Eram de madeira o cavalo e o ginete. Pouco maior do que a mão de um adulto, a imagem do animal devia ter um ímã na sela, e a do homem de pernas em arco, pedacinhos de ferro incrustados no alto da cabeça, nas mãos, nas nádegas e nas plantas dos pés. Assim se explicariam as acrobacias do cavaleiro, capaz de escanchar-se de frente e de costas, de sentar-se de lado no selim ou de nele equilibrar-se sobre uma só perna, uma das mãos ou de cabeça para baixo. Era um desses brinquedos que se vendiam nas feiras e no mercado, onde se podia ver o figureiro cortando a madeira, embutindo o metal e pondo, de encarnado, o lenço do pescoço do boneco e, de prata, os estribos e outras partes dos arreios do cavalo.
O menino passou muitas horas com as duas peças de madeira, entretido a fabular enredos de circo e de vida, simples e breves, até que, um dia, sem explicação, elas sumiram de vez. Sem explicação e dentro de casa.
Reviraram-se todos os cômodos. Buscou-se atrás dos armários, no depósito de carvão da cozinha, no telheiro que cobria a bomba d’água, nas moitas do jardim. Nada. Como se cavalo e cavaleiro tivessem fugido a galope para um outro espaço e um outro tempo, sem, no entanto, de todo se afastarem do menino, a cujos sonhos se apegaram.
Em repetidas noites, ao longo de anos que se estenderam da infância ao embranquecer dos cabelos, o cavalo e o ginete de pau foram reencontrados pelo dono dormindo. De súbito, no sono, ao puxar uma gaveta ou desdobrar a rede, um grito punha de novo nas suas mãos a montaria tosca e o homenzinho que sobre ela cabriolava, também menino e também feliz.