar os olhos com as lágrimas. Mas nada disso adiantou. Não havia muito o que fazer.
Ainda caída, ela ouviu Isabella abrir a porta dos fundos e fugir jardim afora.
– Mamãe?
Maya conseguiu se levantar e foi saindo para o banheiro.
– A mamãe está bem, meu amor. Faz um desenho pra mim, ok? Volto daqui a pouquinho.
– Isabella...
– A Isabella também vai voltar, fique tranquila.
O efeito do spray se revelou bem mais duradouro que o imaginado, e ela agora sentia o peito arder de raiva tanto quanto os olhos ardiam com a pimenta. Ficara completamente incapacitada por uns bons dez minutos, vulnerável ao inimigo, e isso era inaceitável. Assim que a dor começou a ceder, ela recuperou o fôlego, enxaguou os olhos na pia e lavou o rosto com detergente de cozinha, ainda brava consigo mesma.
Dar as costas para o inimigo. Coisa de amador.
Como era possível que ela tivesse sido tão burra?
Quanto mais ela refletia, mais furiosa ia ficando. Em dado momento, chegara ao ponto de cair na conversa da garota, pensando que talvez ela realmente não soubesse de nada. Por isso baixara a guarda. Só por um segundo. E deu no que deu.
Quantas vezes ela já não tinha visto a mesma coisa acontecer na guerra? Quantas vidas já não tinham sido perdidas por conta de um único segundo de descuido? Como explicar que ela não tivesse aprendido uma lição tão básica?
Maya prometeu a si mesma que isso jamais voltaria a acontecer.
Mas agora... vida que segue. Autoflagelação não levava a nada. O importante era reconhecer o erro, aprender com ele e seguir adiante.
Fazendo o que exatamente?
A resposta era mais ou menos óbvia: esperar mais alguns minutos para se recompor, depois encontrar Isabella e fazê-la falar.
A campainha tocou.
Maya enxaguou os olhos mais uma vez e foi para a porta. Cogitou pegar uma arma primeiro (não queria correr mais riscos), mas logo viu que era o detetive Kierce.
– Caramba, o que foi que aconteceu com você? – disse ele assim que a viu.
– Levei spray de pimenta na cara.
– Spray...? De quem?
– Isabella. Minha babá.
– Está falando sério?
– Não, detetive, estou contando uma piada. Claro que estou falando sério!
Roger Kierce correu os olhos à sua volta, depois disse:
– Mas por que ela fez isso?
– Encontrei uma coisa na gravação da minha câmera oculta.
– Você tem uma câmera oculta?
– Tenho. – Mais uma vez, ela lembrou que a câmera tinha sido um presente de Eileen, que a própria Eileen havia escolhido o melhor lugar onde colocá-la. – Fica escondida num porta-retratos.
– Meu Deus... Então você pegou a babá... fazendo alguma coisa com a...?
– Não, não é nada disso! – retrucou ela com impaciência. No entanto, nada mais natural que a mente de um policial fosse para esse lado.
– Então não estou entendendo – disse Kierce.
Maya ficou se perguntando qual seria o melhor caminho a tomar naquelas circunstâncias. O mais direto talvez fosse o mais prudente no longo prazo.
– Acho melhor você ver com os seus próprios olhos – disse ela, e conduziu o detetive para o laptop aberto na ilha da cozinha.
Kierce parecia confuso. Ficaria dez vezes mais dali a pouco.
Maya virou a tela na direção dele, deu play no vídeo e ficou esperando.
Nada.
Ela conferiu a entrada USB.
O cartão de memória não estava mais lá.
Aflita, ela procurou toda a superfície da ilha, o chão ao redor. Mas a essa altura já sabia o que havia acontecido.
– Que foi? – perguntou Kierce.
Maya respirou fundo, precisava manter a calma. De novo procurou pensar estrategicamente, como se estivesse numa missão. Você não pode simplesmente abrir fogo contra um SUV preto sem antes refletir sobre o que vai fazer. Precisa estar muito bem informado antes de tomar uma decisão de consequências irreversíveis, fatais.
Ela sabia muito bem o risco que estava correndo. Se começasse a tagarelar sobre o que tinha visto na gravação, certamente seria dada por maluca pelo detetive. Ela própria estava achando aquilo tudo uma grande loucura. Ainda havia teias de spray de pimenta na cozinha. O que teria realmente acontecido ali? E ela? Não estaria mesmo ficando maluca?
Melhor prosseguir com cautela.
– Sra. Burkett?
– Por favor, já pedi pra você me chamar de Maya.
A prova da revelação absurda que ela tinha para fazer, isto é, o cartão de memória, já não estava mais lá. O mais prudente seria que ela lidasse sozinha com a babá. Por outro lado, se fizesse isso, se não contasse nada ao detetive e mais tarde o vento começasse a soprar contra...
– Isabella deve ter levado.
– Levado o quê?
– O cartão de memória.
– Depois de... depois de atacar você com o spray de pimenta?
– Sim – disse Maya, procurando ser o mais assertiva possível.
– Então ela borrifou o spray, pegou o cartão e... Depois o quê? Fugiu?
– Exatamente.
– Mas o que tinha nesse cartão afinal?
Maya olhou para a sala de televisão. Lily se entretinha, feliz da vida, com o quebra-cabeça gigante de um zoológico.
– Tinha um homem.
– Um homem?
– Sim, no vídeo. Lily sentou no colo dele.
– Uau – disse Kierce. – Imagino que seja um desconhecido.
– Não.
– Você conhece esse homem?
– Sim.
– Quem é então?
– Você não vai acreditar. Vai pensar que estou delirando.
– Isso só vamos saber depois.
– Era o Joe.
Este mérito o detetive teve: ele não arregalou os olhos, nem reagiu como se tivesse à sua frente a maior psicopata de todos os tempos. Como se também estivesse tentando manter a compostura, disse apenas:
– Entendi. Então era uma gravação antiga...
– Como?
– Uma gravação que você fez quando seu marido ainda estava vivo. De repente você pensou que estava gravando por cima ou...
– Essa câmera oculta foi um presente que ganhei depois da morte do Joe.
Kierce permaneceu mudo e imóvel. Então Maya prosseguiu:
– Além disso, o relógio da câmera estava marcando o dia de ontem.
– Mas...
Silêncio. E depois:
– Você sabe que isso não é possível.
– Eu sei – disse Maya.
Eles se entreolharam por alguns instantes. Seria inútil tentar convencê-lo de qualquer coisa. Então Maya achou por bem mudar de assunto.
– Mas o que você veio fazer aqui?
– Preciso que você vá comigo até a delegacia.
– Pra quê?
– Não posso dizer. Mas é muito importante.