A casa da avó cobria toda a esquina e tinha muitas janelas. Duas coisas davam-lhe o ar de vastidão: a cor de que a pintaram — um castanho-escuro inclinado ao roxo — e a altura de seu porão habitável. Não era um sobrado, mas tinha o jeito de o ser, principalmente quando, aberta a porta da rua, o olhar subia a passo rápido a escada. De lado, o casarão estirava-se por mais que o dobro da frontaria, alongando-se no muro do quintal, com a cajazeira, os pés de murici e ciriguela, os mamoeiros e o cacarejar das galinhas.
O menino não se lembrava do percurso entre o navio e os dois grandes quartos onde agora vivia. A sofrer o calor, é certo, mas acompanhado de muita gente — hóspedes que eram mais do que hóspedes de sua avó: primas, primos, sobrinhos e sobrinhas dela e de cunhadas e cunhados, gente vinda do interior para estudar na capital ou que começava a ajustar-se aos empregos.
A avó pretendera ter um negócio de viúva, uma pensão, mas acabara a serviço da parentela extensíssima. Cada mês chegava de Sobral, de Granja, de Camocim, de Viçosa, de Massapê e de outros pontos da praia ou do sertão um novo candidato a seu canto de rede e ao café da manhã, almoço, lanche, janta e ceia, pagando nada ou menos do que o estranho que, para abrir a vaga, se despedia. De pequeno hotel sem requinte, o casarão transformou-se em pensionato de estudantes ligados por laços de família, tendo a avó que se debruçar sobre as doenças de cada um deles, de ouvir seus namoros, de cuidar das horas em que chegavam à noite e de tirar-lhes das mãos o copo, o baralho e o cigarro.
A avó era jovem. Casara antes dos treze anos — dizia que substituíra a boneca de louça pela primeira filha — e soube da morte do marido quando ainda não começava a pensar nos quarenta. Estava longe de casa, no Rio de Janeiro, a envolver em amparo a filha, que a chamara, e o genro em crise. Mal recebeu o aviso de sua inesperada viuvez, embarcou para Manaus, onde desceu do vapor em desamparo e repentina pobreza. O cofre, no banco, estava vazio: dinheiro, ações, títulos e joias haviam mudado de guarda e posse. O marido tinha mais duas mulheres — uma, na cidade, e outra, numa fazenda de gado, nos campos do Rio Branco — e estas, com cumplicidades mais próximas, tomaram quase tudo do que julgavam um patrimônio comum.
A avó mandou talhar no mármore o sepulcro do marido. Vendeu os móveis e o que de preço ainda restava na casa, juntou as sobras de uma vida a que a balata e a borracha haviam dado conforto e ilusão de riqueza, e foi-se do Amazonas para o Ceará. De volta à sua terra, passou a uma cunhada uns currais e pastos que tinha para os lados de Sobral, com os bois, jumentos, carneiros e cavalos que abrigavam. Era a pequena herança que escapara, por distante, ao descuido e ao saque. Sem saber, na sua angústia, o que fazer com eles, abandonara ao deus-dará os seringais do marido. Sobre a regada do Rio Branco, de capim gordo e alto, quase pampa, a amásia que lá morava exibiu títulos que lhe garantiram essa parte do espólio. E lá ficou. E dela nunca mais houve notícia.
O dinheiro apurado pela avó foi posto para render. Mas talvez os juros não dessem para pagar a modéstia que ela queria disfarçada, a fim de que não se afetasse o destino de duas filhas solteiras. Viu o casarão desocupado e não hesitou em alugá-lo, para nele receber hóspedes. Vestida de negro, com o molho de chaves à cintura, passou a vigiar compras e gastos, a distribuir tarefas entre as empregadas, a cobrar contas, a afligir-se com as aflições alheias. Silenciou a primeira alegria, como provara em silêncio a humilhação e a amargura: uma carta da filha casada, com o nome de um navio e o anúncio da viagem, decidida também a ir viver em Fortaleza.