Os três ladrões magos acordaram antes do amanhecer, soltaram seus camelos e os levaram para fora, para o frio intenso. O céu estava apenas acordando para os primeiros sinais de azul profundo, mas o sol ainda levaria uma boa meia hora até se revelar por trás das colinas a leste. Ainda dava para se ver algumas estrelas brilhando nitidamente entre os contornos escuros das nuvens. Mas não a estrela de Belém. Em algum momento das últimas horas, ela simplesmente tinha desaparecido. Apagada pelo vento do deserto. Baltasar não ficou surpreso. Nada poderia queimar tão intensamente por muito tempo.
José e Maria permaneceram quietos quando os homens acordaram, mal olharam para eles enquanto deixavam o estábulo, nem mesmo quando Belchior desejou-lhes boa sorte do seu jeito carinhosamente idiota. Baltasar não os culpou pela falta de civilidade. Em poucas horas eles conseguiram espancar o carpinteiro, insultar a honra de sua esposa, manter os dois como reféns e reduzir tudo aquilo em que acreditavam a uma piada. Mas também estava feliz de se livrar deles. Os dois que fossem encher o saco de outro com suas fantasias paranoicas.
Os magos montaram seus camelos e seguiram para o centro de Belém, ao sul. A aldeia já estava acordada, a fumaça subia das fogueiras e dos fornos de barro e as meninas sacudiam a poeira dos colchões nas ruas. Os pastores despertaram antes do primeiro sinal de azul no céu e levaram seus rebanhos para o pasto, os filhos a tiracolo. As mulheres se levantaram para cozinhar para eles. E agora, com os homens fora por todo o dia, elas e suas filhas se ocupavam das tarefas domésticas e cuidavam das crianças mais novas, pequenas demais para ajudar.
Era uma aldeia quase que inteiramente dedicada às cabras, mas nem todos os homens de Belém eram pastores. Alguns deles podiam ser vistos levando seus pequenos rebanhos para o norte, ao longo da estrada que passava pelo estábulo dos magos. Era quase certo que estivessem indo até Jerusalém a fim de vender seus animais para serem abatidos ou sacrificados no Grande Templo. Arrastando suas cabras para cima e para baixo pela estrada, pés descalços, oito quilômetros em cada trecho. Dia após dia. De pé antes do nascer do sol, e de volta depois que já tinha se posto. Tudo pela esperança de vender um único e fedorento animal. Tudo pela esperança de conseguir o suficiente para colocar um pedaço de pão na barriga dos filhos. Com uma vida tão dura, qualquer um que não roubasse era um louco.
Três nobres cavalgando àquela hora da manhã era uma visão incomum, mas não tão estranha que justificasse um segundo olhar dos que arrastavam suas cabras pela estrada rumo a Jerusalém. De qualquer forma, o melhor era evitar encarar nobres por muito tempo. Sempre havia a chance de eles se ofenderem e resolverem chicotear você, ou coisa pior.
Embora quisessem se afastar o máximo possível de Herodes, os magos estavam voltando na direção do palácio do rei. O plano era pegar a estrada no sentido norte, em direção a Jerusalém, e então, a mais ou menos um quilômetro do Portão Sul, virar à direita e atravessar vinte e cinco quilômetros de deserto no sentido leste, até Qumran — um pequeno povoado às margens do mar Morto.
Qumran era o lar de uma pequena seita de monges judeus que se intitulavam os essênios. Mas, embora a palavra “monge” evoque uma imagem de reverência tranquila e limpa, os essênios estavam mais para loucos eremitas — homens que evitavam a riqueza material, o prazer carnal e os banhos regulares a fim de se dedicar a suas crenças. Até onde Baltasar sabia, essas crenças envolviam rabiscar velharias sem sentido em pergaminhos e, em seguida, escondê-los nas cavernas espalhadas pelas montanhas ao redor da região ao norte do mar Morto. Por que eles escondiam os pergaminhos, ou para quem, era um mistério.
Baltasar já havia se abrigado naquelas cavernas em diversas ocasiões e fizera doações consideráveis aos monges em troca de sua hospitalidade. Embora não se importassem muito com a riqueza material, adoravam as coisas que as moedas lhes possibilitavam comprar: tapetes para seus pisos, roupas para se cobrirem, pergaminho e tinta para suas reflexões misteriosas. Baltasar conhecia muitos deles pelo nome. Também sabia que podia confiar neles para manter em segredo seu paradeiro. E o mais importante de tudo, sabia que os homens de Herodes não se atreveriam a perturbar um local tão sagrado para os judeus. O que era uma das maiores vantagens do exército da Judeia. O fato de ser formado quase que inteiramente por judeus.
Depois que o rastro deles tivesse evaporado, Baltasar liberaria seus servos fiéis de seu compromisso e desapareceria aos sete ventos. Não gostava de companhia. O que era uma das principais razões para nunca trabalhar com sócios. Não dava para confiar que seus cúmplices acertassem tudo cem por cento das vezes. Eles atrasavam você. Tinham opiniões divergentes. Quando você os designava para ajudá-lo a furtar alguém, eles erravam na hora de derramar o vinho em seu alvo e você acabava sendo perseguido ao longo de aquedutos. Sócios eram mau negócio, mesmo quando estavam em dívida com você.
Os magos estavam a pouco mais de um quilômetro de Belém quando ouviram os primeiros sinais de problemas. Um estardalhaço distante na semiescuridão adiante. Um estardalhaço que aumentava de volume, como a batida de cascos no chão. E, com ele, o tinido de armaduras tornava-se mais acentuado.
