Não se vivia semana sem mais de um comício. Os maiores, na esplanada do Castelo. Os outros, nas várias praças da cidade, nas quais, quando não havia coreto, se erguia um palanque provisório de madeira.
Se os discursos deviam começar às oito horas da noite, desde as cinco já se contavam na praça os que procuravam arregimentar assistência e vendiam bandeirolas, emblemas e propaganda do partido. Os comunistas ofereciam livros e panfletos — obras de Marx, Engels, Lênin e Stalin. Dos udenistas, o menino comprou um folheto em papel verde-azulado, com os versos da “Lira do Brigadeiro”, de Manuel Bandeira.
Os comícios de bairro mais animados eram os do movimento pela Constituinte com Getúlio Vargas, uma aliança que tinha tudo para parecer impossível, se não fosse real, entre o Catete e Prestes, e pregada por este, quando ainda na prisão. Defendiam os getulistas e os comunistas o adiamento do pleito para presidente. Só se elegeriam, em 2 de dezembro, os representantes do povo encarregados de redigir uma nova Constituição, permanecendo, enquanto durasse este trabalho, Vargas no poder.
Era difícil conceber-se que pudessem falar da mesma plataforma, quase de braços dados, o encarcerado macilento, em cujo rosto o menino encontrava mais elegia do que esperança, e o carcereiro gorducho e risonho. Este havia autorizado o envio para a morte de Olga Benário, mulher daquele, e desatara uma perseguição impiedosa contra os camaradas de Prestes. No entanto, tudo se esquecia, sem que Prestes sofresse em seu conceito popular: era mais uma demonstração de grandeza de quem tinha as feições da santidade. Os interesses do país e do partido impunham-lhe, se não o perdão íntimo, ao menos a graça pública. Havia quem não aceitasse isto, como o próprio advogado de Prestes, Sobral Pinto, mas em quase toda gente predominava o sentimento de que se devia uma reparação a quem sofrera tanto, e em fortaleza, pelas suas ideias, que se tinham irmanado às da democracia, durante a guerra. E tanto era assim, que se derramara a impressão de que a UDN deixava de apresentar companheiro de chapa para Hamilton Nogueira, a fim de assegurar a Prestes o assento no Senado.
O menino foi vê-lo e ouvi-lo num comício, levado pelo irmão que voltara de Fernando de Noronha. Não o impressionaram, no orador, nem as palavras nem a voz, mas, sim, a coincidência entre a sua figura e a imagem que o menino fazia de São Francisco de Assis. Falando, sua eloquência era morna, opaca, insossa, calculada; não possuía a indignação da caridade.
O menino, desde o início, já escolhera o candidato de sua torcida nas eleições: o general Dutra. Sem qualquer motivo soprado pela inteligência ou o afeto. Não se dava intimamente outro argumento para justificar a preferência, que o desejo de ir contra o resto — ao seu redor só via udenistas, comunistas e partidários do Estado Novo — e sustentar a posição quase sozinho.