Alguns dias após o regresso de Sobral, a mãe deu-lhe a beber um vermífugo. O remédio era inglês e de gosto adocicado e horrível, que o menino, adulto, associaria ao uísque. Na rede, ele sentiu a enxaqueca ir alinhavando, pouco a pouco, o enjoo e as cólicas ao sabor do chá, da maçã ralada e da banana cozida e às palavras que a mãe dizia, na copa, sobre as lombrigas e outros vermes que o menino com certeza adquirira ao rolar com os primos no chão, ao andar de sandália aberta nas estrumeiras, ao passar grande parte do tempo com as mãos na terra. Ela ainda falava, ao sair porta afora, e falava, na volta, sobre o mesmo tema e sobre o alívio que lhe dava ser o filho avesso a andar descalço, pois era pela planta dos pés que entravam geralmente os ascárides no organismo, e continuava a falar, quando entrou no quarto, com vários embrulhos, e pôs sobre o peito do menino uma revista fina, de capa colorida e em papel de jornal.
Todas as páginas de Mirim estavam ocupadas por histórias em quadrinhos. Por histórias muito diferentes das de O Tico-Tico. Até mesmo naquelas, como a de Tereré na corte do rei Artur e a de Aninha, a pequena órfã, em que as personagens se alegravam em caricatura, havia um movimento que imitava a realidade ou que tornava realidade o que era imitação do passado ou previsão do futuro. Os desenhos de O Tico-Tico eram inteligentes e engraçados. Os do Mirim (e os do Suplemento Juvenil, do Gibi e de O Globo Juvenil) tinham vida: o menino sentia-se como que desenhado, com seu macacão e sapatos sem meias — ele não gostava de meias —, no meio das dezenas de cavaleiros e pajens que acompanhavam, a cavalo e a pé, de cabeça descoberta ou com capacetes inteiramente distintos uns dos outros, e com roupas de tecidos e cortes desiguais, cada cinto com sua fivela e cada espada com sua empunhadura, o Príncipe Valente a entrar na metade de uma página inteira da revista, com estandartes, trombetas e tambores. Lá ia o menino acompanhando Tim e Tom na África Oriental; subindo ao espaço com Buck Rogers, numa nave interplanetária inventada com todas as minúcias; e pilotando, como Jack do Espaço, um avião cujo painel de instrumentos era rigorosamente reproduzido nos desenhos. De um quadrinho a outro, podia-se sentir o tempo e refazer, na estreita faixa branca que os separava, o gesto do mocinho: a corrida para o cavalo, o salto completo da janela, o impulso do soco que atingiria o bandido.
Desde o dia do purgante, o menino não mais largou as histórias em quadrinhos. As suas prediletas eram as aventuras alegremente irônicas de Li’l Abner e as perversamente mordazes de Dick Tracy. Para ele, um único herói se amesquinhava nos desenhos: Tarzan. Faltava amplidão à selva, e os grandes animais não logravam correr no espaço exíguo dos quadrinhos, cujos limites não se abriam para o expandir das árvores mais altas, para o voo dos flamingos e para os saltos do homem-macaco, de cipó em cipó, a percorrer a floresta. A história desenhada não conseguia receber das obras de Edgar Rice Burroughs, que a mãe ia comprando uma após outra, a luminosidade do mistério do jângal, o encantamento das linguagens em que se entendiam Tarzan e os animais, a emoção com que se viravam as páginas até o final de cada livro. O sentimento de que a selva se alongava para sempre e, contudo, o herói a conhecia como dono, como se ela pudesse caber nas suas mãos, o menino só reencontraria no cinema, no Tarzan que mergulhava do alto de uma escarpa, para atravessar o rio com as braçadas de Johnny Weissmüller.