— O que é isso? — perguntou Gaspar.
Baltasar soube de imediato. Mesmo antes de ver as silhuetas emergirem na crista do morro cortado pela estrada à frente deles, antes de ver o contorno das espadas e das lanças contra o céu pálido do deserto, ele já sabia. Estavam acabados.
As tropas de Herodes estavam galopando para o sul, na direção de Belém. E, a julgar pelo som que produziam, eram dezenas delas. Sem pronunciar palavra, Baltasar, Gaspar e Belchior tiraram seus camelos da estrada e entraram no deserto à direita, abrindo caminho para os cavaleiros que se aproximavam. Todos os três ajeitaram o kuffiyah para encobrir os rostos. O que, Baltasar percebeu, era um reflexo inútil.
Como se três magos cavalgando junto à estrada já não fosse bem suspeito. Como se alguém fosse capaz de identificar nossos rostos a esta luz.
— O que vamos fazer? — perguntou Gaspar. — Deve haver uma centena deles. Não temos armas.
De repente, Baltasar entendeu como tinham sido burros de terem ficado juntos. Os soldados estariam procurando três homens, e ali estavam eles, três homens. Tinha sido uma estupidez parar em Belém. Era perto demais de Jerusalém. Deviam ter ido para o deserto. Sim, aquela estrela havia tornado a noite quase tão clara quanto o dia, mas o deserto era muito mais vasto do que o número de aldeias para se vasculhar. Por que não tinha pensado nisso? Por que não continuaram cavalgando? Fora porque estava cansado? Estar cansado é pior do que estar morto?
— Baltasar, o que vamos fazer?
Se corressem agora, na certa iriam chamar a atenção do exército. Correr era uma admissão de culpa, um convite para serem perseguidos. A única chance que tinham — e era uma chance para lá de remota — era a de que os soldados ainda não os tivessem visto. Que tivessem passado despercebidos na escuridão do amanhecer.
— Continuem cavalgando.
— Mas...
— Se eles nos virem, nós disparamos em direções diferentes. Entenderam? Vamos separá-los e tentar despistá-los no deserto. Belchior? Você entendeu?
— Despistá-los no deserto...
Ele não estava escutando. Estava concentrado nos homens de armadura cavalgando para o sul, levantando uma nuvem de poeira escura. Os homens que os alcançariam em poucos segundos e os rasgariam em pedaços.
— Ainda não — disse Baltasar. — Nada de sair correndo. A não ser que eles nos vejam...
É claro que seriam vistos. Estavam a pouco mais de quinze metros da estrada, e seu contorno era bem visível contra o céu do oriente, que ia ficando mais claro a cada minuto.
Não se preocupem conosco, pensou Baltasar. Somos apenas três magos cavalgando ao longo de uma estrada escura por motivo nenhum...
O exército passou galopando à esquerda deles. Não havia dúvida de que estavam perto o suficiente para identificá-los, ou de que alguns dos capacetes dos soldados se viraram na direção deles — seus olhos entrando em foco feito flechas em um arco tensionado. Baltasar agarrou as rédeas com força e preparou a perna direita para um toque rápido no camelo assim que o primeiro cavalo se virasse em sua direção.
Mas nenhum deles se virou. Simplesmente continuaram cavalgando no sentido de Belém. Baltasar não podia acreditar. Eles os tinham visto; estava certo disso. Tinham visto três magos andando de camelo junto à estrada em um horário suspeito e, no entanto, nem sequer pararam para interrogá-los.
À medida que o barulho dos cascos foi diminuindo atrás deles, os magos pararam e viraram seus camelos para o sul. E assistiram em um silêncio descrente enquanto a massa escura e poeirenta de cavalos e homens, aquela criatura, se arrastava pela estrada em direção à fumaça das fogueiras e dos fornos de barro.
— Não entendi — disse Baltasar.
— Qual o problema? — perguntou Gaspar. — A sorte está do nosso lado!
— Mas... eles nos viram.
— Podemos discutir isso no caminho para Qumran! Vamos, agora!
Baltasar ficou vendo a criatura deslizar pela estrada rumo ao norte de Belém, o azul-escuro do céu ficando mais claro a cada segundo. Por alguma razão, podia ouvir a voz rouca e fraca de Herodes dentro de sua cabeça. Berrando com seus conselheiros, fazendo as paredes da sala do trono tremerem.
— Baltasar... para Qumran, agora!
Gaspar estava certo. Qual era o problema? Eles haviam tido sorte, só isso. E podiam ficar ali sentados, se perguntando por quê, ou podiam tirar proveito da situação. Os magos viraram seus camelos para o norte e cavalgaram em direção à liberdade, muito embora aquela voz fraca ainda ecoasse no cérebro de Baltasar. Lá no fundo, nas masmorras de paredes lisas e barras de ferro a que todas as coisas ruins pertenciam. Ele sabia que tinham sido vistos. Sentira os olhos sobre si. Aquelas flechas...
Tinham avançado poucos metros quando ouviram algo no ar. Algo distante e estridente. Algo que quase poderia ser confundido com o uivo de um cão selvagem. Mas era um grito. O grito de uma mulher. E mais outro.
Os magos se voltaram e viram que a estrada estada vazia, todos os rastros da criatura haviam desaparecido, absorvida pela aldeia. Absorvida feito sangue penetrando em um pano. E, em algum lugar sob a fumaça das fogueiras e dos fornos de barro, estava fazendo com que uma mulher gritasse.
— Baltasar... você não acha que...
