capítulo 10
OS CRIADOS DA FAMÍLIA Burkett habitavam um complexo de casinhas na parte traseira do condomínio de Farnwood, à esquerda da entrada de serviço. Todas no mesmo nível, essas casinhas pareciam casernas aos olhos de Maya. A maior delas pertencia aos Mendez, a família de Isabella. Rosa, a mãe da garota, ainda trabalhava na casa principal, embora fosse difícil dizer o que ela fazia por lá, agora que não havia mais crianças para cuidar.
Maya bateu à porta de Isabella. Não havia ninguém em casa, porém era comum que aquela gente trabalhasse até tarde da noite, muito além do razoável. Maya estava longe de ser uma socialista, mas achava irônico que os Burketts reclamassem tanto de seus empregados, acreditando piamente que viviam numa meritocracia, quando na verdade haviam recebido seu patrimônio de mão beijada, por parte de um avô que encontrara uma maneira esperta de contornar a legislação imobiliária. Nenhum deles duraria mais de uma semana se fossem obrigados a trabalhar com a mesma carga horária de seus empregados.
Hector chegou com sua caminhonete Dodge Ram, estacionou-a a certa distância e veio andando na direção de Maya.
– Sra. Burkett? – Parecia assustado.
– Onde está a Isabella?
– Acho melhor a senhora ir embora.
Maya balançou a cabeça, dizendo:
– Não antes de falar com a Isabella.
– Ela não está aqui.
– Então está onde?
– Saiu.
– Saiu pra onde?
Hector não respondeu.
– Eu só quero me desculpar com ela – disse Maya. – Tudo não passou de um mal-entendido.
– Dou o seu recado quando estiver com ela. – Hector jogou o peso do corpo para o outro pé. – Acho melhor a senhora ir embora agora.
– Onde ela está, Hector?
– Não vou dizer. Minha irmã ficou muito assustada com o que a senhora fez.
– Preciso conversar com ela. Você pode ficar do lado dela se quiser. Pra... sei lá... proteger sua irmã.
Uma voz atrás dela disse:
– Isso não vai acontecer.
Virando-se para trás, Maya deparou com o olhar fulminante da mãe de Isabella.
– Vá embora – disse a mulher.
– Não.
– Hector, vamos entrar.
Passando ao largo de Maya, o jardineiro entrou em casa seguido da mãe, que deitou seu olhar duro sobre Maya antes de fechar a porta.
Sozinha do lado de fora, Maya se deu conta de que já deveria ter previsto a frieza daquela recepção. Agora não lhe restava outra coisa a fazer senão recuar e repensar sua estratégia. Seu celular tocou. Era Shane.
– Oi.
– Pesquisei aquela placa que você pediu – disse ele sem nenhum preâmbulo. – Seu Buick Verano pertence a uma empresa chamada WTC Limited.
WTC. Maya nunca tinha ouvido falar de nenhuma empresa com esse nome.
– Você sabe do que se trata? – perguntou ela.
– Não faço a menor ideia. O endereço registrado é uma caixa postal em Houston, no Texas. Imagino que seja uma holding ou algo assim.
– O tipo de coisa que as pessoas fazem quando querem permanecer anônimas.
– Exatamente. Não posso continuar investigando sem uma ordem judicial. E pra obter essa ordem, preciso ter um bom motivo pra apresentar.
– Deixa pra lá – disse Maya.
– Você quem sabe.
– Não é nada importante.
– Não minta pra mim, Maya. Fico puto quando você faz isso.
Maya não disse nada.
– Quando quiser se abrir, é só ligar – disse Shane, e desligou.
Eddie não havia trocado as fechaduras.
Maya ainda não tinha retornado à casa da irmã (pois é, ela ainda pensava assim) desde que baixara o calção de Phil, o técnico de futebol. Não havia nenhum carro à vista. Ninguém apareceu para atender à campainha. Então ela pegou sua chave e entrou por conta própria. Tão logo pisou no hall, lembrou-se das palavras de Eddie: “O fantasma da morte persegue você, Maya...”
Talvez ele tivesse razão. Nesse caso, seria justo expor Daniel e Alexa a esse risco?
Ou Lily?
As caixas com as coisas de Claire ainda estavam lá. Maya não conseguia tirar da cabeça o misterioso celular que Eileen tinha visto no tal restaurante. Estava claro que se tratava de um daqueles aparelhos que as pessoas compravam quando não queriam que ninguém soubesse das suas atividades telefônicas.
Então, o que teria acontecido a esse segundo celular de Claire?
