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Toda quinta-feira o menino ia ao médico. Mal chegava à sala de espera do consultório, a enfermeira vinha até ele e delicadamente lhe punha uma espécie de mecha de algodão numa das narinas. O odor do anestésico depressa se esvaía, enquanto o menino, à espera de ser atendido pelo doutor, folheava números antigos de A Careta, Eu Sei Tudo, Fonfon e Vamos Ler!

O médico, todo de branco e com um espelho redondo preso à testa, cantarolava mansinho, ao baixar o encosto da cadeira mecânica em que se acomodara o menino. Cantarolando, tirava-lhe o algodão da narina, substituindo-o por um instrumento que funcionava como um alicate às avessas: mantinha alargado o orifício, no qual introduzia o fino tição elétrico com que queimava as carnes esponjosas. O menino não sentia dor alguma, nem naquele momento de cheiro de assado, nem no seguinte, quando o médico cortava e extraía da outra narina, com uma pinça ou uma tesourinha de lâmina curta e haste longa, o que fora queimado na semana anterior.

O ruim vinha depois: a embrocação com iodo da garganta. Que se repetia, em casa, nas gripes e resfriados. E, como fosse pouco um sofrimento, o menino, se gripado, ia para a rede com um emplastro no peito ou nas costas, de linhaça ou de Antiflogistine. A compressa doía de quente e descamava a pele, que o menino, passados dois ou três dias, ia arrancar aos pedaços, distraído.

Doenças e tratamentos eram assunto de conversa, na calçada. Este garoto descrevia o consultório do dentista, com ferros e ferrinhos de todo tipo e um estranho aparelho, quase que só uma haste vertical, a que se ligavam uma roldana de um palmo de diâmetro e outras bem menores, pelas quais passava um cordão grosso. A primeira polia era acionada por um pedal semelhante ao das máquinas de costura, porém bem mais estreito. Os solavancos do pé do dentista imprimiam movimento àquelas rodas todas e acabavam por fazer girar velozmente a broca pequenina com que terminava um braço delgado e flexível que saía em ângulo da haste vertical. O dentista colocava essa broca na boca de um infeliz e lhe ia corroendo o dente aos sopapos, conforme a constância ou a inconstância das patadas.

Nenhum caso contado na coxia causou mais semanas de medo do que este: o do homem que sofria de prisão de ventre e, ao esforçar-se para defecar, vira a ponta da tripa sair-lhe para fora. Não sabendo devolver ao corpo o que este expelira, o pobre correra da casinha aos gritos, sem que os parentes, que o tiveram, nu da cintura para baixo, por enlouquecido, entendessem, de início, sua ferida e miséria. O menino passou a sentar-se na retrete, aflito, e a não forçar nunca mais a vontade.

Outra mazela apavorante chamava-se espinhela caída. Tinham-se por imensos os tormentos do enfermo — cansaço, dispneia, dores de cabeça, enjoos e vômitos —, mas não eram severos, embora quase sempre ineficazes, os tratamentos. O frio no peito podia ser controlado com cataplasmas de goma de mandioca. Melhora e cura, porém, só com boa reza. Benzia-se o doente com estas palavras, seguidas de um padre-nosso e dez ave-marias:

 

Espinhela caída e ventre derrubado,

Eu te ergo, eu te curo, eu te saro.

Em nome do Padre, do Filho e do Espírito Santo,

Já estás curado.