Que o carpinteiro e sua esposa estavam certos?
Herodes era muitas coisas, mas assassino de bebês? Não. Ninguém era capaz disso. Nem mesmo o farrapo retorcido e decadente de homem com quem ele se encontrara cara a cara no palácio. E mesmo que fosse capaz, era muito inteligente. Se as pessoas soubessem, iriam para as ruas fazer arruaça. Uma guerra civil. Herodes era muitas coisas, mas era um político de primeira. Era mais inteligente que isso.
Mas aquela voz... a voz fraca e enfurecida nas profundezas do cérebro de Baltasar lhe dizia o contrário.
— Vamos voltar — disse ele.
— Você está louco?
— Só quero dar uma olhada.
— O exército da Judeia está lá, procurando por nós, e você quer dar uma olhada...
— Eles nos viram, Gaspar. Eles nos viram e não estavam interessados em nós.
— E daí?
— E daí que deveriam estar. Três homens andando de camelo? Três homens com os rostos cobertos? Eles deveriam...
Ele foi interrompido por outro grito. Gaspar e Baltasar se afastaram um do outro e olharam para trás, para a aldeia. Tinha sido um grito diferente. A mesma mulher, talvez, mas um grito completamente diferente.
— Só uma olhada — disse Baltasar. — Só isso.
Baltasar deu um chute em seu camelo e desceu a estrada para Belém. Gaspar e Belchior trocaram um olhar às costas de Baltasar e o seguiram. Afinal de contas, estavam em dívida com ele.
O sol tinha enfim aparecido acima da crista das colinas a leste — começando uma jornada ao longo da qual iria atingir o auge dos céus e então envelhecer e morrer em paz no oeste. Sua luz alaranjada se derramou sobre as costas dos magos enquanto eles miravam para baixo, parados em um pico a leste de Belém. Dali, podiam ver algumas das ruas de paralelepípedos mais largas do centro da aldeia. Mas muito embora essas ruas tivessem estado cheias e vivas com as atividades da vida diária, agora estavam súbita e estranhamente vazias.
Vazias exceto por uma mulher em vestes escuras, correndo descalça na direção deles por uma das ruas de paralelepípedos. Correndo mais rápido do que já fizera em sua vida, porque nada em sua vida tinha sido tão importante. De onde estavam, Baltasar e os outros podiam ver o porquê:
Havia um bebê em seus braços.
Nu. Minúsculo. Agarrado aos seios da mãe enquanto ela corria de um cavalo. O cavalo negro galopava atrás deles, carregando um soldado nas costas, a armadura vibrando, a espada em punho.
Baltasar podia ouvir a voz fraca nas masmorras, mais alta a cada batida dos cascos do cavalo. Podia ouvir os gritos doentes de um rei obcecado pelo poder. Um rei que havia condenado a própria esposa e os filhos à morte. Que traíra seu próprio sangue. Por que não? Se um homem era capaz de matar os próprios filhos...
O soldado ergueu a espada e golpeou a mulher nas costas. Ela caiu para a frente, e, embora tenha tentado segurá-lo com todas as forças, o bebê voou de seus braços, bateu sobre as pedras do calçamento e rolou por alguns centímetros, frágil demais, novo demais para se proteger do impacto. Ele parou de rolar, ficando de barriga para cima, em silêncio por um momento, até que soltou um berro terrível, seus pulmões funcionando magistralmente. De olhos fechados. A mulher respondeu com outro grito, rastejando em direção ao filho, enquanto o soldado desmontava e caminhava até onde a criança estava chorando. Clamando pelo toque reconfortante da mãe.
O soldado ficou de pé junto ao bebê por um instante, depois varou a espada pela barriga da criança.
O soldado varou-lhe a espada pela... o soldado...
Não.
Não foi isso o que aconteceu. Os olhos de Baltasar o tinham traído. Ele estava de volta ao mundo dos oceanos infinitos e das visões distantes. Não, não era real. Não podia ser. Só que... o frio e a náusea em seu sangue lhe diziam que era. Aquele sentimento familiar. O mesmo que lhe tinha enviado na busca do pingente de ouro reluzente.
Os gritos do bebê se acentuaram, e então pararam. Seus braços e pernas se debateram debilmente por um momento... depois, ele ficou imóvel. O soldado puxou a espada de volta. Limpou-a na sola da sandália.
Ele morreu, ele morreu, ele morreu...
A mãe ainda estava rastejando no cascalho na direção do filho — arrebentando a garganta de tanto gritar. O soldado virou-se para ela casualmente — seu covarde, seu cachorro... você não pode fazer isso, vou matá-lo — e enfiou a espada em suas costas. Mas ela continuou rastejando. Rastejando em direção ao filho, e então o soldado lhe golpeou mais uma vez. Seu corpo tensionou-se por um breve instante, até que ela ficou imóvel.
Gaspar e Belchior não podiam acreditar em seus olhos. Eram criminosos. Todos eles. Já haviam visto uma boa dose de assassinatos e crueldade. Só Deus sabia.
Mas nenhum deles jamais vira nada parecido com aquilo. Nenhum deles jamais havia imaginado que algo assim fosse possível. Estavam mudos diante do que haviam acabado de presenciar.
Baltasar mordeu o lábio inferior com tanta força que o sangue chegou a se acumular em sua boca.
Não iria aceitar aquilo.