Se Claire estivesse com ele no dia em que foi morta, certamente a polícia o teria encontrado e examinado as ligações. Maya, no entanto, achava essa hipótese pouco provável. Shane tinha contatos na Polícia Civil. Na época, ele havia bisbilhotado a investigação a pedido dela. Não havia nenhuma menção a um segundo celular ou a ligações estranhas.
Isso significava que o aparelho continuava perdido por aí em algum lugar.
As caixas não tinham rótulos. Ao que parecia Eddie havia encaixotado aquelas coisas às pressas, ainda traumatizado com o assassinato da mulher, de modo que tudo se misturava com tudo, roupas com cosméticos, joias com papéis, sapatos com todo tipo de tralha. Claire adorava colecionar suvenires de viagem. Quanto mais kitsch, melhor. Sempre comprava um globo de neve quando visitava uma cidade ou uma atração turística nova. Tinha um copinho de tequila comprado em Tijuana, um cofrinho na forma da torre de Pisa, um prato com a foto de Lady Di, uma bonequinha havaiana que dançava seu hula no painel do carro, um par de dados surrupiados de um cassino de Las Vegas.
Maya não movia sequer um músculo do rosto enquanto revirava as bugigangas que tanto fizeram sua irmã sorrir. Sentia-se profundamente triste. Mais que isso, sentia-se culpada. “Seu marido tem toda a razão quando diz que eu abro as portas para a morte”, dizia ela mentalmente a Claire. “Eu não deveria ter saído do seu lado naquele dia. Deveria ter protegido você.” Por outro lado, essa mesma tristeza e essa mesma culpa ajudavam-na a focar no que estava fazendo, a afugentar as distrações, a se fortalecer. Ela estava ali numa missão.
Mas não havia telefone nenhum nas caixas.
Após examinar a última delas, Maya espichou-se no chão e botou a cabeça para funcionar, procurando raciocinar como se fosse a irmã. Claire possuía um telefone secreto, do qual ninguém podia saber. Onde ela o esconderia...?
Uma lembrança atravessou sua cabeça. Elas ainda estavam no colégio quando Claire, numa crise de rebeldia, começara a fumar. O pai delas tinha um olfato apuradíssimo, sentia de longe o cheiro de cigarro. Era liberal em quase todos os departamentos. Na qualidade de professor universitário, já tinha visto de tudo um pouco, achava importante que os jovens vivessem lá as suas experiências. Mas com o cigarro ele tinha uma birra pessoal. Sua mãe sofrera terrivelmente com o câncer pulmonar que a havia matado. Nos últimos meses de vida ela fora morar com eles no quartinho de hóspedes da casa. Maya ainda se lembrava nitidamente dos barulhos que vinham do quarto durante a noite: as crises de tosse, o gorgolejar úmido e assustador de quem estava morrendo aos poucos de sufocamento. Após a morte da avó, ela nem sequer conseguira entrar no tal quartinho. Lembrava-se de ter lido em algum lugar que esses ruídos nunca sumiam totalmente da memória. Iam ficando cada vez mais apagados, mas nunca sumiam.
Como os ruídos dos helicópteros. Como os ruídos da guerra. Como os ruídos da morte.
De repente lhe ocorreu uma coisa: talvez tivesse sido ali, naquele quartinho da avó, que o fantasma da morte começara a persegui-la.
Ainda espichada no chão, Maya fechou os olhos, respirou fundo e procurou afugentar da cabeça aqueles ruídos da avó. Em seguida pensou novamente em Claire. Nela e nos cigarros que a irmã fumava pelas costas do pai. Volta e meia o velho revirava o quarto delas e acabava encontrando o maço escondido. Fazia seu pequeno sermão, mas não passava disso. Por sorte os dias de fumante de Claire não tinham ido muito longe. Uma fase, só isso. Mas nesse meio-tempo ela acabara encontrando um esconderijo onde jamais ocorreria ao pai procurar.
Uma luz brotou de repente nos olhos de Maya.
Rapidamente ela ficou de pé e correu para a sala. O baú ainda estava lá. Ironicamente, o baú que havia pertencido à sua avó. Claire usava-o no lugar de uma mesa lateral com diversos porta-retratos em cima. Maya foi tirando os porta-retratos um a um e colocando-os no chão. As fotos eram quase todas de Daniel e Alexa, mas havia uma de Claire e Eddie. Uma foto de casamento. Maya parou um instante para examiná-la melhor. Ambos pareciam tão jovens, tão cheios de esperança e tão... ingênuos. Não faziam a menor ideia daquilo que o destino lhes reservava. Mas, claro, ninguém nunca fazia, certo?
