capítulo 21
O CONSULTÓRIO DE JUDITH FICAVA no andar térreo de um prédio de apartamentos no Upper East Side de Manhattan, a uma quadra do Central Park. Maya não fazia a menor ideia de que tipo de paciente a sogra estava atendendo nos últimos tempos. Judith era formada em medicina pela Stanford University e agora era titular de uma cadeira na área clínica da escola de medicina da Cornell University, muito embora não desse aula nenhuma. Que alguém trabalhando apenas meio expediente pudesse ocupar essas posições era surpresa apenas para os que não reconheciam o poder do nome Burkett e das doações filantrópicas.
Choque de realidade: dinheiro é poder.
Judith se apresentava profissionalmente como Judith Velle, seu nome de solteira. Se fazia isso para esconder até onde fosse possível o conflito com o nome Burkett, ou apenas para embarcar numa prática comum da modernidade, somente ela própria poderia dizer. Maya passou pelo porteiro e encontrou a porta do consultório. Judith dividia o lugar com outras duas médicas. Os três nomes (Judith Velle, Angela Warner e Mary McLeod) vinham listados numa placa com um monte de letrinhas à direita.
Maya entrou silenciosamente na pequena sala de espera, onde havia apenas um sofá de dois lugares e uma cadeira. Os quadros na parede eram genéricos o bastante para pertencerem a uma rede de hotéis de beira de estrada. As paredes e o carpete eram bege. Na porta que dava acesso ao consultório em si, uma plaqueta informava: consulta em andamento. aguarde.
Não havia recepcionista. Maya supunha que os pacientes fossem pessoas da alta roda; portanto, quanto menos gente os visse, melhor. Terminada a consulta, eles saíam por uma segunda porta no consultório de modo que não tivessem de passar por quem estivesse na sala de espera. Ninguém via ninguém.
O desejo de privacidade e discrição era mais do que compreensível (Maya também não queria que ninguém ficasse sabendo do seu “transtorno”), mas, por outro lado, tinha seu lado nocivo. Os médicos viviam afirmando que as doenças mentais não eram lá muito diferentes das físicas. Dizer a alguém que sofria de depressão, por exemplo, para esquecer sua condição e sair de casa como se não tivesse nada era o mesmo que dizer a um homem com as duas pernas quebradas para correr até a padaria da esquina e voltar com o pão. Tudo muito bacana na teoria, mas, na prática, o estigma continuava firme e forte.
Numa visão mais condescendente, talvez isso se desse apenas porque era possível esconder uma patologia mental. Se Maya pudesse esconder duas pernas quebradas e andar assim mesmo, provavelmente esconderia. Quem haveria de dizer? Naquele momento ela precisava dar fim à sua agonia mais imediata, depois pensaria em tratar da cabeça. As respostas que ela buscava estavam ali, apetitosamente próximas. Ninguém estaria seguro por completo até que ela descobrisse toda a verdade e punisse os culpados.
Dificilmente ela conseguiria fazer isso com as duas pernas quebradas, mas não seria um reles TEPT que a impediria de chegar ao fundo daquela história.
Faltavam cinco minutos para a hora marcada. Ela tentou ler uma das revistas idiotas que descansavam sobre a mesinha lateral, mas constatou que as palavras nadavam soltas em sua cabeça. Então pegou o celular e procurou se distrair com um joginho que envolvia formar palavras de quatro letras, mas foi vencida pela falta de concentração. Aproximou-se da porta. Não chegou a encostar o ouvido nela, no entanto, mesmo assim ouviu o ciciar de duas vozes femininas. O tempo se arrastava, mas enfim alguém abriu a porta de saída que ficava no interior da sala: a paciente que decerto ia embora.
Rapidamente, Maya voltou para o sofá, pegou uma revista e cruzou as pernas. Cara de paisagem. A porta se abriu e uma mulher que aparentava uns 60 anos bem-cuidados sorriu para ela.
– Maya Stern?
– Sim?
– Por favor, entre.
Haveria uma recepcionista afinal? Que trabalhava dentro do consultório? Estranho. Maya foi seguindo a mulher, esperando encontrar Judith sentada à sua mesa ou numa cadeira ao lado do divã ou em qualquer outro arranjo compatível com um consultório psiquiátrico. Mas Judith não estava lá. Maya virou-se para a suposta recepcionista, que estendeu a mão para se apresentar:
– Meu nome é Mary.
