A avó tinha outro irmão, juiz de direito em Cascavel. De sua chácara, a caminhonete trouxe para a mãe do menino dois grandes jacás cheios de galinhas. Abertos na porta do galinheiro, deles iam saindo as aves pretas, brancas, carijós, ruças, cinzentas e vermelhas, calçudas e de pescoço pelado, amalucadas de pressa e medo, umas a subir sobre as outras, o bater desajeitado das asas a confundir-se com o cacarejo e a rouquidão do grito, quando, sem aviso e espera, do atropelo daqueles corpos em bojo e de membros curtos, surgiu, príncipe, esbelto, leve, tranquilo, a cabeça, o pescoço e o peito de um azul luminoso a escurecer em violeta, a testa alvo-azulada, o bico vermelho e de ponta amarela, o dorso verde esmorecendo em ouro acastanhado, a cauda curta e branca, as compridíssimas pernas a terminarem em pés de dedos muito longos, que se abriam, como os aros de uma roda, no chão, mas se juntavam no intervalo aéreo do passo, o que alguém chamou de jaçanã.
Um dos que trouxeram os jacás corrigiu:
— É um frango-d’água-azul. A jaçanã tem as mesmas pernas, os mesmos pés, as mesmas unhas compridas e afiadas, mas é pobre e suja de cor.
A cozinheira veio e disse:
— Na minha terra, chama-se saracura. Saracura-da-canarana.
Ficou jaçanã, o nome de todos mais bonito, embora errado. E ninguém deu qualquer explicação sobre como um bicho de beira de açude e riacho, acostumado a nadar e a correr sobre a lama e as plantas aquáticas, fora dar em capoeira, e ser metido, por estabanada miopia, num balaio de galinhas.
Ninguém sabia de que se alimentava. Deram-lhe arroz. Comeu. E alpiste. Também. E foi comendo de quase tudo, até do que sobrava das panelas. Em poucos dias, cortadas com tesoura as penas da extremidade de uma das asas, a jaçanã acostumou-se ao quintal e ao jardim, onde a viam perseguir com avidez toda a sorte de insetos. E bicar a grama. E sacudir-se sob a água, quando se regavam as plantas.
Pertencia ao menino, como o Mimoso. Do pai eram os bicos-de-lacre, os sabiás, os canários, o alegrinho, os galos-da-campina, o corrupião, que vivia fora da gaiola e pousava no ombro das pessoas, o pássaro preto, o xexéu e o sanhaço. Da família, o cachorro Fly, o gato sem nome, o papagaio, a jandaia, os periquitos, as irerês, os saguis, o macaquinho-de-cheiro e todos os outros animais de querer bem.