Capítulo 46

Flynn e Bradshaw encontravam-se na sala verde — uma zona mais confortável do bar com cadeiras altas forradas a cabedal verde-escuro. O bar nunca tinha muita gente, por isso costumava estar calmo. Bradshaw não gostava de usar aquela sala porque o wi-fi não funcionava muito bem. Estavam a ver um vídeo, e Poe percebeu que não era uma transmissão em direto — havia uma pen na entrada lateral do portátil de Bradshaw. Provavelmente, pertenceria a Flynn.

Ambas ergueram os olhos. Flynn levantou-se e sorriu.

— Poe…

Ainda tinha um ar cansado, mas o seu humor parecia ter melhorado. Como nenhum dos dois era muito dado a afetos, Poe ficou tão surpreendido quando ela lhe deu um abraço rápido que manteve os braços estendidos.

— Idiota — disse-lhe ela, enquanto lhe dava um murro no braço.

— Já te sentes melhor? — Ela anuiu, mas não adiantou pormenores. — Obrigado por trazeres o meu carro.

Flynn atirou-lhe as chaves.

— Fazia tenção de vir mais cedo, mas… tinha assuntos a tratar em Hampshire. Uma questão urgente. Entretanto, a Tilly já me pôs a par de tudo.

A relação entre eles não era meramente hierárquica — Poe e Flynn eram amigos. Por isso, Poe fazia questão de tentar perceber o que se passava para ela andar tão tristonha. Conheciam-se há muito tempo, e Poe sabia que ela não sucumbia facilmente ao stress.

No entanto, primeiro, tinha de ver o que ela trouxera. Acenou com a cabeça em direção ao portátil.

— Descobriram alguma coisa?

— Na verdade, não — admitiu ela. — Analisei os registos prisionais do período temporal que o Crawford Bunney te deu, e não há motivo aparente para o Keaton ter ficado tão animado.

Poe inclinou-se para observar o monitor por instantes.

— E o que é isto?

Percebeu que as imagens em pausa provinham de uma câmara de videovigilância da prisão; imagens nítidas e a cores. Partiu do princípio de que se tratava de um período de confraternização, visto que metade dos reclusos estava fora das celas. Dois reclusos jogavam snooker. Os outros estavam a conversar e a fumar.

— Lembras-te do motim que houve em Pentonville há uns anos? — perguntou Flynn.

Poe lembrava-se vagamente. Fora notícia a nível nacional, pois, como os reclusos haviam conseguido chegar ao telhado, os telespetadores puderam ver imagens em direto dos acontecimentos. Tinha sido um evento mediático durante algumas horas. Por fim, fora formada uma unidade «Tornado» com elementos da região — guardas prisionais treinados munidos de equipamento especial — e a prisão fora controlada no espaço de uma hora.

— Na altura, o Keaton estava nesta ala — disse Flynn. — O motim ocorreu noutra zona da prisão, mas… — Ela inclinou-se por cima de Bradshaw e pressionou o play. — Atenta no que se passa aqui.

Poe olhou fixamente para o ecrã. A câmara captava uma panorâmica da ala. Todos os reclusos eram visíveis no plano, mas nenhum suficientemente perto para ser identificado. Mas não era isso que ela lhe queria mostrar.

Não havia som, por isso Poe só podia imaginar o que acontecera a seguir. Simultaneamente, todos os reclusos olharam na mesma direção. Seguira-se um período de alguma confusão. Alguns reclusos pareciam agitados, outros entusiasmados. A maioria regressara às respetivas celas. Alguns deixaram-se ficar onde estavam.

— Foi ativado o sinal para regressarem às celas — explicou Flynn. — Como ocorreu durante o tempo de lazer, os reclusos mais experientes sabiam que se passava alguma coisa.

Poe viu os guardas prisionais a acorrerem à ala e a obrigarem os desgarrados a entrar nas celas. Pouco depois, a ala ficou controlada e os guardas retiraram-se, supostamente para se dirigirem ao local do motim. Poe franziu o sobrolho. Não percebia como é que um motim ocorrido noutra parte da prisão podia ter qualquer relevância.

Flynn reparou no seu ar confuso. Encolheu os ombros.

— Pediste para averiguar anomalias. Aí tens. Essa foi a única.

— E onde estava o Keaton enquanto isto decorria?

Bradshaw fez a sua magia. Focou a imagem até conseguirem ver Keaton. Estava sozinho. Mesmo através das imagens de videovigilância da prisão, Poe percebia que ele estava de rastos. A sua cabeça pendia como uma flor murcha. Quando foi emitido o aviso para regressarem às celas, ele parecia integrar um grupo de reclusos que se mostravam assustados. Olhava freneticamente em volta. Tentou caminhar na direção do que seria a sua cela, mas uma vaga de reclusos empurrou-o contra a parede. Quando se viu livre deles, já os guardas prisionais tinham entrado na ala, e ele foi empurrado para dentro da cela mais próxima.

— Quem estava naquela cela, Tilly?

Bradshaw focou a identificação por cima da porta: B2 — 42. Pesquisou o número numa lista à qual acedeu.

— É uma cela individual que foi atribuída a um tal Richard Bloxwich, Poe. O Jared Keaton estava na B2 — 14, uma cela partilhada.

— Sabemos alguma coisa desse Bloxwich?

Ela abanou a cabeça, mas os dedos já descreviam movimentos acelerados por cima do teclado. Franziu o sobrolho.

— Estranho… Não há nada sobre ele na comunicação social.

— Restrições de divulgação?

Ela respondeu com um gesto a meio caminho entre o aceno e o encolher de ombros.

— Talvez. Mas podemos aceder aos registos prisionais dele.

Bradshaw imprimiu um documento, que entregou a Poe. Era a folha de resumo. Poe passou-o a Flynn sem olhar para ele. Agora que ela estava presente, já não era ele quem estava ao comando. Ela leu em voz alta.

— Richard Bloxwich. Condenado a sete anos de prisão por fraude contabilística.

— Isso quer dizer o quê? — perguntou Poe. — É um contabilista corrupto?

Flynn olhou por cima do ombro dele. Sem mais explicações, enfiou o papel no bolso de trás das calças.

— Desliga o computador, Tilly.

Bradshaw pressionou uma tecla e o ecrã ficou negro.

Poe virou-se.

Um grupo de polícias fardados e à paisana ocupava a receção do hotel. Um deles olhou para a sala verde e gritou:

— Encontrei-os, senhor inspetor-chefe.

Wardle avançou de modo resoluto para o interior da sala. Ergueu uma folha de papel no ar como se fosse a tocha olímpica.

— Washington Poe — afirmou, com um sorriso triunfante —, tenho em meu poder um mandado de busca para revistar o seu veículo e a sua casa.