Maya ficou confusa. Rapidamente correu os olhos pelos diplomas pendurados à parede.
– Mary McLeod? – disse.
– Sim. Colega da Judith. Ela sugeriu que tivéssemos uma conversinha.
Segundo informavam os diplomas, tanto Judith quanto ela haviam se formado em medicina em Stanford, mas com bacharelados diferentes: Judith na USC, e ela na Rice University, depois uma residência na UCLA.
– Onde está a Judith?
– Não sei. Trabalhamos meio expediente, eu e ela. Dividimos esta sala.
Maya não se deu ao trabalho de disfarçar a irritação.
– Eu sei, vi seu nome na porta.
– Por que não se senta um pouquinho, Maya?
– Por que você não vai catar coquinho, Mary?
Se Mary McLeod ficou espantada com a farpa, não demonstrou.
– Acho que posso ajudá-la – disse.
– Pode começar dizendo onde está a Judith.
– Já disse. Não sei.
– Então tchau.
– Meu filho serviu duas vezes. Uma no Iraque e outra no Afeganistão.
A contragosto, Maya ficou balançada com o que ouviu.
– Jack sente falta do front. Isso é o que eles nunca confessam, não é? Meu filho mudou com a guerra. Odiou as duas experiências que teve. Mesmo assim quer voltar. Em parte por uma questão de culpa. Acha que abandonou os amigos que fez por lá. Mas também é outra coisa. Algo que ele não consegue muito bem articular.
– Mary...
– Sim.
– Você não está mentindo sobre seu filho ser militar, está?
– Jamais faria uma coisa dessas.
– Claro que faria. É manipuladora. Me manipulou junto com a Judith pra que eu viesse aqui. E agora está me manipulando pra que eu me abra com você.
Ereta feito uma vara, Mary McLeod disse:
– Não estou mentindo sobre meu filho.
– Pode ser – disse Maya. – De qualquer modo, tanto você quanto a Judith deveriam saber que não é possível criar uma relação médico-paciente sem um mínimo de confiança entre as partes. Não há confiança possível depois dessa arapuca que vocês duas armaram pra mim.
– Bobagem.
– Como assim, bobagem?
– Isso que você acabou de dizer, que não é possível estabelecer uma relação médico-paciente sem confiança.
– Você não está falando sério, está?
– Suponhamos que alguém da sua família, digamos... uma irmã, esteja com sintomas de câncer.
– Ah, tenha a santa paciência...
– Por quê, Maya? Do que exatamente você tem medo? Digamos que essa irmã possa ser curada se você conseguir levá-la até um médico. Se você e esse médico conspiraram para...
– Não é a mesma coisa.
– É sim, Maya. É exatamente a mesma coisa. Você não percebe, mas é. Precisa de ajuda tanto quanto uma pessoa com câncer.
Aquilo era uma grande perda de tempo. Maya ficou se perguntando se a mulher estava sendo sincera ou apenas cedendo aos ardis de sua colega Judith. Tanto fazia.
– Preciso falar com a Judith – disse ela.
– Sinto muito, Maya. Nisso eu não posso ajudar.
– Você não pode me ajudar em nada – cuspiu Maya, e saiu.
Paciência tinha limites.
Maya ligou para a sogra a caminho do carro. Judith atendeu ao segundo toque.
– Soube que as coisas não correram muito bem com a Mary.
– Onde você está, Judith?
– Farnwood.
– Não saia daí – disse Maya.
– Vou ficar esperando.
Mais uma vez ela entrou com o carro pelo portão de serviço na esperança de surpreender Isabella vagando pela propriedade ou algo assim, mas não viu ninguém por perto. Talvez fosse o caso de invadir a casa dela e bisbilhotar, de repente encontrar alguma pista sobre onde a garota se escondia, mas isso seria arriscado demais, e o tempo era curto: Judith sabia muito bem quanto tempo durava a viagem do centro de Manhattan a Farnwood.
O mordomo atendeu a campainha. Maya nunca lembrava o nome dele. Não era um nome típico de mordomo, como Jeeves ou Carson, mas um nome bastante comum, tipo Bobby ou Tim. Apesar disso, Bobby/Tim empinou o nariz e a fitou dos píncaros da sua autoimportância.