Que se danasse Qumran. Que se danasse tudo. Decidiu matá-los. Todos eles. Ele iria extinguir todos de suas vidas sem valor, e iria caminhar sobre seus corpos desmembrados. Não sabia como ia fazer isso, visto que não tinha arma alguma e estava em menor número, no mínimo uns vinte contra um, mas ele sabia. Seu ser estava transbordando. E não era de raiva. Era de algo mais forte que raiva. Algo mais poderoso e justo.
Morrendo ali no meio da rua, a mulher ergueu a cabeça. O cavalo preto estava indo embora, o homem em suas costas. Afastando-se a galope. Deixando os dois para sangrar no meio da rua. Ela ergueu a cabeça o máximo que pôde, determinada a olhar o filho mais uma vez antes de deixar esta vida.
O sol estava subindo. Sua forte luz alaranjada tinha alcançado alguns fios dos finos cabelos do bebê. Fios que jamais iriam mudar de cor. Seus olhos estavam fechados, seu peito já não se movia. As mãos. Pequenas, delicadas, frias. Mas havia algo mais. Algo acima dele. Acima de toda a cidade de Belém, à luz da manhã. A mulher pensou ter visto as formas de três homens montando camelos, mas era difícil dizer. O sol estava bem atrás deles, criando um halo ofuscante em torno de suas cabeças. Em seu último pensamento, ela se perguntou se eles estavam ali para recebê-la no outro mundo.
Quando Baltasar falou afinal, ele teve que se forçar a pronunciar cada sílaba.
— Vocês dois estão em dívida comigo?
— Estamos — disse Gaspar —, mas você não pode estar pensan...
— Vocês dois estão em dívida comigo?
Gaspar hesitou. Ele sabia o que estava por vir.
— Estamos...
— Venham comigo.
Baltasar chutou o lombo do camelo e entrou na aldeia. De acordo com a lei do deserto, mas contra todos os seus instintos, Gaspar e Belchior o seguiram.
José e Maria também podiam ouvir os gritos. E, embora não se atrevessem a deixar o estábulo para ver, sabiam do que se tratava. Sabiam que já estava acontecendo. Agora. Bem ali em Belém. Podiam ouvir os cascos batendo no chão, o barulho das armaduras, à medida que eles entravam na aldeia. Era tarde demais para fugir. Havia muitos deles lá fora.
José correu com Maria e o bebê para uma das pequenas baias do estábulo. Uma cabra malhada protestou quando ele a empurrou de lado para dar espaço para a esposa, que se deitou em posição fetal, o bebê a seu lado. José os cobriu com feno, o máximo que pôde — muito do feno estava emaranhado em estrume seco. Mal havia o suficiente para cobrir os dois, mas teria que bastar.
Depois de escondê-los o melhor que pôde, José fechou a porta da baia e tentou se portar como se estivesse à vontade, agarrando seu velho amigo tridente e fingindo limpar o estábulo. Se os soldados invadissem o local, veriam um homem trabalhando, nada mais. Deixariam-no em paz e continuariam a busca em outro lugar. Mas, se não o deixassem, se por algum motivo decidissem dar uma olhada ao redor, Deus me livre, ele poderia usar o tridente para ganhar um pouco mais de tempo para Maria.
Ele esperou e rezou. Rezou para que os soldados nem perdessem tempo com o estábulo. Por que se dariam o trabalho? Não fazia sentido. Estábulos são para animais, não para crianças. Ele rezou para que o pastor que se apiedara deles — e que lhes oferecera um lugar para ficar — não os entregasse. Mas, acima de tudo, José rezou para que o bebê não começasse a chorar. Até agora, curiosamente, ele havia permanecido feliz e tranquilo, mesmo coberto de feno e esterco.
Um único soldado perseguia um garoto de doze anos pelo calçamento de pedras próximo ao centro da vila. Não para matá-lo, mas ao irmãozinho que ele carregava nos braços. O bebê que arrancara da mãe, sabendo que poderia correr mais rápido que ela. E tivera razão ao fazê-lo. Ele foi mais rápido do que ela jamais poderia esperar ser. Mas não mais rápido do que um homem montado no cavalo negro.
O soldado desembainhou a espada, aproximando-se das costas do menino, sem saber que havia três homens montados em camelos perseguindo-o pela mesma rua. Sem saber que o Fantasma da Antioquia estava quase o alcançando, instigando seu camelo com mais vontade do que já fizera em toda a sua vida. Com mais força até do que quando esporeara aquele camelo malfadado pelo deserto da Judeia. Mais rápido, seu desgraçado. Gaspar e Belchior vinham cavalgando logo atrás...
O camelo respondeu, galopando e chegando perto do cavalo negro. Perto o suficiente para ele atacar o cavaleiro com uma espada, só que ele não tinha uma consigo. Então Baltasar se decidiu pela segunda melhor opção: agarrou a parte de trás da gola do soldado e o arrancou de sua sela, jogando-o no calçamento, onde foi prontamente pisoteado pelos camelos de Gaspar e Belchior. Atropelá-lo não tinha sido sua intenção inicial — simplesmente não conseguiram parar em tempo. Mas agora já o tinham feito, e puxaram as rédeas para dar meia-volta e inspecionar os estragos.
Baltasar parou seu camelo e observou o cavalo do soldado galopar por mais alguns metros, depois parar e sair trotando em círculo, sem saber o que fazer. E ficou vendo o garoto continuar a correr com o bebê nos braços, sem saber que a ameaça atrás de si havia desaparecido.
Corra, menino, e só pare quando cair de cansaço.
