Quando o tio chegou à casa com a notícia de que os alemães haviam invadido a União Soviética, o menino estava na rua, debaixo de um pé de tamarindo, baladeira na mão, fingindo uma caça aos beija-flores.
Havia sempre deles em torno da grande árvore, de copa muito aberta. Dos pequeninos, tão pequeninos que eram um nisco maiores que um moscardo. E dos que alcançavam o tamanho de um bico-de-lacre. O mais comum tinha o peito branco, as asas verdes e a cabeça e a cauda azuis, e o mais raro, a plumagem negra ou cinza-escura a arder em vermelho. Em esmeralda e vermelho. O que voava, agora, quase ao seu alcance, para a frente e para trás, para cima e para baixo, e parecia parar com asas invisíveis de tão velozes, era acobreado. E o outro, mais adiante, furta-cor, arco-irisado. Ou de papo de fogo. Ou verde e anil, com um colar amarelo.
O menino os perseguia com os olhos e simulava apontar contra eles a forquilha e esticar o elástico. Ainda que tentasse de verdade atingi-los, dificilmente o conseguiria: o voo das avezinhas, alvo já de si minúsculo, era rápido e desconcertante como um remoinho. Força era, porém, que teimasse em parecer que queria derrubá-las com a atiradeira, ou dele diriam os primos e os vizinhos que lá estava o maricas a olhar colibris.
Já bastava ter ele chegado a Sobral sem saber montar a cavalo. Uma ou outra vez, havia subido num jerico, mas este estava sob o peso de barris de água ou de jacás de frutas, e mal andava. Os primos, de início, mangaram dele, mas logo se dispuseram a lhe dar lições. Se havia um asno manso a prestar serviço à casa, lá o colocavam sobre a cangalha, com ordem de segurar firme no cabo que dela saía e na corda do cabresto. Tocavam o animal devagarinho. Um dia, sentindo que o menino ganhara confiança, açoitaram o jegue, que se largou num chouto. O menino manteve-se firme nas cangalhas, ainda que o trote miúdo e aos sopapos parecesse que ia, de um momento a outro, pô-lo abaixo.
Do jumento, passou ao cavalo. O genro do tio vinha sempre vê-lo num manga-larga lustroso, castanho-escuro e calçado de branco. O menino aprendeu rápido a diferença entre montar em sela de couro macio, com estribos que se regulavam à altura das pernas, e escanchar numa armação de madeira e palha. O marido da prima, às vezes, o convidava para um passeio. Punha-se a jeito na garupa e, com as mãos a segurar as ilhargas do cavaleiro, banhava-se na alegria do galope.
Não se passou muito e sabia como se colocavam num animal o cabeção e os freios, a manta ou a esteira, a sela ou a cangalha. Não tinha dificuldade em montar sozinho num jerico, mas, para alçar as pernas num cavalo, precisava trazê-lo até junto à calçada. Uma tarde, o tio lhe trouxe de presente um par de esporas.