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Toda a manhã, passava o comércio pela porta da casa. Bem cedinho, vinham o leiteiro e o seu ajudante, um guri a tanger dois ou três burricos, as cangalhas sustentando, de cada lado, a grande caixa com os latões cilíndricos e de um zinco fosco. O comprador declarava quanto queria. O leiteiro puxava com cuidado, pela alça metálica, o tampo também metálico e muito justo da vasilha e nela mergulhava a medida de estanho — de um litro, de meio litro, de um quarto de litro.

Mal se afastava, vagarento, com sua carga balouçante, e um novo rumor de cascos trazia os carvoeiros, de roupa e rosto sujos, as mãos pretas nas rédeas dos jumentos sobre os quais montavam, as pernas escuras a se confundirem com os sacos de carvão. Eram, em geral, meninos, algumas vezes comandados por um homem. Havia também quem vendesse carvão em carroças de madeira gastas e desengonçadas, que a preguiça ou o cansaço de um cavalo velho arrastava pelo calçamento. Os vendedores traziam uma bolsa de couro ou pano a tiracolo, pesada de moedas, pois as notas eram raras nesse mercadejar de casa em casa e de pequenas despesas.

Lindos eram os jumentos dos floristas. Cabeçada e focinheira vinham cobertas de flores, e flores escondiam o couro do peitoral, da cilha e da retranca das cangalhas. As caixas que sustinham estavam, em geral, pintadas de azul, verde ou amarelo, ou com motivos vegetais de mais de uma cor, a repetirem todo o decepado jardim que nelas se equilibrava. No cabeçote havia sempre um regador de lata, para refrescar os cravos, os copos-de-leite, as dálias, as rosas e um sem-número de outras flores e florinhas, protegidas, muitas vezes, do sol por um teto de esteira enfeitado de palmas.

Os vendedores de aves traziam a mercadoria, quase a correr. Num garajau, no alto da cabeça. Ou ao ombro, numa vara longa, em cujas pontas galinhas, pintadas, patos e marrecos se dependuravam pelos pés, aos cachos. Iam cantando a oferta, como de resto os carniceiros, os peixeiros e os demais vendilhões, e os amoladores de faca e tesoura, e os funileiros, e os compradores de jornais velhos e garrafas vazias, e os engraxates, e os que ofereciam à rua pencas de bananas, jacas inteiras ou aos pedacinhos, laranjas, mangas, sapotis, graviolas, cajás, ciriguela e murici, as três últimas frutas vendidas por medidas de latão.

Com o meio-dia e o mormaço do início da tarde, chegavam os sorveteiros.

O avizinhar do crepúsculo trazia o homem do puxa-puxa, a abrir e fechar os braços, cintados pelo grosso elástico de açúcar amarelo. Punha-se a moeda no seu bolso, para que ele não a tocasse com as mãos com que arrancava um pedaço da massa gordurosa e grudenta e a estirava e contraía, como se fora de borracha, antes de entregá-la ao guloso, obrigado a continuar a espichar e a amassar o doce, se não queria vê-lo endurecer e açucarar-se.

À noitinha, passavam meninotes e um galalau a pregoar mindubi fresco, torrado no sal ou coberto de mel e de açúcar mascavo. E voltavam para a casa das patroas os doceiros, com as mesas cobertas de vidro, a proteger das moscas o que sobrava de cocadas, pés de moleque, quindins, sequilhos, doces de batata, de mamão e jerimum, queijadinhas, suspiros e quadradinhos de goiabada e bananada envoltos em papel celofane.

Os baleiros, com a caixa pendurada ao pescoço, ainda perseguiam as crianças com rebuçados, chicletes, pirulitos, quebra-dentes, chocolates, amêndoas e jujubas.