O soldado estava deitado de barriga para cima, imóvel, uma mossa profunda em seu peito no ponto em que a pata de um camelo o havia atingido. Era mais velho que a maioria dos homens de patente baixa como a sua, uma mecha cinzenta nas têmporas. Estava tossindo sangue, o que Baltasar presumia ser resultado de uma caixa torácica estilhaçada e órgãos dilacerados. Ótimo. Seu braço esquerdo tinha sido estraçalhado sob outra pata de camelo, o antebraço completamente achatado, inútil. Ele se contorcia, gemia.
Ótimo... espero que seja a pior dor que já sentiu na vida.
Baltasar pulou de seu camelo e foi na direção dele. Andou calmamente, como o homem morto que era. Pisou no pulso do soldado, abaixou-se e pegou sua espada. Não era grande coisa. Uma arma comum para um soldado de baixa patente no exército da Judeia. Mas quebraria um galho.
Baltasar manteve a ponta da espada encostada no pescoço do soldado.
— Por... por favor — disse o soldado, lutando para respirar. — Não...
— Não o quê? — perguntou Baltasar, levando a mão à orelha.
— Não me ma...
— Não matar você? É isso que está tentando me dizer?
— Não me mate...
O soldado estava soluçando. Baltasar quase sentiu vergonha por ele.
— E se você tivesse pegado aquele garoto com o bebê, teria tido a mesma compaixão por ele?
— Por fa...
Baltasar empurrou a espada até senti-la varando o pomo de adão. O homem agarrou a lâmina com a mão direita — o sangue gotejando dos dois lados da espada. Ele tentou freneticamente arrancá-la de sua garganta, mas Baltasar apenas empurrou-a com mais força, torcendo-a, abrindo um buraco ainda maior. E o homem adquiriu aquele mesmo tom de pálido... aquela mesma máscara de medo... a mesma consciência terrível de que estava morrendo.
Ótimo, pensou Baltasar. Espero que esteja com medo...
Gaspar e Belchior tinham desmontado atrás dele, e agora observavam o soldado morrer deitado de costas. Seus membros se moveram debilmente, e então ficaram imóveis. Baltasar levantou o olhar do rosto do soldado moribundo, sua atenção desviada pelo tinido de uma armadura a distância. Ao erguer os olhos, viu cinco soldados emergindo de uma casa no outro extremo da rua, suas espadas manchadas de sangue, os gritos da mãe e do pai vindos lá de dentro. Estavam voltando para seus cavalos quando um deles avistou Baltasar de pé sobre o corpo de seu companheiro. Ao testemunharem tal tragédia, ele e seus quatro colegas chegaram à mesma conclusão a que Baltasar tinha chegado havia apenas alguns minutos:
Isso não ficaria assim.
Baltasar viu quando eles iniciaram seu ataque — tão enfurecidos, tão concentrados em corrigir aquela injustiça que se esqueceram de levar os cavalos consigo. Se os magos montassem em seus camelos agora, na certa escapariam. Mas Baltasar não tinha entrado em Belém para fugir. Ele tinha ido até ali para matar até o último deles, ou morrer tentando.
Ele puxou a espada do pescoço do soldado agonizante e foi até o meio da rua, ao encontro deles. Os soldados da Judeia tinham todas as vantagens a seu lado. Estavam em maior número. Protegidos por armaduras. Mas Baltasar não queria nem saber. Iria continuar firme. Iria abater todos eles.
— Me dê a espada — disse Belchior.
Baltasar nem se mexeu. Manteve os olhos fixos nos homens que se aproximavam.
— Pode deixar.
— Me... dê... a... espada...
Havia algo na voz de Belchior. Uma característica especial. Aquelas palavras não tinham vindo do sujeito simplório que Baltasar conhecera no calabouço, ou o ser angelical e inofensivo que fizera barulhinhos e caretas engraçadas para o bebê quando deixaram o estábulo.
Baltasar olhou para Gaspar. Ele está falando sério? Gaspar fez que sim com a cabeça.
— Dê a espada para ele — disse.
Baltasar não sabia exatamente por que entregou a única espada que tinham para o menor e mais gordo membro do grupo. Mas ele o fez. De alguma forma, pareceu-lhe a coisa certa a fazer. Belchior pegou-a. Girou-a de um lado para o outro, avaliando seu peso. E correu os dedos ao longo da lâmina, determinando a extensão de seu poder. Conversando com ela. Não era uma grande espada, mas seria o suficiente.
Afinal, havia apenas cinco deles.
Quando os soldados estavam quase chegando, Belchior ergueu a espada diante do corpo e iniciou o ataque. Eles levaram um susto — chegaram até mesmo a se divertir frente à visão do pequeno grego avançando na direção deles sozinho. O que estava mais à frente fixou os pés no chão e empunhou a espada, girando o corpo para o lado em uma posição clássica de esgrima. Estava preparado para qualquer coisa. Principalmente para o ataque desarrazoado de um tampinha.
Um segundo depois ele estava no chão, sem a perna esquerda, gritando de dor.
O pequeno grego rolara para a frente no último instante, varando a espada pela perna dianteira do soldado, firmemente fixa no chão. Ele não teve uma chance sequer de revidar. E enquanto caía de lado, procurando por uma perna que não tinha mais, seus quatro companheiros também não tiveram chance alguma.
Um por um, Belchior foi girando e abrindo caminho através dos soldados, ceifando-os como se estivessem seguindo suas ordens: golpeando-o no momento em que ele queria que o golpeassem, deixando-se indefesos bem no instante em que ele estava pronto para atacar.
O segundo soldado torceu o peito, preparando-se para um giro feroz, mas deixando a lateral do corpo momentaneamente exposta. Belchior enfiou a espada pela fresta entre a armadura frontal e a armadura traseira, a lâmina voltada para cima, varando seus intestinos.