– Preciso falar com a Judith – disparou Maya.
– Madame está esperando no salão – disse o homem com seu falso sotaque britânico.
“Salão” em casa de rico era o que o resto da humanidade chamava de “sala de estar”.
Judith usava um terninho preto com um fio de pérolas que descia quase até a cintura e duas argolas de prata nas orelhas. Os cabelos estavam elegantemente presos para trás. Com uma taça de cristal na mão, dava a impressão de que estava posando para a capa de alguma revista.
– Oi, Maya.
Às favas com as formalidades.
– Quero saber tudo sobre Tom Douglass.
– Quem?
– Tom Douglass.
– Nunca ouvi falar.
– Pense bem.
Foi o que Judith fez. Ou fingiu fazer. Segundos depois, deu de ombros teatralmente.
– Ele trabalhava na Guarda Costeira – disse Maya. – Foi ele que investigou a morte do seu filho.
Ouvindo isso, Judith deixou cair da mão a taça que empunhava, e o cristal se desmanchou em mil pedaços no chão. Maya não recuou. Nem Judith. Ambas ficaram imóveis, encarando-se até os cacos se imobilizarem também. Judith rouquejou entre dentes:
– De que diabo você está falando?
Se aquilo fosse uma encenação...
– Hoje Tom Douglass é um detetive particular – disse Maya. – Faz anos que vocês vêm pagando a ele uma quantia de quase dez mil dólares todo mês. Eu gostaria de saber por quê.
Judith cambaleou ligeiramente feito um pugilista que procura recuperar o fôlego durante a contagem regressiva do juiz. A pergunta a havia balançado, quanto a isso não havia dúvida. A dúvida era quanto ao motivo da sua reação: ou ela realmente não sabia dos tais pagamentos, ou não esperava que Maya soubesse deles.
– Por que eu pagaria esse Tom... como é mesmo o sobrenome dele?
– Douglass. Com dois s. Você é que vai me dizer.
– Não faço a menor ideia. Andrew morreu num acidente trágico.
– Não – disse Maya. – Não foi assim que ele morreu. Mas você já sabe disso, não sabe?
Judith ficou lívida. Sua dor agora era tão visível, tão gritante, que por muito pouco Maya não se viu obrigada a desviar o olhar. O modo “ataque” era sempre uma boa alternativa, mas, a despeito de onde residisse a verdade daquela história, ela estava falando de um filho que aquela mulher havia perdido. A dor de Judith era real, concreta, lancinante.
– Não faço a menor ideia do que você está falando – disse ela.
– Então o que foi que aconteceu?
– O quê?
– Como foi exatamente que o Andrew caiu daquele barco?
– Está falando sério? Por que tocar nesse assunto depois de tantos anos? Você nem chegou a conhecer o Andrew!
– É importante. – Maya deu um passo na direção da sogra. – Como foi que ele morreu, Judith?
Judith tentou manter a cabeça erguida, mas a emoção não permitiu.
– Andrew era muito novo... Bebeu mais do que devia numa festinha durante a viagem... O mar estava agitado. Ele estava sozinho no deque quando caiu.
– Não.
– Hein? – devolveu ela com a força de um petardo.
Por um segundo Maya achou que a mulher arremeteria para esganá-la. Mas o momento passou. Judith baixou os olhos, e quando voltou a falar foi num tom bem mais brando, quase de súplica.
– Maya...
– Hmm.
– Me diz o que você sabe sobre a morte do Andrew.
Será que Maya estava sendo manipulada? Era difícil dizer. Dava para ver que a mulher estava completamente exausta, arrasada. Seria possível que Judith realmente não soubesse da verdade?
– Andrew se suicidou – disse ela.
Judith precisou retesar os músculos do corpo para não estremecer.
– Não é verdade – retrucou.
Maya esperou um pouco, na esperança de que a sogra vencesse o instinto de negação.
– Quem foi que disse isso? – perguntou Judith afinal.
– O Joe.
Judith balançou a cabeça tão rigidamente quanto antes, e Maya insistiu:
– Por que vocês vêm pagando o Tom Douglass?
Na guerra aquilo era chamado de “o olhar quilométrico”, aquele olhar distante e vago dos combatentes que já haviam testemunhado muito mais do que deviam. Pois era esse o olhar de Judith agora.
