Poe ficou hirto. O bronzeado de verão desapareceu do seu rosto. O suor despontou na sua nuca. A sala de reuniões B estava mergulhada em silêncio.
— Impossível — sussurrou Poe. O ribombar do sangue nos seus ouvidos era ensurdecedor. Mal conseguia ouvir o som da sua voz.
Não podia ser verdade. Elizabeth Keaton estava morta. Tinha sido morta por Jared Keaton. Sabia disso no mais íntimo do seu ser. Só podia ser uma brincadeira. Mas… Gamble não o teria chamado de volta a Cúmbria sem mais nem menos.
O que estariam a esconder-lhe?
— Contem-me o que sabem — pediu.
— O inquérito foi mal conduzido desde o início, inspetor Poe — disse Rigg. — Não havia um corpo, não havia forma de o Keaton se ter desfeito do corpo e tão-pouco havia um móbil. Mas, em vez de fazer o que devia ter feito, que era procurar uma rapariga raptada, ficou obcecado com a primeira solução que lhe apareceu à frente. — Com isto, esticou o dedo na direção de Poe. — Só porque não gostava dele.
Poe olhou fixamente para o agente alto. Os olhos de Rigg expeliam raiva.
Rigg folheou o processo e retirou uma fotografia. Fê-la deslizar na mesa. Era a foto de uma jovem numa sala de interrogatório. Provavelmente, a impressão das imagens de videovigilância.
Poe limpou os óculos na fralda da camisa e colocou-os no nariz. Observou a mulher na fotografia. Sentiu os ácidos gástricos às voltas no estômago. A idade parecia bater certo. Elizabeth Keaton tinha 18 anos quando foi assassinada, e a rapariga da fotografia teria uns 25. E, apesar de estar muito magra e desgrenhada, o seu aspeto parecia ser o que Elizabeth Keaton teria se tivesse vivido mais seis anos.
— A Elizabeth Keaton foi raptada por um homem que entrou pela porta de serviço da cozinha — disse Rigg. — Julga que pode ter sido um cliente que se escondeu na casa de banho dos deficientes até ela ter ficado sozinha no restaurante. — Poe não conseguia tirar os olhos da fotografia. — Acertou numa coisa: houve de facto uma luta violenta na cozinha. O homem, de quem ao fim de seis anos temos finalmente uma descrição, amarrou-a antes de lhe cortar uma das suas veias principais com uma faca. A Elizabeth disse-nos que ele encheu uma frigideira com o seu sangue e que depois o espalhou por toda a parte. A cozinha mais parecia um matadouro. E depois limpou tudo.
— Mas… porquê?
— Porquê? Também quero perguntar-lhe isso. Presumimos que ele montou o cenário para que você… perdão, o inquérito se concentrasse na pista errada. Procurar um corpo é totalmente diferente de procurar uma pessoa. A estratégia junto da comunicação social é diferente, o apoio técnico é diferente, os peritos convocados são diferentes. Enquanto estava ocupado a culpar o Jared Keaton, a Elizabeth Keaton era violada numa cave.
Poe estremeceu. Se aquilo fosse verdade, ele seria responsável por um erro catastrófico. Um erro do qual sabia que nunca iria recuperar.
— Diga-me como determinou a correspondência entre o sangue encontrado na cozinha e o da Elizabeth Keaton — exigiu saber Rigg.
— Recolhemos uma amostra e traçámos um perfil de ADN. Em seguida, recolhemos mais amostras de uma série de fontes para confirmar que o sangue era da Elizabeth. Usámos cabelos encontrados no quarto dela e na farda. Recolhemos amostras de saliva da sua escova de dentes e de uma lata de Coca-Cola que encontrámos no caixote do lixo. Todas as correspondências eram perfeitas. O sangue que estava na cozinha pertencia à Elizabeth Keaton. Sem a menor dúvida.
— Tem a certeza?
— Absoluta.
— A médica-legista foi chamada quando a levámos para Penrith, inspetor Poe — disse Rigg. — A Elizabeth não permitia que ninguém lhe tocasse… E quem a poderia recriminar por isso?… Mas precisávamos de saber se ela necessitava de cuidados médicos imediatos. Demorámos algum tempo, mas a Elizabeth aceitou finalmente que a Dra. Jakeman recolhesse uma amostra de sangue.
Poe manteve-se em silêncio. Os médicos forenses eram técnicos qualificados com formação em patologia forense. Devido à extensão territorial e à baixa densidade populacional, em Cúmbria havia sido instituído um sistema de médicos de plantão, e não de médicos em permanência no local.
— Tenho a certeza de que quererá ver as imagens, mas a cadeia de custódia foi irrepreensível. A Dra. Jakeman recolheu quatro amostras. Gravámos a agulha a penetrar na pele, e os tubos Vacutainer foram imediatamente selados em sacos de provas. Enviámos uma amostra para o nosso laboratório.
Poe sabia o que Rigg estava prestes a dizer, mas mesmo assim fez a pergunta.
— E?
— E obtivemos uma correspondência, Poe. Não há dúvida de que a mulher da fotografia é a Elizabeth Keaton. Há seis anos, o inspetor mandou um homem inocente para a prisão.