A espada ainda estava na barriga do segundo soldado quando o terceiro avançou, mirando em sua cabeça. Usando a baixa estatura em seu favor, Belchior abaixou-se sob a lâmina, puxou a espada de volta e contra-atacou o adversário já desequilibrado, cortando sua garganta com tanta força que somente a coluna impediu a espada de sair do outro lado.
O quarto e o quinto soldados atacaram juntos, mergulhando suas espadas sobre a cabeça de Belchior ao mesmo tempo. Belchior usou a própria espada para se proteger, e então fez algo incrivelmente estúpido. Algo que vai contra tudo o que qualquer um já aprendeu a respeito de esgrima.
Caiu de joelhos, como se estivesse rezando.
Os soldados continuaram a golpear. Mas suas investidas tornaram-se diferentes. Mais fracas, desajeitadas. E só então Baltasar entendeu a genialidade do que Belchior tinha feito. Suas armaduras constituíam-se de grandes peitorais de aço para proteger seus órgãos. Placas que iam do pescoço à cintura. E, embora fossem ótimas para resguardar seus corpos de um ataque na vertical, tornavam muito mais difícil se curvar para a frente, enfraquecendo qualquer golpe que tentassem dar abaixo da cintura. Bastava que Belchior continuasse bloqueando seus golpes desengonçados e esperasse que um deles cometesse um erro.
Foi exatamente o que o quarto soldado fez, inclinando-se muito para a frente e caindo de cara no chão, à esquerda de Belchior. Um segundo depois, ele pagou por seu erro com a vida, pois Belchior enfiou a espada na sua nuca, cortando o tronco encefálico.
Agora era homem contra homem. O último soldado não era um espadachim tão inútil quanto seus companheiros, mas também não era muito bom. Depois de se tornar o único homem dos cinco que conseguiu tocar o corpo de Belchior — presenteando-lhe com um arranhão no ombro —, ele preparou sua investida final, mergulhando para a frente. Mas sua espada estava muito longe do corpo, suas pernas muito abertas. Belchior arrancou a espada de suas mãos e golpeou-o com a própria. O quinto soldado ergueu os braços em uma tentativa de bloquear o golpe, mas a espada de Belchior simplesmente transpassou sua mão esquerda, furando seu rosto um momento antes de a ponta da lâmina se alojar em seu cérebro. Belchior manteve-a lá até sentir o peso do soldado morto pendendo no ar, e então puxou-a de volta, deixando o corpo inútil cair no chão.
Agora era a vez de Baltasar ficar sem palavras.
O pequeno grego era o melhor espadachim que já tinha visto. Mais rápido e mais poderoso que qualquer outro homem poderia sonhar em ser. Não havia dúvida. Criminosos eram uma raça que gostava de se gabar, mas aquilo não havia sido ostentação. Era a mais pura verdade.
— Eu falei — disse Gaspar. — O melhor do império.
Havia um segundo, cinco soldados seguiam na direção deles. Agora, cinco homens jaziam no chão — dois deles moribundos, e os outros três, mortos. Havia tantas perguntas... Tantos truques a aprender... Mas eles teriam que esperar. De todos os cantos da cidade ainda vinham gritos de mulheres e crianças.
Baltasar e Gaspar pegaram as espadas dos soldados mortos, depois montaram seus camelos e começaram a cavalgar o mais rápido que conseguiam.
As preces de José não foram atendidas. Havia soldados lá fora. Descendo de seus cavalos. A qualquer segundo eles entrariam.
Será que o pastor fora obrigado a entregá-los? Será que os criminosos os trocaram por uma recompensa? Não importava. Nada mais importava agora. Nada exceto o plano. José era um simples pastor, limpando seu estábulo. Não, tudo ficaria bem. Eles o interrogariam e o deixariam em paz. Que vantagem teria em revistar um estábulo, a menos que você gostasse do cheiro de bodes e esterco? Ele só precisava manter a calma. Não parecer nervoso ou agitado. E o bebê só precisava ficar quieto.
Eram três. Dois jovens e um mais velho, com um capacete mais elaborado e uma armadura peitoral. Uma espécie de oficial, imaginou José. Eles entraram e avaliaram o pouco que havia a ser avaliado no ambiente.
— Quem é você? — perguntou o oficial.
— Um mero pastor, senhor. Este é meu estábulo. Estas são minhas cabras.
O oficial examinou o rosto de José por um instante, depois olhou ao redor mais uma vez. Não era grande coisa. Mal valia a pena perder tempo ali. Havia milhares de lugares para se esconder em Belém. Quase todos mais atraentes do que aquele. O que um bebê estaria fazendo em um estábulo, afinal?
Certo de que apenas a mais baixa forma de vida poderia escolher dormir em um lugar como aquele, o oficial fez sinal aos outros para saírem dali.
José sentiu uma onda de alívio. Tinha se portado muito bem. Não parecera nervoso ou agitado. Já o bebê...
— O que foi isso?
O oficial se virou. Já estava quase do lado de fora da porta quando um guincho preencheu o pequeno estábulo. Não era o balido de uma cabra. Era algo diferente.
— Só uma cabra, senhor.
O oficial estava prestes a se convencer de que não era nada quando outro gritinho veio de uma das baias à direita. Este foi quase como uma gargalhada.
Não, Senhor... por favor...
Sob uma fina camada de feno e estrume, Maria levou a mão à boca do bebê, tentando desesperadamente abafar os gemidos do filho.
