Capítulo 15

A caminho de Cúmbria, Poe ligou a Gamble e disse-lhe que Doyle aceitara dar prioridade a mais um teste de ADN.

— Pode estar em Carleton Hall às 15 horas? — perguntou Gamble. — Marquei uma reunião de estratégia. Assim terá oportunidade de conhecer a equipa toda.

Poe consultou o relógio. Passava pouco do meio-dia. Precisava de comer e dispensava a comida do refeitório. Felizmente, a A69, uma das principais artérias que cruzavam o país na direção este-oeste tinha muitos sítios onde ele podia parar para comer qualquer coisa. Hexham tinha um bom restaurante de fritos, e apetecia-lhe uma salsicha panada empurrada por uma Sprite bem fresquinha.

— Lá estarei.

 

A pré-reunião — aquela em que os polícias espalham rumores até que um agente graduado os mande calar — estava no auge quando Poe entrou na sala de reuniões A. Ninguém lhe prestou atenção. Com aquele fato, podia ser qualquer pessoa.

Aproximou-se da máquina de café e serviu-se de uma chávena. Levou-a para a mesa de reuniões e sentou-se ao lado de uma mulher que não conhecia. Ela sorriu educadamente e, em seguida, virou-se para a pessoa com quem estava a falar.

— Vejam — gritou alguém —, temos cá a Agência Nacional do Caos.

A sala ficou rapidamente em silêncio. Todos olharam para Poe enquanto este bebia um gole de café. Ele pousou calmamente a chávena em cima do pires e olhou fixamente para a pessoa que gritara. Era um homem atarracado com olhos encovados e braços gordos.

Rigg estava sentado ao seu lado. O agente alto teve a decência de parecer constrangido.

— Mas que raio está aqui a fazer, Poe? — perguntou o homem atarracado. — Pensei que tinha sido escorraçado daqui.

Poe pegou na sua chávena e bebeu lentamente o café até ao fim. Quando terminou, disse:

— E quem é você?

— Responda à merda da pergunta, Poe! Isto é um assunto de Cúmbria. O que faz você na minha sala de reuniões?

— Na sua sala de reuniões, inspetor Wardle? — disse Gamble. Entrara na sala sem que o homem atarracado desse por isso. — Não que seja da sua conta, mas o inspetor Poe está aqui a meu convite.

— Posso perguntar porquê, senhor superintendente? — O tom de voz de Wardle era monocórdico e indignado.

— Não.

A cara pálida de Wardle ruborizou.

Gamble virou-se para Poe.

— Aqui o Wardle é um dos nossos inspetores que teve promoção direta, inspetor Poe. Por vezes, esquece-se de que há quem faça por merecer o cargo que ocupa.

Wardle esboçou um esgar. Obviamente, preferia que os colegas pensassem que era inspetor por mérito, e não por ter sido promovido diretamente sem nunca ter servido como polícia fardado. Eram conhecidos por estarem mal preparados; Poe nunca conhecera um que fosse competente. Ao referir aquilo em público, Gamble estava a avisar Poe para ter cuidado.

— Aperte a mão do inspetor Poe, inspetor Wardle — disse Gamble. O seu tom de voz não dava abertura a contestações.

Wardle estendeu a mão de forma relutante a Poe. Este apertou-a por breves instantes. Estava pegajosa como um peixe. À vista de todos, limpou a mão às calças.

— Excelente — concluiu Gamble. — Parece que vamos todos dar-nos lindamente. Passemos ao que interessa. Como era expectável, os advogados do Jared Keaton encaminharam o caso para a Criminal Cases Review Commission.

Poe sentiu um nó no estômago. A CCRC, o organismo independente com poderes para investigar casos suspeitos de erro judicial, não tinha legitimidade para reverter sentenças, mas, se encaminhasse o caso para o Tribunal da Relação, este era legalmente obrigado a reabrir o processo.

— Não é possível — disse Rigg. — A CCRC só pode aceitar casos que perderam o recurso. O Keaton ainda não interpôs recurso.

— É possível, se eles alegarem circunstâncias excecionais — esclareceu Poe.

Gamble assentiu.

— E foi precisamente isso que fizeram. O pedido alega que se justificam as circunstâncias excecionais, tendo em conta que foi cabalmente provado que a vítima do crime está viva. Estive ao telefone com o membro da CCRC responsável pelo caso, que me disse que o pedido foi aceite. Vão abrir o seu próprio inquérito, mas não vejo outro resultado possível que não o envio imediato para o Tribunal da Relação. — Poe concordou. A CCRC não tinha alternativa. — Do modo como as coisas estão, o Ministério Público não apresentará quaisquer provas na audiência de recurso. — Gamble fez uma pausa para que todos pudessem digerir o que ele acabara de dizer. Por momentos, o seu olhar deteve-se em Poe. — O responsável da CCRC disse que estão a processar o pedido do Keaton como urgente, e podemos contar com uma decisão dentro de duas semanas. Se o Ministério Público não levantar objeções, o Tribunal da Relação pode decidir na semana seguinte. — Rigg e Poe trocaram olhares. Rigg acenou ligeiramente. Poe devolveu o gesto. — E, pronto, minhas senhoras e meus senhores — concluiu Gamble. — Daqui a três semanas, o Jared Keaton estará de novo cá fora.