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A rua, à noite, ficava livre para as crianças. Quase nunca passava um automóvel. Até mesmo de dia, os carros eram raros, a tal ponto de só uma ou outra vez obrigarem os meninos a interromper o futebol. Poucos, os veículos particulares eram conhecidos: dava-se o nome do dono a cada um. Daí o pasmo com o desaparecimento de um primo da avó do menino e de seu automóvel, que valia um dinheirão. Ele saíra de manhãzinha no volante do Ford, após beijar o filho e a mulher, que era também prima da avó do menino. Tudo no costume. Mas não chegara, naquele dia, a parte alguma.

Na hora do jantar — jantava-se cedo, entre cinco e meia e seis horas —, o alvoroço já era grande. Durante a tarde toda, correram recados aflitos pela cidade. Adultos, crianças, parentes, vizinhos e empregados buscavam sinais do moço sumido. Em vão. Ninguém o vira. E não havia notícia — o que era ainda mais estranho — de seu carro.

O tio-avô fora falar com um outro primo, o chefe de polícia. Este chegara a usar o telefone, que só havia em algumas repartições públicas, nas grandes empresas e em pouquíssimas residências e consultórios de médicos, para dar ordem de busca às cidades vizinhas. Nada. E nada, no dia seguinte. E nada, um mês e vários meses depois. A mulher do desaparecido acabou por enxugar as lágrimas e distendeu no bastidor a sua espera.

— Devia levar dinheiro com ele, e o mataram por isso — aventurava alguém.

— Mas, se o mataram, o que fizeram com o carro? Um carro não evapora na estrada,

Quase dez anos depois, a prima continuava o seu bordado e o menino não era mais menino. Um irmão dela, em campanha eleitoral no interior de um estado distante, atravessava a praça de uma cidadezinha próspera, quando topou com o cunhado. Como quem vê um morto de barba feita e com roupa distinta da que levou no caixão. O outro deu-lhe os bons-dias naturalmente, como se não tivesse havido entre este e o último encontro mais que um par de tardes. E convidou-o para um café.

Estava farto do casamento, ainda que este não contasse mais de três anos. E farto da prima, sua mulher. E farto de seu tempero, e da casa, e da rua, e do bairro, e da praça, e da cidade, e da parentela, e do trabalho, e do acordar e do dormir. Naquela manhã, enquanto se vestia, tomara a decisão: ir-se embora de vez. Não apenas fugir: desaparecer. De vez. Mudar de nome, em vez da roupa ou do corte de cabelo. Fazer-se sonho. Voltar-se em outro. Lembrou-se de um navio de carga que desatracaria dentro de horas. Foi até o pontão, na praia. Tomou um escaler que devolvia ao vapor sua tripulação. Pagou a viagem a um oficial de bordo. E saiu mar afora.

— Mas o automóvel, homem de Deus? Como lhe deu sumiço?

— Chovia, naquela manhã. Não sei se você se lembra que chovia. Mas chovia, e muito. Só pelo almoço é que o tempo clareou. Toda a gente estava em casa, de janelas trancadas, a esperar que a água serenasse. Saí com o carro e o joguei onde o rio deságua no oceano.