O resto da refeição passou num ápice. Poe nem sequer resmungou quando recebeu a conta. Noutra situação, se lhe tivessem cobrado quase 400 libras por um almoço, teria ficado furioso. Ao invés, pagou sem sequer tecer comentários.
O seu vizinho mais próximo fornecera carne ao restaurante que ele estava a investigar. Apesar de Thomas estar morto, a sua filha Victoria não estava. E já por duas vezes tinha sido evasiva com ele. Quando ele lhe telefonara e quando fora buscar Edgar. Lembrava-se do tom da sua voz quando lhe dissera que só ia buscar o cão. Ela parecera-lhe… aliviada. Estaria envolvida naquele caso? Não sabia ao certo, mas alguma coisa se passava. Algo que ele tinha de esclarecer.
Não demoraram muito a chegar a Shap Wells, mas já eram quase 18 horas quando montaram a moto-quatro e se dirigiram para Herdwick Croft. Edgar fez o caminho a correr ao lado deles. Poe precisava de uma solução alternativa para Edgar; hoje fora uma exceção.
Poe colocou a cafeteira em cima do bico do fogão e preparou um café forte. Pôs uma saqueta de chá de ervas numa caneca e cobriu-a com água a ferver. Enquanto esperava que o chá infundisse, Bradshaw tratou da videoconferência.
Às 19 horas em ponto, o ecrã do portátil ganhou vida e uma Flynn ainda com um aspeto cansado surgiu diante de si.
— O diretor Van Zyl vai juntar-se a nós. Neste momento, está numa chamada com a chefe da polícia de Cúmbria.
— Ah, sim? — admirou-se Poe. — Sabes do que se trata?
Flynn encolheu os ombros.
— Sinceramente, não. Acho que nem ele sabia qual era o motivo da chamada. Perguntou se podia juntar-se a esta reunião assim que terminasse a chamada.
— O Poe comeu testículos! — gritou Bradshaw, de repente. Era óbvio que estava mortinha por partilhar o episódio.
— Não me digas…
— Digo, sim, inspetora-chefe Flynn. Até lambeu o prato e tudo. E depois eu ri-me e o Poe reclamou com o empregado porque queria ver a ementa.
Flynn tapou a boca e tentou conter um sorriso. Era a primeira vez em semanas que ele lhe via um sorriso genuíno. Estava visto que ele teve de se sacrificar pela equipa.
— Pediste esta reunião, Poe — disse Flynn. — O que tens para mim?
Poe contou-lhe o que se passara no Bullace & Sloe, que Crawford Bunney lhe entregara um recado às escondidas com o nome de Jefferson Black e que Bradshaw não encontrara a sua morada nas bases de dados disponíveis. Flynn tomou nota e disse que ia indagar.
Disse-lhe que Thomas Hume fornecia carne de borrego e cordeiro ao Bullace & Sloe, e que a sua filha, Victoria, agira de forma suspeita.
— O que sabes sobre eles? — perguntou ela.
Poe não respondeu de imediato. O que sabia ele sobre Thomas Hume? Na verdade, quase nada. Nem sequer sabia que ele tinha filhos. No dia em que conhecera Hume, o homem vendera-lhe Herdwick Croft. Informara-o de que as autoridades locais queriam cobrar uma contribuição autárquica por um edifício no meio do nada. Poe ainda não recebera o documento para pagar, mas sabia que era uma questão de tempo — eles haviam de regularizar a situação.
— Pouca coisa — admitiu.
— Vou averiguar — disse ela. — Mais alguma coisa?
Poe estava prestes a dizer que não, mas lembrou-se de que o acidente de viação que havia vitimado a mulher de Keaton ocorrera numa ocasião conveniente. Não só permitira ao Bullace & Sloe manter uma estrela, como abrira o caminho para a conquista da terceira. Pediu-lhe se podia aceder ao auto do acidente.
— Só isso?
— Para já, sim.
— E o esfaqueamento, Poe? — perguntou Bradshaw.
Raios! Com a história de procurar a morada de Jefferson Black e a ligação a Hume, esquecera-se completamente do motivo principal da videoconferência. Relatou a Flynn que Bunney alegara que Keaton havia sido esfaqueado, mas que o incidente não afetara o seu bom humor.
— Tenho um contacto no Ministério da Justiça — respondeu ela, enquanto tomava nota. — Vou pedir-lhe para averiguar.
A porta atrás de Flynn abriu-se e a figura descomunal de Edward van Zyl, o diretor dos Serviços de Informações da National Crime Agency, preencheu o espaço ao lado dela. A sua expressão era tão soturna como um diagnóstico de cancro.
— Temos um problema, Poe — anunciou de imediato.
Porque é que isso não me surpreende?, pensou ele. É a banda sonora da minha vida…