As portas da sala do trono de Herodes enfim se abriram, e Baltasar foi conduzido para dentro, para conhecer sua punição, o capitão Pedro orgulhosamente liderando o caminho.
A sala do trono era tão simétrica e retangular como o restante do palácio, com as portas em uma extremidade e o trono na outra, de modo a fazer com que os hóspedes caminhassem a distância máxima, garantindo maior efeito dramático. Mas, ao contrário do paraíso exuberante que tinha visto lá fora, Baltasar achou seu interior frio e monótono. Colunas de pedra alinhavam-se dos dois lados da passagem estreita. A luz do dia penetrava o cômodo, filtrada pelas janelas atrás das colunas e pela abertura quadrada no centro do telhado, a uns doze metros de altura. À noite, as tochas e as lamparinas instaladas ao longo da sala forneciam bastante luz e calor, embora Baltasar imaginasse que Herodes não passasse muito tempo ali depois do anoitecer. E por que o faria, com todo um palácio do prazer esperando do outro lado do pátio?
Ao se aproximarem do trono, Baltasar viu, à sua direita, escravos limpando apressadamente uma mesa tombada no chão com os cálices e pratos caídos. E ao se parabenizar em silêncio por ter adivinhado corretamente que se tratava, de fato, de uma mesa jogada no chão, seus olhos se voltaram para o trono em si e para a figura largada nele.
Baltasar tinha visto muitas coisas terríveis ao longo de seus vinte e seis anos. Mas nada do que vira o havia preparado para seu primeiro vislumbre de Herodes, o Grande.
Diziam que o rei passara anos doente. Ele não se aventurava mais entre as pessoas. Não aparecia mais para supervisionar seus projetos de construção e deles se vangloriar. Mesmo o luxuoso camarote privativo em seu amado teatro estava vazio havia anos. Alguns especulavam que estava morto. Que seus filhos partilhavam o poder em segredo, usando o temido nome do pai em vantagem própria. Mas Herodes estava vivo... se é que se podia usar tal termo.
Estava debruçado para a frente, a coluna torcida. Seus olhos estavam amarelados; os dentes, escurecidos; a pele clara, coberta de feridas abertas. Os olhos e as bochechas encovados mal pareciam fortes o suficiente para suportar o peso de sua barba rala e grisalha, e as vestes pendiam de seu corpo como lençóis em um varal.
Aquele era o Eminente Herodes? Aquele homem pequeno e enrugado? Aquele farrapo? Aquele era o rei da Judeia? Ele se parecia menos o homem que reconstruíra Jerusalém do que um dos leprosos que mendigavam cegamente por suas ruas. Em contraste, o trono era grandioso, o assento de mármore branco adornado com detalhes em ouro. Mas embora tivesse sido projetado para inspirar temor, só serviu para fazer com que o minúsculo homem sentado nele parecesse ainda menor.
Pedro deu um passo para a frente, o capacete de capitão debaixo do braço. Bateu os calcanhares e — exatamente como havia ensaiado durante todo o caminho desde Betel — se dirigiu a seu rei:
— Eminente Herodes! É uma honra vos apresentar o Fantas...
— Já sei, já sei — disse Herodes, acenando com a mão. — Saia.
Baltasar viu o rosto de Pedro murchar ao perceber que estava sendo posto de lado. Podia ver seus sonhos de promoções, escravos e dinheiro desmoronando diante dos olhos do capitão. Quase fazia estar ali valer a pena.
Enquanto Pedro se afastava, amuado, Herodes examinava Baltasar lá de seu trono. Estudava-o com seus olhos amarelos.
No entendimento de Baltasar, homens de poder ou eram cães ou gatos. Os cães eram simples. Diretos. Se você prejudicasse um cão, ele latia, enfiava os dentes em você e o sacudia até matá-lo. Mas gatos... gatos eram astutos. Gatos gostavam de brincar com a presa antes de comê-la.
— O Fantasma da Antioquia — exclamou Herodes, abrindo os braços e descendo do trono. — Que honra recebê-lo em meu humilde palácio.
Gato.
Herodes continuou descendo os degraus até chegar perto o suficiente para colocar a mão no ombro de Baltasar. Tão próximo que Baltasar podia sentir o cheiro da decadência emanando dele. A podridão de fungos e furúnculos. O fedor da morte. De repente, Baltasar teve uma visão de Herodes perambulando à noite até seu harém, encostando sua carne nua e doente na de suas concubinas. Impondo sua própria decadência a meninas quatro vezes mais novas que ele. Quase vomitou de novo.
— Aqui estamos, afinal. Os dois homens mais famosos de toda a Judeia.
Baltasar permaneceu olhando para a frente. Não para Herodes, não para além dele, mas através dele. Assim como se recusara a dar às tropas a satisfação de vê-lo se contorcer, não estava disposto a dar ao rei deles a satisfação de uma resposta — mesmo que estivesse um tanto lisonjeado de ter sua fama comparada à de Herodes.
— No entanto, até que ponto um homem pode ser famoso se não tiver sequer um nome? — Herodes deu um passo para trás e admirou sua presa por um momento. — Por favor — disse ele —, preciso saber. Preciso saber o nome verdadeiro do homem que vem ocupando tanto do meu tempo há tantos anos. Cuja alcunha admito ter muitas vezes amaldiçoado nesta exata câmara.
Nem uma palavra de Baltasar. Nem mesmo um tremor de seus lábios rachados.
— Certo — disse Herodes, após alguns momentos de silêncio. — Bem... acho que um homem tem o direito de levar algo consigo para o túmulo.
Herodes recuou e começou a andar de um lado para o outro, para alívio das narinas de Baltasar.
— Sabe — continuou ele —, alguns de meus conselheiros dizem que eu deveria executá-lo imediatamente. Agora, nesta mesma sala. Dizem-me que uma execução pública é algo muito arriscado. Que você tem muitos admiradores entre as pessoas.
Baltasar não podia conter uma pontinha de orgulho. As pessoas adoram uma celebridade.
— Mas eu disse que não! “Vocês superestimam o povo!”, falei. Pois a única coisa que as pessoas amam mais do que um bandido é vê-lo ser punido!
Infelizmente, Baltasar suspeitou de que ele estivesse certo. Mas não disse nada.
— Amanhã, você vai ter a execução que merece. A morte horrível e excruciante que está me implorando para lhe dar há anos. E apesar do que meus conselheiros pensam, posso dizer com absoluta certeza que seu sofrimento vai agradar o povo da Judeia quase tanto quanto vai agradar a mim.
Não... é perfeito demais. Preciso falar.
— Você quer dizer quase tanto quanto vai agradar aos seus senhores romanos.
Um silêncio cobriu a sala. Baltasar viu os sacerdotes de Herodes trocando olhares nervosos.
Lá vem... lá vem o soco em meu rosto insolente. Embora eu duvide de que esse aí tenha tanta força quanto o capitão.
Mas Herodes apenas caiu na gargalhada. Seus dentes podres expostos. Seu mau hálito agredindo mais uma vez os sentidos de Baltasar.
— Está vendo? — disse Herodes. — É exatamente isso que eu esperava que você dissesse. Essa é uma resposta digna do Fantasma da Antioquia.
E, antes mesmo de começar, a conversa estava encerrada. Herodes virou-se e, devagar, subiu com dificuldade os degraus até seu trono. Seus conselheiros adiantaram-se com os assuntos a serem tratados em seguida, e Baltasar foi levado para fora do mesmo jeito que entrara.
O rei era um homem ocupado.