apresentação
C hega um momento na vida profissional em que, por algum motivo, mobilizados por motivações diversas, passamos a acreditar que temos algo interessante para compartilhar com outros profissionais que atuam nesta área de dedicação acadêmica envolvendo a Formação de Tecnodocentes. Por vezes, é uma vontade de se fazer algo e ajudar nossos pares, equilibrando a vontade de compartilhar com a de receber novas informações, sempre imbuídos de enorme autocrítica para não nos apresentarmos de forma presunçosa e como detentores da única verdade possível.  Esse foi nosso caso ao decidirmos escrever este livro.
Depois de algumas décadas olhando para os temas da docência, interagindo intensamente com professores de espaços públicos e privados, de trabalhar com vários níveis da educação, atuando direta ou indiretamente com alunos e colegas professores formados ou em formação, passamos a acreditar que a profissão docente precisa de outra proposta de construção epistemológica dos conhecimentos, das relações e de seus espaços de troca de informações e saberes. Compartilhar experiências reflexivas, integrar outras variáveis nas formações e atuações docentes de forma explícita, estabelecer outras conexões e por fim mobilizar os docentes e discentes no caminho de uma potencial transformação é o que procuramos provocar a partir dos escritos que estamos oferecendo aos nossos leitores.
Este trabalho trata de uma compreensão da profissão docente e de uma proposta de transformação para o que vamos defender ser a Tecnodocência, a partir de conexões que a nossa construção teórica nos permitiu realizar e equalizar como uma prática que exercemos durante nossos anos de atuação no “mercado”. Nesse sentido, é importante esclarecermos que pretendemos trabalhar com discentes e docentes que acreditam ser necessária uma transformação mais radical pautada nas bases que fundamentam as ações didático-metodológicas. A integração entre Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDICs) e Docência, caracterizando a Tecnodocência, é uma medida imprescindível para que estes profissionais da educação sejam preparados para atuar no exercício deste trabalho na contemporaneidade.
Nossas bases são as nossas experiências. As teorias com as quais tivemos contato nos ajudaram a estabelecer ligações entre as ideias, formando uma compreensão da importância de se trabalhar os fundamentos da profissão para se compreender a prática tecnodocente. Percebemos que aquilo que acreditamos não se expressa e não pode ser incluído no conceito de docência, requerendo outra nomenclatura que caracteriza outro tipo de profissional denominado tecnodocente.
De alguma forma, sentimos que temos que ultrapassar a ideia de docência construída e consolidada historicamente durante estes séculos em que a profissão existe, se imaginamos estimular transformações nos sujeitos e na própria profissão. A ideia é não apenas transformar a docência seguindo bases enferrujadas por posturas rígidas de uma profissão criada para garantir a reprodução de um sistema de governo. Por isso, investimos na criação ou explicitação de outro conceito, de outra nomenclatura para esta profissão. Trata-se de propormos e fundamentarmos a Tecnodocência.
Assim, quando nos referirmos ou utilizarmos a palavra docência estaremos tratando de conceitos mais tradicionais e de uma profissão criada com outra base epistêmica, diferente daquilo que estamos propondo como transformação. Já, quando utilizarmos ou tratarmos da palavra Tecnodocência estaremos nos referindo a uma profissão que busca a integração entre TDICs e Docência de forma fundamentada e explícita, transformando radicalmente os conceitos de consolidação do “sapiens” e do “faber” desta outra profissão. Não se trata de uma preocupação retórica, mas de assumir outro modelo epistemológico e compreender que se trata de outro profissional.
Para construirmos uma base de impulso para transformação buscamos enfatizar alguns elementos sobre a criação da profissão docente nos séculos passados, explicitar as relações estabelecidas que permeiam este tipo de trabalho e enfatizar a importância do rompimento com as raízes que caracterizaram esta profissão desde os primórdios de sua criação até este século, refletindo diretamente nas formações e nas práticas que ainda hoje são utilizadas para formar este profissional.
