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O menino olhava para o broche com que a prima pregara a gola da blusa. E, de repente, o dourado começou a mover-se, contraindo-se e expandindo-se. A louça do bule com que se servia o chá fez-se em espelho batido pelo sol, e todas as coisas foram sendo envolvidas por uma luz feroz. A náusea dominou o menino, enquanto a pálpebra esquerda se rasgava com uma dor afiada, que ganhou a face e se estendeu até a narina entupida. Zonzo e de boca seca, o menino sentiu chegar o bater insistente do martelo sobre a metade da cabeça, com uma violência contra a qual não tinha forças. Pesava-lhe o peito, e todo o seu corpo passou a ser bicado por aves que não via.

Fugiu para dentro de casa e, no banheiro, vomitou o vazio do estômago. Sem alívio, conseguiu deitar-se no quarto, antes que começassem a repetir-se, entre o torpor e a vigília, as mesmas imagens de céus a se abrirem em abismos luminosos. Delirava, em prantos, quando vieram acudi-lo. Os rostos da prima e da tia-avó multiplicavam-se, deformados, no espaço, e em seu ouvido moviam-se incessantemente as mesmas frases.

O médico aplicou-lhe uma injeção na veia, e o menino dormiu por mais de duas horas. Essa fora a enxaqueca mais forte que jamais tivera — explicou, depois, a todos os que se encontravam na sala, ao redor da lareira —, mas, graças à injeção, não se alongara além do acordar, ao contrário daquelas a que estava acostumado e que o afligiam durante todo um dia e atravessavam a noite e os pedaços de sono.