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Mudaram-se de novo, após alguns meses de praia. O rumor do mar afetava os nervos do pai, que pediam silêncio, sombra de árvores, convívio de passarinhos. A casa que a mãe comprara, no outro lado da cidade, oferecia tudo isso. Embora não longe do centro, ficava num pedaço de rua calçado de pedras irregulares e que, uns três quarteirões depois, se desnudava em barro, a cortar sítios, roças, pomares, vacarias e terrenos baldios.

A casa tinha um pequeno jardim, com duas moitas de palmeirinhas muito verdes a ladearem o caminho cimentado que levava ao alpendre. Este tomava a metade da fachada, na qual se viam ainda três grandes janelas. Ao lado da varanda, entre a casa e o muro do vizinho, havia um corredor, interrompido pelo portão alto que resguardava o quintal.

Ao entrar na casa, a mãe mandou que se arrumassem os canteiros do jardim. Plantaram-se dálias, margaridas, roseiras. Os galhos mortos de uma dama-da-noite, rente à mureta que dava para a rua, foram podados com capricho, para não danar o arbusto, de cujas flores brancas, quando o céu se estrelava, vinha um cheiro intenso e doce, enjoativo de perto, aveludado para os garotos sentados na coxia, e lindo e bom, como cabelos de moça ao vento, para quem se achegasse pela calçada em frente.

Uma outra arboreta que acarinhava a curiosidade do menino era uma graxa-de-estudante, junto ao portão que cobria o acesso ao quintal. Tinha flores grandes, enrugadas, entre o rosado e o vermelho. Era raro que se passasse por ali, sem arrancar uma delas e esfregá-la nos sapatos, para lhes devolver o brilho. Se o calçado era negro, até a biqueira esfolada reavia, com ilusória brevidade, a cor primitiva.

O jardim sussurrava para o menino. Entre as folhagens, sobretudo depois que a ausência de cuidados desfez os canteiros e misturou as flores, confundindo-as com as macegas de pouca vergonha, corria uma cantiguinha da qual ele era o único ouvido, debruçado sobre os grilos, as lagartixas, um que outro louva-a-deus e as asas das borboletas, algumas tão pequenas que só se viam porque mais que brancas. Miúdas e quietas, as palavras. Baixinha, quase inaudível, a melodia. Alguém cantava para ele, enquanto ele cantava para alguém. Um cicio, apenas, com o nome das coisas. E, devagarinho, o verso, aquilo que se inventava para não haver silêncio, o que nascia de um solilóquio que era também dueto. O sol, filtrado pelas árvores, enxugava a grama. Um verdureiro, na rua, aos gritos, punha de pé o menino.