Na sequência do nosso trabalho, passamos a construir um conceito de Tecnodocência a partir de outras bases do entendimento das relações desse profissional com as teorias, com os outros atores do sistema educacional e com a governamentalidade dominante nestas instituições, procurando mobilizar os docentes a uma mudança de paradigma profissional, incluindo, por exemplo, a necessária discussão política e de mercado, a compreensão de valoração do seu trabalho, a necessária organização dos professores dentro das instituições com base em representação direta de cada indivíduo em cada instituição.
O que oferecemos no nosso trabalho serão perguntas, dúvidas, inquietações, relatos e até algumas propostas de ação tecnodocente para aqueles que exercem a profissão de docente, sejam eles licenciandos, licenciados ou bacharéis que atuam como professores, bem como para outros discentes que se sintam de alguma forma expostos à ação e situação profissional do tecnodocente na contemporaneidade. Este livro, trata de uma necessidade de desejo de transformação e foi escrito para aqueles que sentem a necessidade real de se transformar profissionalmente.
Por isso, não pretendemos oferecer teorias que não possam ser manifestas na prática contemporânea. Não vamos compartilhar teorias quiméricas ou compreensões intelectuais irreais, nem caminhos facilitados ou fórmulas universais de fazeres tecnodocentes. Afinal, qualquer procedimento que possa ser simplesmente aplicado ao contexto onde está inserido e que manifesta suas peculiaridades políticas e mercadológicas tende a reproduzir aquilo que já existe a partir de outras ações e pensamentos, raramente equalizadas com as necessidades do tecnodocente. Para uma mudança de paradigma se requer um esforço de criação com base no contexto e nas relações que estabelecerá com outros espaços a partir de novos valores e novas éticas de ação. Essa prática, de universalizar ou unitarizar ações metodológicas e didáticas é contrária àquilo que acreditamos como evolução do trabalho tecnodocente. Todo o trabalho didático e metodológico deve considerar o contexto imediato onde está sendo realizado.
Ainda que nossa perspectiva mobilize os sujeitos para elementos mais radicais de ação e teorização, respeitamos a maioria dos pensadores que produziram teorias sobre docência e sobre educação, uma vez que estas visões teóricas foram particulares e satisfatórias, no sentido de explicitar ideias e perspectivas úteis na compreensão da humanidade, das práticas docentes fundamentadas e, ao mesmo tempo, inquietaram e impulsionaram para buscar compreender mais a profissão do docente até o ponto em que chegamos, e, que envolve outra construção da profissão.
Muitas das propostas didático-metodológicas utilizadas nos cursos de Formação Docente, quando analisadas à luz da prática, da filosofia política e do contexto, levam-nos à percepção do quanto são inócuas, no sentido de transformar a prática docente, proporcionando uma mudança fictícia nas relações entre o próprio docente e o discente, pouco sensíveis às necessidades atuais dos sujeitos, parcamente úteis no aspecto de fundamentar sujeitos que se apropriem de conceitos políticos e pratiquem uma crítica não reprodutivista de seus meios.
Refletindo sobre um dos problemas que pode ter contribuído para a manutenção de um modelo de compreensão e prática da docência,  a despeito de todos os esforços teóricos realizados por um número bastante amplo de autores, ser  exatamente a tendência de pensar em termos de grandes coletividades, de propor teorias e algumas práticas com base numa especialização que traz consigo fortes elementos de autoritarismo e racionalidade opressiva, das intelectualidades dominadas por sujeitos produtores ou reprodutores de conhecimentos não críticos. De que formação vocês têm participado com mobilização para a formação de uma coletividade organizada de docentes e discentes diretamente representados pelos próprios sujeitos, sem intermediadores?  