O interior do baú era usado para guardar toalhas de mesa e roupas de cama. Maya tirou tudo isso e começou a tatear a superfície do fundo.
– Meu pai trouxe consigo este baú quando veio de Kiev – dissera-lhes a avó quando as duas ainda eram pequenas, muito antes do câncer que a consumiria, quando ainda era uma mulher saudável e esperta, quando ainda levava as netas para as aulas de natação e tênis. – Estão vendo isto aqui?
As duas meninas se inclinaram para ver melhor.
– Foi ele mesmo que fez. Um compartimento secreto.
– Mas servia pra quê? – perguntara Claire na ocasião.
– Pra esconder as joias e o dinheiro da mãe dele. Todo desconhecido é um ladrão em potencial. Lembrem-se sempre disso quando crescerem. Vocês duas. Sempre terão uma à outra, mas nunca deixem os objetos de valor onde as pessoas possam encontrá-los.
Maya enfim encontrou o tal compartimento secreto no fundo do baú. Destravou-o, deslizou a tampa e, exatamente como tinha feito quando menina, debruçou-se para ver melhor.
O telefone estava lá.
Maya pegou o aparelho, feliz com o sucesso da sua busca. Se fosse uma pessoa religiosa, diria que havia sido guiada pelos espíritos da avó e da irmã. Mas não era nada religiosa. Para ela, os mortos continuavam sempre mortos. Esse era o problema.
Ela tentou ligar o aparelho, mas logo viu que ele estava completamente sem bateria. Claro. Não havia sido carregado desde a morte de Claire. Mais tarde ela usaria seu próprio carregador para ressuscitá-lo.
– Que diabo você está fazendo aqui?
O susto foi grande. Com o coração na boca, Maya rapidamente se reergueu, pronta para se defender.
– Porra, Eddie...
– Eu perguntei o que você está...
– Eu ouvi, não sou surda. Mas preciso de um segundo pra recuperar o fôlego.
Tanto foco e tanta compenetração davam nisso, Maya pensou. Ela estava tão absorta na descoberta do telefone que nem sequer tinha ouvido o cunhado chegar.
Mais um erro.
– Então, o que você veio...
– Vim dar uma olhada nas caixas da Claire.
Eddie se adiantou com passos ligeiramente trôpegos.
– Estou vendo – disse. Estava usando a mesma camisa de flanela vermelha do outro dia, as mangas dobradas deixando à mostra o emaranhado de veias dos antebraços. Era forte e compacto feito um peso-médio do boxe. Claire gostava disso, do físico dele. Os olhos estavam vermelhos do álcool bebido. Estendendo a mão espalmada, ele disse: – Me dê a sua chave. Agora.
– Não vai rolar, Eddie.
– Posso trocar as fechaduras.
– Você não consegue nem trocar de roupa...
Ele olhou para os porta-retratos e para as toalhas espalhados no chão.
– O que você estava procurando neste baú?
Maya não respondeu.
– Vi que você pegou uma coisa. Devolve.
– Não.
Ele agora a encarava com as mãos fechadas em punho.
– Posso ir até aí e pegar.
– Não, não pode. Eddie... por acaso ela estava tendo um caso com alguém?
Isso bastou para que Eddie baixasse a crista. Ele emudeceu um instante, depois disse:
– Vai à merda...
– Você sabia ou não sabia? – insistiu Maya, e viu as lágrimas brotarem nos olhos do cunhado.
De repente era por isso também que eles estavam tão vermelhos, não só por causa do álcool. Num gesto automático, ela olhou para a foto de casamento jogada no chão, para o rosto alegre e esperançoso daquele Eddie de outros tempos mais felizes.
Eddie olhou na mesma direção. Não se aguentando, desabou no sofá e deixou a cabeça cair entre as mãos.
– Eddie?
– Quem era o filho da puta? – perguntou ele, quase inaudivelmente.
– Eu não sei. Eileen contou que a Claire vinha recebendo umas ligações secretas. Acabei de encontrar o celular que ela escondeu no fundo deste baú.
Ainda com o rosto caído, e no mesmo fiapo de voz, ele disse:
– Não acredito em você.
– Que foi que aconteceu, Eddie?
– Nada – respondeu ele, enfim erguendo o rosto. – Quer dizer... nosso casamento não andava lá muito bem das pernas. Mas é assim com todos os casamentos. Uma hora está tudo bem, outra hora a coisa desanda. Você sabe disso, não sabe?
– Não é de mim que estamos falando.
Eddie balançou a cabeça e novamente a escondeu nas mãos.
– Não tenho tanta certeza assim – disse ele.
– Por quê? Não entendi.
