Isso deu-se pouco tempo depois da partida da Vozinha.
A Vozinha era a mãe ou a avó da avó do menino. Contadas as idades, a senhora pequenina, rosada e de cabelos muito brancos bem podia ser trisavó: o menino tinha quase sete e nascera três anos após o casamento da mãe, aos vinte, quando a avó andava pelos trinta e cinco, a bisavó pelos cinquenta, e a trisavó ainda não chegara aos setenta.
A Vozinha viera de Viçosa, consultar um médico. E manteve-se, durante toda a estada, ocupadíssima, a fazer biscoitos de araruta, no forno que se comprimia contra a quina do muro, no fundo do quintal. A mãe comprou lenha, para alimentá-lo. Punha-se fogo no interior da abóbada de barro e fechava-se a abertura que lhe servia de porta. Quando a madeira se desmanchava em cinza e brasa, a Vozinha, ajudada pela cozinheira ou por uma das amas, trazia dois ou três tabuleiros de folha de flandres e os colocava, um sobre o outro, no forno. Os biscoitos, alvíssimos, com lanhos fundos no dorso, eram de doçura extrema e pareciam inconsistentes na boca. Encheram todas as latas da casa, e as latas da casa da avó e das casas de tios, primos e amigos, que não chegavam para tanto açúcar e araruta.
A mãe nunca havia usado o forno. Este, após a partida da Vozinha, deve ter conservado um calor que atraiu a cascavel, enorme, com guizo de doze anéis e cabeça escamada, os olhos quase colados aos dentes em espinho. O mata-mosquito descobriu-a pelo chocalho, enrodilhada no mais escuro. De lá arrancou-a com uma forquilha, viva, e, viva, a pôs numa caixa, para que de seu veneno — explicou ao menino — se pudesse fabricar o soro antiofídico.
Mal o mata-mosquito saía porta afora, o dólmã de seu uniforme amarelo bem fechado ao pescoço, entravam os homens que a mãe chamara, para demolir o ninho de cobras.