Aspecto como este, em geral, não é tratado nas formações de docentes. A Tecnodocência não se furta desta perspectiva e compreende que as ações didáticas, metodológicas, as teorias cognitivas assumidas devem ter relação íntima e direta com a postura política da coletividade, com a individualidade do docente e do discente. Por outro lado, compreendemos que é necessário preservar a diversidade, a diferença, e que estas coletividades deveriam aprender a negociar termos e conexões entre si.
Essa forma de compreender estas relações nos faz questionar profundamente perspectivas neoliberais tecnocráticas embutidas nas teorizações e construções das ciências que procuram uniformizar as instituições educacionais e seus atores. Assim, os tecnodocentes e discentes procuram cultivar relações bem mais pessoais, contextuais, glocalizadas  e, dessa forma, bem menos universais. Não almeja ser uma proposta de larga escala.
Sendo assim, organizamos o livro propondo no primeiro capítulo uma caminhada na direção do enfrentamento de questões como a fragmentação dos saberes, o surgimento de espaços digitais, a necessidade de integração entre TDICs e Docência, levando à transformação destas para o conceito de Tecnodocência; a necessidade de equalização do discurso do tecnodocente entre as teorias e a prática, o reconhecimento do caminho epistemológico da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade amparadas em bases políticas e filosóficas como elementos mobilizadores para a transformação prática da profissão.
No segundo capítulo, procuramos oferecer possibilidades e perspectivas para se proporcionar outra Formação do Docente a partir do reconhecimento da falência da estrutura docente tal como foi concebida a séculos passados. A necessária caminhada à contemporaneidade pode garantir novos significados para a ação tecnodocente, mobilizando este profissional a transformar paradigmaticamente suas bases de ação prática e teórica.
No terceiro capítulo iremos nos dedicar a enfatizar que estas transformações estão profundamente vinculadas à integração entre TDICs e Docência em razão de que os artefatos tecnológicos geram uma tensão, principalmente benéfica, nas relações de poder e saber e, portanto, nas relações entre tecnodocentes e discentes. Contudo, salientamos que os procedimentos teóricos e práticos de apropriação das tecnologias digitais pelo tecnodocente não pode ser realizado da forma como vem acontecendo nestas últimas décadas, em razão de criar uma perspectiva carente de fundamentação real da integração entre o exercício da profissão e os artefatos tecnológicos disponibilizados.
O quarto capítulo resgata muito do que já foi escrito com a finalidade de propor um fio condutor, muito mais do que uma receita ou uma forma definida, para a formação de tecnodocentes. Salientamos o foco na necessidade de integração entre TDICs e Docência, num modo de fundamentação epistemológica de construção de conhecimentos e de ações tecnodocentes ancoradas em alguns elementos viáveis da Teoria da Aprendizagem Significativa, da Filosofia da Diferença, da Política, da Interdisciplinaridade e da Transdisciplinaridade entre sujeitos distintos.
Por fim, no último capítulo, nossa intenção foi responder, de forma inicial à questão que nasceu nas nossas próprias discussões e práticas acadêmicas. Tentamos responder o que é Tecnodocência, mesmo acreditando se tratar de um conceito em construção e que é imperativo para a própria Tecnodocência a manutenção de uma condição dinâmica de transformação, evitando definitivamente estacionarmos em uma única definição absoluta. A Tecnodocência equaliza definições conceituais dinâmicas e autotransformadoras, pois do contrário estaríamos plantando uma ideia antagônica à natureza da própria raiz da proposta. Tecnodocência só pode ser compreendida, na forma como a concebemos, como um conceito profundamente dinâmico, reativo, contextual, político, social e amparado por teorias cognitivas que garantam a manutenção decisiva de respeito às perspectivas inseparáveis, das racionalidades e subjetividades, sempre presentes no processo de ensino, aprendizagem e avaliação.
Esperamos que tenham uma boa leitura e que, ao final, vocês se sintam mobilizados a compartilhar experiências nos endereços que vamos dispor com a finalidade de continuar, sempre em processo de evolução deste conceito, trocando ideias, críticas e fazendo versos conosco, como diríamos, conversando.