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O menino não mais largou o pai. Pedia-lhe desenhos crescentemente complicados. Primeiro, a mulher a ordenhar a vaca; depois, a mesma cena, porém com o animal de cabeça voltada, a lamber o bezerro amarrado à perna dianteira; mais tarde, a repetição de toda a imagem, com o rabo da vaca a espantar as moscas.

O pai desenhava e ele também, a copiar-lhe o traço. E, quando o pai saía a passeio com o enfermeiro ou ia pôr alpiste e água nas gaiolas dos passarinhos, ele continuava a desenhar, na mesa da copa. Não havia como dar conta à febre do desenho. Comprava resmas de almaço e folhas de um papel de embrulho cinza, bem barato. Arrancava as guardas e as contraguardas dos livros. E enchia de rabiscos qualquer espaço em branco.

Desenhava como quem conta história. Ao esboçar um gato, dava movimento e destino às suas patas e às suas garras. Punha um homem sobre a cangalha de um burro e o imaginava a caminho da feira, da quermesse ou da morte violenta. Os enredos desenvolviam-se à medida que o risco compunha a mão na rédea ou calçava de espora o pé do estribo.

O tempo era curto para o sonho das mãos. Quando vinham pedir-lhe que desocupasse a mesa, pois havia que estender a toalha para o almoço ou o jantar, ele protestava, desejoso de mais um momentinho de nada, para concluir uma luta, um jogo, uma viagem. Pois os seus bonecos aprenderam a andar sobre o papel, a dar um soco aqui e a receber outro adiante, a cair e a levantar-se, nas lutas de boxe a que não faltavam juiz e público. As figurinhas repetiam-se para o lado, para cima e para baixo, em novas posições e aventuras. O pai dissera-lhe que o importante no desenho era animá-lo de vida, pois tudo se movia ou tinha prenhe o movimento, até mesmo o que era mineral ou, na aparência, inerte: a luz, que não parava nunca, roubava-lhes o sossego da forma e da cor.

O menino não rabiscava as paredes, nem feria o tronco das árvores. Era o papel o seu fascínio. E o bosquejo miúdo, breve, muitas vezes incompleto. O pai, em algumas ocasiões, interferia no desenho, a seu pedido. No esboço do elefante reclamado pela história, deixava, porém, o contorno das presas para o menino, que as riscava, rápido, agradecido e feliz.