Poe estivera a observá-los com a sua visão periférica. Faziam parte de um grupo que estava amontoado a um canto. Se tivesse de adivinhar, diria que eram recetadores e que ele estava a estragar-lhes o negócio. Os dois homens haviam-se afastado do grupo e estavam agora encostados ao balcão a emborcar shots. Poe conseguia perceber que tinham sido pressionados pelo grupo para pôr em prática o que haviam decidido em conjunto, e estavam agora a reunir coragem líquida.
Depois do que pareceu uma eternidade, estavam prontos para recuperar o seu bar.
Aproximaram-se, cheios de uma bazófia pouco convincente, ambos muito nervosos e a desejarem estar em qualquer outro sítio menos ali. Um era gordo; o outro, magro. Ambos usavam t-shirts de manga à cava, calças de fato de treino cinzentas e ténis que pareciam sapatos. Não era um visual muito atrativo, mas, vá-se lá saber porquê, os indigentes de Carlisle haviam-no adotado plenamente. O Gordalhufo tinha uma tatuagem no pescoço; o Lingrinhas tinha uma nas costas da mão.
— O que têm as duas galinhas estado a cacarejar? — perguntou Black, sem levantar os olhos.
O Gordalhufo olhou nervosamente para o Lingrinhas em busca de apoio. Este acenou com a cabeça em jeito de incentivo.
— Nenhum filho da puta vem para aqui falar com a bófia, Black — disse o Gordalhufo. De certa forma, o impacto das suas palavras foi atenuado pelo tremor audível na sua voz.
Poe suspirou. Já não tinha idade para considerar a fuga como uma opção. Deslocou-se o suficiente para proteger Bradshaw. Se a coisa descambasse, arrastá-la-ia dali para fora e voltaria o mais depressa possível para ajudar Black.
Black pousou lentamente a sua caneca de cerveja, tirou um cigarro do maço e acendeu-o. Atirou o fumo para a cara do Gordalhufo, mas não disse uma palavra.
À exceção do zumbido das moscas, o Dog estava em silêncio. Todos aguardavam com expetativa o desenlace daquele confronto.
Black olhou fixamente para os dois homens. Estava calmo. Assustadoramente calmo.
O Gordalhufo e o Lingrinhas começavam a perder rapidamente a confiança. O Lingrinhas ainda não abrira a boca, mas a sua maçã de Adão movimentava-se como uma boia de pesca. Os olhos do Gordalhufo alternavam a um ritmo alucinante entre Black e o grupo que o pressionara a fazer aquilo, cujos membros pareciam ter um interesse redobrado nas suas bebidas.
Poe acreditava que, se tivessem virado costas naquela altura, Black não os seguiria. Mas eles não viraram costas. Eram demasiado estúpidos para o fazer.
O Gordalhufo selou o seu destino.
Num sotaque demasiado cerrado e gutural — que Poe sabia que Bradshaw não perceberia —, o Gordalhufo disse:
— E quem é esta puta caixa de óculos? Bófia não é de certeza.
Foi nessa altura que Black decidiu que estava farto; tomou a iniciativa e fez aquilo que aprendera na formação que custara dezenas de milhares de libras ao Regimento de Paraquedistas: levou a violência até junto do inimigo.
O que aconteceu a seguir não poderia ser considerado um combate: um combate implica mais de um participante. Nem sequer poderia ser considerado uma refrega, visto que esta implica confusão e caos.
Aquilo com que os clientes do Dog foram brindados foi uma amostra do que Anthony Burgess apelidara de «ultraviolência».
Black não os ameaçou e não lhes deu qualquer aviso. Lançou-se da cadeira contra eles e atacou. O Lingrinhas, porque estava mais perto, sofreu o primeiro golpe. Black agarrou-o pelos cabelos e enfiou-lhe o cigarro aceso no olho. Antes de o Lingrinhas ter hipótese de gritar, Black empurrou-lhe a cabeça para baixo na direção do seu joelho, que subia a grande velocidade. Ouviu-se um som nauseante de algo a partir. O Lingrinhas gorgolejou uma vez e depois ficou em silêncio. Caiu ao chão, inconsciente.
O Gordalhufo tentou fugir, mas era tão rápido como um caracol. Black passou-lhe uma rasteira e o homem caiu redondo na alcatifa imunda. Tentou levantar-se, mas Black manteve-o no chão com um pontapé certeiro nas costelas carnudas. Enquanto se contorcia de dores, Black pôs-se entre as pernas dele e pisou-lhe as virilhas. Poe estremeceu. Então, Black debruçou-se sobre o homem em lágrimas, levantou-o pela t-shirt de manga à cava e golpeou-lhe a cana do nariz com a testa. Dois jorros de sangue foram projetados das suas narinas. Black deixou-o cair no chão; tinha a cara feita num bolo.
Foi brutal e chocante. Terminou em segundos. Mesmo se quisesse ter intervindo, Poe não teria tido tempo para o fazer.
O Dog, cuja clientela ainda há menos de meia hora desatara a rir quando um cão mordera uma mulher, permanecia agora em silêncio. Rostos pálidos estavam fixos nas respetivas mesas.
Black deitou o Gordalhufo e o Lingrinhas de lado e sentou-se como se nada se tivesse passado. Acendeu mais um cigarro.
— Peço desculpa por isto — disse. — Onde é que eu ia mesmo?