– Ele era apenas um menino... – balbuciou Judith, e embora não houvesse mais ninguém na sala, não era com Maya que ela parecia estar falando. – Não tinha nem 18 anos...
Maya deu mais um passo na direção dela.
– Você realmente não sabia?
Judith ergueu a cabeça, assustada.
– Não sei aonde você pretende chegar com tudo isso.
– À verdade.
– Que verdade? Afinal, o que você tem a ver com a morte do meu filho? Por que diabo resolveu exumar essa história?
– Não exumei nada. Foi o Joe que me contou.
– Joe contou que o irmão cometeu suicídio?
– Sim.
– Confidenciou como se estivesse contando um segredo?
– Sim.
– E depois desses anos todos você achou por bem contrariar a vontade dele e me contar tudo? – disse Judith, fechando os olhos.
– Minha intenção não foi reabrir as suas feridas.
– Ah, não – ironizou ela. – Claro que não.
– Mas preciso saber por que vocês vêm pagando o oficial da Guarda Costeira que investigou a morte do Andrew.
– Por que você precisa saber disso?
– É uma longa história.
Com um risinho triste, Judith argumentou:
– Tempo é o que não me falta, Maya.
– Foi minha irmã que descobriu.
– Descobriu o quê? Esses supostos pagamentos?
– Isso.
Silêncio.
– Depois foi assassinada – prosseguiu Maya. – Depois o Joe foi assassinado.
Judith arqueou as sobrancelhas.
– Você está sugerindo que as duas coisas estão relacionadas?
Então Kierce não havia contado a ela.
– Os dois foram mortos com a mesma arma.
A nova informação teve sobre Judith o efeito de mais um golpe que a desestabilizou.
– Não pode ser.
– O que não pode ser?
Judith fechou os olhos mais uma vez e arregimentou forças antes de reabri-los.
– Me conta o que está acontecendo – disse. – Mas vai devagar, por favor.
– É muito simples – respondeu Maya. – Vocês estão pagando Tom Douglass e eu gostaria de saber por quê.
– Algo me diz que você já sabe.
Maya foi tomada de surpresa pela súbita mudança no tom da sogra.
– O suicídio? – disse.
Judith não respondeu, apenas fabricou um sorriso.
– Os pagamentos são pra abafar o suicídio do Andrew?
De novo, silêncio.
– Por quê? – insistiu Maya.
– Um Burkett não comete suicídio – disse Judith afinal, categórica.
Maya ficou se perguntando se isso fazia algum sentido. Não, claro que não fazia. Aquele mistério ainda estava longe de ser elucidado. Portanto, ela precisava mudar de direção, desarmar Judith com uma bola de efeito.
– Então por que você paga Roger Kierce também?
– Quem? – Judith crispou o rosto numa interrogação. – Espera... o investigador da polícia?
– Ele mesmo.
– Que motivo teríamos pra pagar esse homem?
“Teríamos”, no plural.
– É você que vai me dizer.
– Não tenho a menor ideia do que você está falando. Por acaso é mais uma coisa que sua irmã descobriu?
– Não – disse Maya. – Foi a Caroline que me contou.
Outro pequeno sorriso brotou nos lábios de Judith.
– E você acreditou nela?
– Por que ela mentiria?
– Caroline não mentiria. Mas às vezes ela... fica confusa.
– Interessante, Judith.
– O quê?
– Você vem pagando os dois homens envolvidos na investigação da morte dos seus dois filhos.
Judith balançou a cabeça, dizendo:
– Isso é um grande disparate.
– Por sorte podemos resolver isso rapidinho – disse Maya. – Basta chamarmos a Caroline.
– Ela não está.
– Então ligue pra ela. Estamos no século XXI, Judith. Todo mundo tem um celular. Aqui. Tome o meu. – Maya localizou a cunhada na sua lista de contatos e ofereceu o aparelho à sogra, que não o aceitou.
– Não vai adiantar – disse Judith.
– Por que não?
– Porque minha filha, digamos... – ela mediu as palavras – não deve ser incomodada neste momento. Não está bem. Volta e meia tem isso. Precisa repousar.
Maya baixou o telefone.
– Você trancou sua filha num hospício? – disparou ela, usando o termo proscrito intencionalmente para ferir. E conseguiu.