– A Claire... ela trabalhava pro seu marido.
Maya não gostou nem um pouco do tom de voz da resposta.
– E daí? – retrucou.
– E daí que a desculpa dela, quando perguntei, foi que ela tinha trabalhado até mais tarde.
Maya não era mulher de falar em rodeios.
– Se você está insinuando que a Claire e o Joe...
– Foi você mesma que disse que ela estava tendo um caso – interrompeu Eddie, reunindo forças para se levantar. – Só estou dizendo onde ela estava.
– Quer dizer então que você já andava desconfiado, é isso?
– Não foi isso que eu disse.
– Foi, sim. Mas por que você não contou nada pra polícia durante a investigação?
Agora foi Eddie quem permaneceu mudo.
– Tudo bem, eu entendo – disse Maya. – Você é o marido. Eles já estavam suspeitando de você. Suspeitariam muito mais se você dissesse que desconfiava de um caso extraconjugal.
– Maya? – Eddie deu um passo na direção dela, e ela recuou. – Me dê este telefone e suma daqui.
– O telefone vai comigo.
Eddie se interpôs no caminho antes que ela pudesse sair.
– Quer comprar uma briga, quer? – ele ameaçou.
Maya lembrou-se da arma que tinha na bolsa. Na realidade, quem andava armado jamais se esquecia da arma que levava consigo. A imagem dela ficava sempre num canto qualquer da cabeça, insinuando-se. Usá-la era sempre uma opção, tanto para o bem quanto para o mal.
Eddie avançou um passo.
Maya jamais devolveria aquele telefone. Já ia levando a mão para a bolsa quando ouviu os sobrinhos às suas costas.
– Tia Maya!
– Opa!
Daniel e Alexa tinham surgido do nada, assim como só os muito jovens eram capazes de fazer. Cumprimentaram-na com abraços carinhosos e demorados, e Maya precisou ficar atenta para que nenhum dos dois sentisse a arma dentro da bolsa. Mais que depressa ela inventou uma desculpa qualquer, despediu-se com beijinhos e foi embora antes que Eddie fizesse alguma besteira.
Dali a cinco minutos Eddie ligou no celular dela.
– Desculpa pelo que acabou de acontecer – disse ele. – Eu amava a Claire. Puxa, como eu amava aquela mulher... Você sabe disso. A gente tinha as nossas crises, claro, mas sei que ela me amava também.
Maya já estava no carro, dirigindo.
– Eu sei, Eddie.
– Maya, você vai me fazer um favor.
– Fala.
– Seja lá o que você descobrir neste telefone, por pior que seja, você vai me contar. Preciso saber da verdade.
Maya olhou pelo espelho retrovisor. Lá estava o Buick vermelho de novo.
– Você vai me contar, não vai? – insistiu Eddie. – Promete?
– Prometo – disse ela.
Maya desligou e deu mais uma olhada no espelho do carro, mas o Buick já havia desaparecido. Vinte minutos depois, chegou à creche para buscar a filha. A pedido de Miss Kitty, preencheu o resto da papelada e fez o primeiro pagamento. Lily não quis ir embora, o que ela tomou como um bom sinal.
Chegando em casa, acomodou a menina e foi imediatamente para a gaveta que costumava chamar de “o Cemitério dos Cabos”. Como a maioria das pessoas que conhecia, jamais jogava fora um bom cabo de força. A gaveta transbordava de tantos cabos, dezenas deles, centenas. Era bem provável que ali ainda houvesse algum que servisse.
Encontrou um adaptador compatível com o telefone de Claire, colocou a bateria para recarregar e esperou até obter um nível mínimo de carga que lhe permitisse usar o aparelho, o que levou uns dez minutos. Tratava-se de um telefone bastante elementar, desses que iam direto ao ponto, sem firulas, mas por sorte havia um histórico de chamadas.
Todas eram para o mesmo número.
Dezesseis ligações para um número que ela não conhecia. O código de área era 201, o da região norte do estado de Nova Jersey. De quem seria a porcaria daquele número?
Maya examinou as datas. As ligações haviam começado três meses antes da morte de Claire. A última fora quatro dias antes do assassinato. Como interpretar isso tudo? As ligações não obedeciam a nenhum padrão identificável. Muitas no começo, muitas no fim, uma mixórdia no meio.
Seriam para marcar encontros clandestinos?
Por algum motivo, Maya se lembrou de Jean-Pierre, e sua imaginação começou a funcionar por conta própria. Nada impedia que o francês tivesse procurado Claire depois de tantos anos. Na era da internet, volta e meia se ouvia um caso assim. Nenhum ex-namorado ou ex-namorada evaporava completamente para quem sabia pilotar um Facebook.
