O jeito era ficar em silêncio, quieto. Se a mãe soubesse que não passava bem, acudiria com remédios que não lhe dariam alívio e talvez lhe acentuassem o enjoo. Ainda pior seria ouvi-la, da copa, num queixume circular, repetir que ele era franzino, pálido, enfezado e doentio, nem parecendo ter sete anos, senão na teima e na resistência a tudo o que lhe poderia melhorar a saúde e o aspecto, como as gemadas, os ovos crus acompanhados de um bom copo de leite, os sucos de tomate, o óleo de bacalhau e os banhos de mar.
O menino estremecia ante a possibilidade de que aquela enxaqueca se multiplicasse em muitas, em dores de cabeça e angústias diárias, caso a mãe resolvesse voltar a mandá-lo à praia. O calor o maltratava tanto quanto a luz, que só queria filtrada pelas persianas, pelas copas das árvores e pelos telheiros, ou a serenizar-se nos crepúsculos.
De manhãzinha, o sol também era sem facas. E o menino, que ainda urinava dormindo, tinha pressa em descer da rede molhada e em escapar para o quintal, para longe das endechas com que a mãe saía do quarto a caminho do banho e do café.
Ela falava para si própria e para as criadas sobre a tristeza e a solidão em que a mantinha a doença do marido, sobre o tecer e o desmanchar de uma esperança diária de que ele retornasse de um desterro da memória, da inteligência e da vontade, sobre todos os pesos que caíram de súbito no regaço de uma jovem mimada, adolescente de coração e de projetos, e a condenaram a uma viuvez sem morte e com três crianças pequeninas, a ela, desamparada de outras habilidades que não fossem tocar piano, pintar, fazer flores artificiais e ler mal e mal o seu francês, a ela, que estudara em casa, porque o pai não a queria a misturar-se na escola, a ela, a quem o poeta com quem se casara, mais velho vinte anos e viúvo com três filhos adolescentes, poupava todo incômodo e qualquer desgosto, tendo deixado até mesmo de beber à tardinha com os amigos, porque isto a aborrecia.
Seguiam-se as reprimendas. A uma, recriminava a cozinha cheia de fuligem e o fogão engordurado. Àquela, um namorico surpreendido na esquina. A esta, a recusa em deixar-se alfabetizar. As reclamações subiam de tom e misturavam-se a maus presságios, a um reiterar de amarguras e a um lamento evocativo dos dias em que lhe chegavam rosas.
Muitas vezes, ainda na rede, o menino procurava fechar os ouvidos à arenga da mãe. Ele nem sempre lhe compreendia todas as frases e palavras. Mas a cor da voz arranhava-lhe o rosto da alma, negava-lhe o jardim, o mel, o girar dos cata-ventos e até mesmo o sussurrar da alegria. A mãe acordava a carpir, de luto. De luto insubmisso. De luto repetido cada véspera. E só com o caminhar do dia retomava o equilíbrio entre o dever e a tristeza. O seu olhar de novo fazia-se bom, e o menino se deitava no seu colo cheiroso.