– Este é um jeito horrível de colocar as coisas. Você, mais do que ninguém, deveria ser mais compreensiva.
– Por que “mais do que ninguém”? Ah, por que sofro de TEPT?
Judith não respondeu.
– E a Caroline? – perguntou Maya. – Qual foi o trauma que ela sofreu?
– Nem todos os traumas acontecem num campo de batalha, Maya.
– Eu sei. Alguns acontecem em casa. Quando dois irmãos morrem tão jovens e de forma tão trágica.
– Exatamente. Esses traumas acarretaram alguns... probleminhas.
– Probleminhas – repetiu Maya. – Como, por exemplo, achar que esses dois irmãos ainda estão vivos. – Imaginou que com isso abalaria a sogra de novo, mas dessa vez Judith não se deixou afetar.
– A mente deseja – disse ela com firmeza. – A mente pode desejar com tanta força que às vezes esse desejo acaba se transformando em ilusões. Miragens, paranoias, teorias conspiratórias... Quanto mais desesperada a pessoa está, mais vulnerável fica. Caroline é imatura. Por culpa do pai que a mimava muito, superprotegia. Ele nunca deixou a filha lidar com as adversidades naturais da vida, defender-se com suas próprias armas. Então, quando a Caroline começou a perder os homens fortes que a cercavam, o seu porto seguro, não conseguiu aceitar.
– Então por que você não deixou que ela visse o corpo do Joe?
– Ela disse isso? Nenhum de nós viu o corpo do Joe.
– Por que não?
– Não lhe parece óbvio? Meu filho foi assassinado com um tiro na cabeça. Quem, em sã consciência, gostaria de ver uma coisa dessas?
Maya refletiu um instante e mais uma vez concluiu que isso não explicava tudo.
– E quando tiraram o Andrew do mar?
– O que tem isso?
– Vocês viram o corpo dele?
– Por que você está perguntando isso? Meu Deus... Você não pode realmente estar acreditando que...
– Viram ou não viram?
Judith engoliu em seco.
– O corpo do Andrew ficou na água por mais de 24 horas. Meu marido o identificou, mas... não foi fácil. Os peixes o haviam desfigurado. Por que alguém iria querer ver...? – Aqui ela se calou e estreitou os olhos num esgar de desconfiança. Quase sussurrando, disse: – Aonde você quer chegar com tudo isso, Maya?
Maya não respondeu, mas repetiu:
– Por que vocês pagam o Tom Douglass?
Sem nenhuma pressa, Judith disse:
– Digamos que seja verdade... isso que o Joe lhe disse sobre a morte do Andrew. Digamos que o Andrew realmente tenha se matado. Eu era a mãe. E não havia suspeitado de nada enquanto ainda era tempo de fazer alguma coisa pra salvá-lo. Mas depois pensei: quem sabe não seria possível fazer alguma coisa pra proteger a memória dele? Você entende?
Maya aquilatou-a por alguns segundos.
– Claro – mentiu. Porque não entendia.
– Seja lá o que tenha acontecido ao Andrew... seja lá o que ele tenha sofrido tanto tempo atrás... nada disso tem a ver com os acontecimentos recentes. Nem com a morte da sua irmã, nem com a do Joe.
Maya não acreditava nem um pouco nisso.
– E os pagamentos ao Roger Kierce?
– Já disse. Esses pagamentos simplesmente não existem. São uma invenção da Caroline.
Maya logo se deu conta de que não havia mais nenhum leite a ser tirado daquela pedra. Pelo menos por enquanto. Ela precisava investigar mais, conseguir mais informações. Ainda faltavam muitas peças naquele quebra-cabeça.
– Acho melhor eu ir embora – disse ela.
– Maya... Acho que a Caroline não é a única pessoa que está precisando de repouso. Não é a única pessoa que está se deixando enganar pelos próprios desejos e enxergando coisas que não existem.
– Quem seria essa outra pessoa? Muito sutil, Judith.
– Eu queria muito que você aceitasse a ajuda da Mary.
– Estou bem, fique tranquila.
– Não, não está. Nós duas sabemos disso. Nós duas sabemos a verdade, não sabemos?
– Que verdade, Judith?
– Meus dois filhos já pagaram muito mais que deviam – disse ela, incisiva. – Não cometa o erro de fazê-los pagar ainda mais.