Mas não. Não podia ser Jean-Pierre. Claire teria contado a ela.
Teria mesmo? Como saber? Claire vinha aprontando alguma, quanto a isso não havia a menor dúvida, mas não confiara nela o bastante para se abrir. Até então, Maya sempre acreditara que elas não tinham nenhum segredo uma com a outra. Mas talvez fosse o caso de fazer um rápido mea culpa: ela, Maya, estava do outro lado do mundo enquanto tudo aquilo acontecia, lutando por seu país num deserto abandonado por Deus, quando deveria ter ficado ao lado da irmã, protegendo-a.
Fosse como fosse, Claire tinha um segredo.
E agora? Fazer o quê?
Primeiro, o mais fácil: pesquisar o tal número de telefone no Google. Com um pouco de sorte ela descobriria alguma coisa. Então digitou o número no campo de busca, deu ENTER e... bingo!
Quer dizer, mais ou menos.
Para sua surpresa o número surgiu imediatamente. De modo geral, quando pesquisamos um número de telefone no Google, o que recebemos é uma proposta de serviços, alguém querendo vender informações ou se oferecendo para fazer uma investigação particular. O número para o qual Claire vinha ligando era um número comercial, mas, como todas as bizarrices das últimas semanas, levava a mais perguntas, e não a respostas. A empresa realmente ficava no norte do estado de Nova Jersey, próximo à George Washington Bridge, de acordo com o Google Maps. Chamava-se Leather and Lace. Couro e Renda. Um clube para cavalheiros.
Trocando em miúdos: uma boate de striptease.
Maya abriu o link só para se certificar e logo se viu diante de uma tela repleta de mulheres seminuas. Isso mesmo. Uma boate de strip. Claire se dera ao trabalho de comprar um segundo telefone e escondê-lo no fundo de um baú apenas para se comunicar com uma boate de strip.
Que sentido haveria nisso?
Nenhum.
Ela procurou juntar as coisas em busca de algum vínculo entre elas: Claire, Joe, a câmera escondida, o telefone, a boate de strip... Aventou todas as possibilidades, mas não chegou a lugar nenhum. Nada daquilo fazia sentido. Então começou a atirar no escuro para ver se acertava em alguma coisa. Talvez Claire estivesse tendo um caso com algum funcionário da boate. Talvez Jean-Pierre fosse o gerente do lugar. Com efeito, segundo constava no site, a casa oferecia à sua “clientela diferenciada” algo que eles chamavam de “Pacote Pigalle”. Melhor nem saber o que era aquilo. Talvez Claire levasse uma vida dupla e trabalhasse por lá. Às vezes aparecia um caso assim, ou nos tabloides, ou nos filmes B da televisão a cabo. De dia, dona de casa; de noite, stripper.
Não viaja, mulher.
Maya pegou seu próprio telefone e ligou para Eddie.
– E aí, descobriu alguma coisa? – perguntou ele.
– Eddie, presta atenção. Se eu tiver que ficar pisando em ovos toda vez que precisar falar com você, não vou descobrir porcaria nenhuma. Vou te fazer uma pergunta e gostaria que você respondesse com sinceridade.
– Tudo bem, pode perguntar...
– Por acaso você costuma ir a boates de striptease?
– Se eu costumo...? – Silêncio. E depois: – Ano passado o pessoal da empresa fez uma festa de despedida de solteiro num lugar desses.
– Só isso? Mais nada?
– Só.
– Que boate foi essa?
– Espera aí. O que isso tem a ver com...
– Responde, Eddie.
– Nos subúrbios da Filadélfia. Em Cherry Hill.
– Depois disso você não foi a nenhuma outra boate?
– Não.
– Por acaso já ouviu falar de um lugar chamado Leather and Lace?
– Está brincando...
– Anda, Eddie, responde.
– Não, nunca ouvi falar.
– Tudo bem, então. Obrigada.
– Espera. Você não vai me contar o que está rolando?
– Por enquanto não. Tchau.
Maya desligou e voltou sua atenção para o computador. Que motivos teria Claire para ligar tantas vezes para a Leather and Lace?
Conjeturas malucas não levariam a nada. Melhor ir lá para ver. Sua vontade era pegar o carro e ir imediatamente para a tal boate, mas ela não tinha com quem deixar Lily. A creche fechava às oito da noite.
Não havia outro jeito. Aquilo teria de ficar para o dia seguinte. No dia seguinte ela viraria aquela boate pelo avesso. Não deixaria couro sobre renda.