— São só os animais, eu lhe garanto.
José tinha perdido a calma. Podia sentir o suor brotando, o nervosismo e a agitação tomando conta dele.
— Segurem-no.
Os outros dois agarraram José e lhe arrancaram o tridente das mãos. Mantiveram-no encostado à parede enquanto o oficial desembainhava a espada e começava a abrir as portas das baias.
— Estou falando, são só os ani...
— Silêncio! — O oficial virou-se para seus homens. — Se ele falar de novo, podem matá-lo.
Um dos soldados desembainhou a espada e apertou a lâmina no pescoço de José. O oficial virou-se para a porta da baia. A última à direita. Ele a abriu...
Ali, embaixo de um bode malhado e uma fina camada de feno e estrume, havia uma menina cobrindo a boca de um bebê com a mão. Maria gritou quando o oficial puxou a parte de trás de suas roupas, tentando arrastá-la dali.
José se soltou das garras do soldado, correu até o oficial e pulou em suas costas. Passou um dos braços em torno de seu pescoço e apertou o mais forte que pôde, sabendo que seria atingido por uma espada por trás a qualquer segundo. Não tinha importância. Que o atacassem. Até que o fizessem, ele planejava continuar apertando — asfixiando aquele homem até seu último suspiro, na esperança de que Maria conseguisse se libertar e correr.
O oficial deixou cair a espada e agarrou o braço dele com as mãos. Ele conseguiu enfiar uma delas sob o braço de José e aliviar a pressão. Tendo restaurado sua respiração, encontrou forças para arremessá-lo por sobre suas costas para a baia, onde estavam sua esposa e o bebê. No mesmo instante, o oficial olhou para o chão, na direção da espada que deixara cair...
Mas a arma havia desaparecido.
Ele virou-se e encontrou-se cara a cara com dois homens que nunca tinha visto antes. Dois homens, um de cada lado do Fantasma da Antioquia. O mesmo Fantasma da Antioquia que ele tinha capturado em Betel e arrastado até o Palácio de Herodes. O mesmo homem que já deveria ter passado dessa para uma melhor. Também viu os corpos de seus homens no chão do estábulo, suas gargantas cortadas.
— Mas você está... você deveria estar morto — disse o capitão.
Ah, mas eu estou, pensou Baltasar. Você não entende? Eu estou morto.
Baltasar cortou a garganta do capitão.
José subiu na traseira do camelo de Belchior. Gaspar fez com que seu animal se ajoelhasse e ajudou Maria a subir, o bebê em seus braços. Baltasar seguiu cavalgando sozinho, com uma espada em cada mão.
Eles escapariam se fugissem agora. Se atravessassem a rua e continuassem andando direto para o deserto. Mas os gritos continuavam a ecoar por Belém. Havia ainda dezenas de soldados lá fora, vasculhando casa por casa. Abatendo crianças que mal haviam chegado a conhecer o mundo. Mães e pais dando tudo de si para salvá-los. Agora, naquele exato momento.
E aquela gritaria não iria parar. Não até que o próprio tempo parasse. Não dava para apagar de seus ouvidos sons como aqueles. Não completamente. Nunca completamente. Eles sempre estariam lá, sussurros fracos nas masmorras subterrâneas a que todas as coisas ruins pertenciam. Baltasar sabia disso. Assim como sabia que escapariam se fugissem agora. E assim como sabia que seria impossível salvar a todos. E, no entanto, ele não conseguia se mover.
Gaspar podia vê-lo estampado em seu rosto. No jeito como ele apertava as rédeas até os nós de seus dedos ficarem brancos, fitando a cidade ao sul.
— Baltasar... podemos morrer tentando salvá-los todos, ou podemos salvar esse, enquanto ainda há tempo.
Gaspar tinha razão, claro. Baltasar já havia enfrentado essa escolha antes. A escolha entre ter uma morte nobre e viver covardemente para lutar outro dia. A tentação de morrer podia ser esmagadora. A tentação de deixar a raiva tomar conta de você e transformá-lo em uma nova e gloriosa existência. Uma chama fugaz e muito viva. Mas era apenas uma ilusão. Pois não importava quantos deles você matasse nesses momentos finais, nunca seria tantos quanto os que você teria matado ao longo de uma vida. Esse era o grande segredo. Quanto mais você vivesse, mais deles poderia matar ao todo. Com a raiva abrindo um buraco dentro de você, era fácil esquecer uma verdade como essa.
Ainda havia tempo. Ele salvaria aquela criança. Viveria covardemente para lutar outro dia. E iria encontrar uma maneira, algum dia, de reduzir a cinzas todo o mundo deles. Talvez até mesmo encontrar um jeito de apagar os gritos de seus ouvidos. Baltasar jurou isso a si mesmo e esporeou seu camelo.
Dessa vez, eles cavalgariam direto para o deserto. O mais rápido que seus camelos fossem capazes, e só parariam quando chegassem a Qumran. Os essênios os manteriam seguros ao menos por uma noite ou...
— Vocês aí! Parados!
Baltasar se virou. Dois cavaleiros vindos do sul os tinham avistado, um de estatura e compleição média, o outro simplesmente gigantesco. Estavam galopando na direção deles, um ao lado do outro, subindo a estrada de Belém com suas espadas desembainhadas.
— Não parem! — disse Baltasar para os outros. — Vão com eles.
Ele então virou seu camelo e avançou na direção dos dois cavaleiros — a mão esquerda nas rédeas, a direita atrás das costas. Ele salvaria aquela criança. Gaspar e Belchior a manteriam em segurança, e depois ele os alcançaria no deserto, assim que tivesse acabado.
