Entrar no bosque sozinho é a melhor maneira de fingir que você está em outra época. É algo que só se pode fazer sozinho. Se houver mais alguém com você, é muito fácil se lembrar de onde realmente está. O bosque aonde eu vou começa atrás dos prédios do Ensino Médio e do Ensino Fundamental da escola. Ele começa ali, mas estende-se para o norte por quilômetros, na direção de Mahopac e Carmel, e, depois, mais para a frente, até lugares cujos nomes eu não sei.
A primeira coisa que faço quando chego ao bosque é pendurar minha mochila no galho de uma árvore. Depois, caminho. Para funcionar, você precisa andar até não ouvir nenhum carro mesmo, e é isso que eu faço. Ando e ando até que só possa ouvir os pequenos estalos e estrépitos dos galhos e o sibilar do riacho. Sigo o riacho até o lugar onde há um muro de pedra seca em ruínas e um bordo alto com balde para colher seiva enferrujado pregado logo acima da altura da cabeça. Esse é o meu lugar. É ali que eu paro. No livro Uma dobra no tempo, está escrito que o tempo é como um cobertor grande e velho dobrado. O que eu gostaria era de ser pega em uma dessas dobras. Ser dobrada para longe. Escondida em uma dobra pequena e bem apertada.
Geralmente, eu me coloco na Idade Média. Geralmente, na Inglaterra. Às vezes, canto trechos do Requiem para mim mesma, embora saiba que o Requiem não é medieval. E olho tudo – pedras, folhas caídas, árvores mortas – como se tivesse o poder de ler aquelas coisas. Como se minha vida dependesse de entender exatamente o que o bosque tem a dizer.
Eu nunca deixo de levar um velho vestido da Gunne Sax de quando Greta tinha 12 anos. É muito pequeno para mim, por isso tenho de usar uma blusa por baixo e deixar os botões abertos nas costas. Parece mais uma coisa saída de Os Pioneiros do que uma roupa medieval, mas é o melhor que posso fazer. E há as minhas botas medievais. Qualquer um vai dizer que os sapatos são a parte mais difícil de acertar. Por muito tempo, eu tive apenas Keds pretos simples, que me esforçava para não olhar, porque estragavam tudo.
Consegui as botas, que são de camurça preta com cadarços de couro cruzados subindo pela frente, no festival medieval do Cloisters, a área dos claustros do Museu Metropolitano de Nova York, com Finn. Era outubro, e Finn já estava pintando o retrato havia quatro meses. Era a terceira vez que ele me levava para o festival. Na primeira, foi ideia dele, mas, nas duas outras, foi minha. Assim que as folhas começavam a ficar marrons e se torcer, eu começava a importuná-lo com isso.
– Vai se tornar uma medievalista regular, Crocodilo – ele dizia. – O que eu fiz com você?
Ele estava certo. Era culpa dele. A arte medieval era a favorita de Finn, e, ao longo dos anos, tínhamos passado horas e horas olhando os livros dele juntos. Naquela terceira vez no festival, Finn já estava ficando magro. Estava frio o bastante para usarmos malhas de lã e ele estava vestindo duas, uma sobre a outra. Estávamos bebendo cidra quente com açúcar e condimentos e éramos apenas nós dois, sozinhos com o cheiro gorduroso de um porco sendo assado em um espeto, a música de alaúde, os relinchos de um cavalo prestes a entrar em uma justa de mentira e o barulho dos sinos de um falcoeiro. Finn viu as botas naquele dia e as comprou para mim porque sabia que eu tinha adorado. Ele ficou comigo na barraca do fabricante de botas, amarrando cadarços toscos de couro de novo e de novo, como se não houvesse nada que ele preferisse fazer. Se não ficassem certas, ele ajudava a tirar as botas dos meus pés. Às vezes, a mão dele raspava no meu tornozelo ou no meu joelho descoberto e eu corava. Eu não disse a ele, mas fiz questão de escolher um par dois números maior do que o necessário. Não me importava quantas meias eu teria de usar com elas. Nunca queria crescer e perder aquelas botas.
Se eu tivesse muito dinheiro, compraria hectares de bosques. Colocaria um muro em volta deles e viveria lá como se fosse outra época. Talvez eu encontrasse uma pessoa para morar comigo lá. Alguém disposto a prometer que nunca diria uma palavra sobre nada do presente. Duvido que eu fosse encontrar alguém assim. Ainda não conheci ninguém que talvez fizesse esse tipo de promessa.
Há apenas uma pessoa para quem eu já contei o que faço no bosque, e é Finn, e eu nem tive a intenção de contar a ele. Estávamos caminhando de volta do cinema para o apartamento dele depois de assistirmos a Uma Janela para o Amor. Finn começou a dizer que todos os personagens eram tão encantadores porque estavam tão fortemente embrulhados e era muito bonito observá-los tentando desembrulhar um ao outro. Muito romântico, ele disse. Contou que queria que as coisas fossem daquele jeito atualmente. Eu queria que ele soubesse que eu entendia – que faria tudo para voltar no tempo – e, assim, contei a ele sobre a floresta. Ele riu e bateu o ombro contra o meu e me chamou de nerdzona e eu o chamei de geek por passar todo o tempo pensando em pintura e, depois, nós dois rimos porque sabíamos que estávamos certos. Ambos sabíamos que éramos os maiores nerds de todo o mundo. Agora que Finn se foi, ninguém mais sabe que vou para o bosque depois da aula. Às vezes, acho que ninguém nem se lembra de que aquele bosque existe.