Baltasar cavalgou direto para eles, o nariz do camelo apontado bem entre seus cavalos. Daria de cara neles se fosse preciso, não iria recuar. Os soldados estavam a menos de seis metros dele quando perceberam isso e afastaram seus cavalos, cada um para um lado, para passar ao redor dele. Ao fazerem isso, Baltasar tirou a mão esquerda das rédeas, levou-a às costas e pegou as duas espadas, segurando-as para fora, como se fossem asas. Como um homem alado. Arremessando os soldados de seus cavalos, na terra.
Ele fez a volta e desmontou, uma espada em cada mão. O soldado menor ainda estava tentando se levantar, tentando se recuperar do susto. Mas o maior já estava de pé, e correndo na direção dele. Com um grunhido baixo, ele disparou para cima de Baltasar, mirando a ponta da espada em seu peito. Mas Baltasar conseguiu desviar, fazendo-o errar o golpe e tropeçar ao mesmo tempo.
O menor já estava de pé novamente, atacando Baltasar com ferocidade, enquanto seu parceiro se recuperava. Mas a queda havia exigido muito dele, e Baltasar o fez em pedaços, evitando sua armadura e produzindo cortes profundos em seus braços nus. Quando o maior se aproximou de novo, Baltasar seguiu a tática de Belchior — caiu de joelhos e atacou as pernas dos dois soldados, até que o menor caiu de costas e o maior se afastou.
— Diga a Herodes — falou Baltasar para o gigante — que o Fantasma da Antioquia está rindo da cara dele.
Os olhos já apavorados do soldado se arregalaram ainda mais.
— Diga a ele que estou rindo... E diga que ainda vou pisotear o túmulo dele.
O soldado pensou por um instante e, em seguida, correu de volta para a cidade, determinado a viver covardemente para lutar outro dia. Baltasar o observou por um momento — um gigante correndo com as pernas estraçalhadas —, e então voltou sua atenção para o soldado que se contorcia abaixo dele, rastejando-se pelo chão, apesar dos cortes profundos em seus membros. Estava tentando fugir, mas sabia que não havia chance de isso acontecer.
— Nós... nós recebemos ordens...
— Vocês O QUÊ?
— Nós recebemos ordens de fazer isso, do próprio Herodes.
— Ordens de fazer o quê?
— De... matar todos os bebês meninos de Belém.
Baltasar ergueu a espada acima da cabeça e a manteve firme no lugar. Apertou as tiras da alça de couro com tanta força que todo o seu braço tremeu.
— Qualquer homem que siga uma ordem dessas não merece andar sobre a terra.
Baltasar baixou a espada, atingindo o rosto do soldado com a face mais larga da lâmina. O primeiro golpe quebrou o nariz do rapaz, abrindo as comportas atrás de suas narinas e liberando uma enxurrada de sangue sobre seu queixo. O segundo quebrou a órbita esquerda por inteiro, liquefazendo o olho dentro dela. Antes que Baltasar pudesse desferir um terceiro golpe, o instinto do soldado finalmente ultrapassou seu espanto, e ele estendeu as mãos para se proteger. Baltasar puxou a espada de volta e girou-a sobre seu corpo, atingindo o pulso esquerdo do soldado. Sua mão caiu, ficando pendurada pela pele e alguns tendões antes de aterrissar no chão. Baltasar voltou a golpeá-lo no rosto, de novo e de novo e...
O queixo dele quebrou talvez você devesse parar de bater no rapaz Baltasar ele está inconsciente você pode parar de bater nele agora os dentes se quebraram pare Baltasar ele está morto ele só pode estar morto a essa altura o que você está fazendo Baltasar por que você ainda está batendo nele lá se vão os miolos do crânio chega Baltasar não foi ele que matou eu sei mas ele é igual ele é igual ao que matou...
Ao erguer a espada para mais um golpe, segurou o pulso de Baltasar por trás. Ele se virou, pronto para matar quem ousasse tocá-lo. Pronto para esmagar seus miolos e fazê-los jorrar pelas orelhas.
Mas não era um soldado da Judeia. Era o carpinteiro, olhando para ele da traseira do camelo de Belchior.
— Ele está morto.
Estavam todos olhando para ele. Todos menos Maria, que tinha afastado o rosto da visão horrenda, apertando o bebê com força no peito. Baltasar puxou a mão de volta.
— Outros virão — disse José. — Temos que ir.
Mais uma vez, ele sabia. Sabia que tinha que ir... mas não conseguia mover os pés. Na verdade, não conseguia mover nenhuma parte do corpo. Baltasar estava com dificuldade de recuperar o fôlego. Achou que ia desmaiar. Sentiu-se fraco. Estavam todos olhando para ele com expressões estranhas...
— Baltasar... você está sangrando.
Quem tinha dito isso? O carpinteiro? Gaspar?
Ele olhou para suas vestes. Havia uma mancha crescente de sangue no lado direito do peito. Ele puxou a roupa e viu a ferida. Um corte de espada entre suas costelas. A cada respiração, minúsculas bolhas de ar se formavam em meio ao sangue vívido e reluzente que lhe escorria da ferida.
O soldado não tinha errado.
O sol mal havia despontado por trás das montanhas a leste, mas Baltasar já sentia como se estivesse se pondo. A noite estava chegando, e, com ela, um descanso muito necessário. Por um momento, ele pensou que a estranha estrela que brilhava no oriente havia voltado.
Dessa vez, ele foi o único a vê-la.