A manhã foi dando lugar ao meio-dia, e, até então, Gaspar e Belchior não tinham dado qualquer sinal de vida. Baltasar andava de um lado para o outro, com o rosto e os lábios quase completamente curados agora, seus passos rápidos o suficiente para agitar as cortinas que tinham sido fechadas para tapar o sol. Onde foi que eles se meteram? Tinham saído para comprar comida logo depois do café da manhã, deixando os outros fugitivos na casa de Sela para arrumar os camelos e se preparar para partir. Tinham uma longa viagem pela frente. Se forçassem o passo, parassem apenas por alguns minutos a cada vez e acampassem no deserto, chegariam à fronteira do Egito em dois dias.
Maria estava na sala ao lado, dando de mamar para o bebê sob o xale, enquanto Sela enchia os cantis, tomando cuidado para não derramar uma única gota preciosa. José estava rezando de novo. Ajoelhado no canto, resmungando para si mesmo. Embora suas palavras fossem pouco mais que um sussurro, estavam se acumulando nos ouvidos de Baltasar. Temos problemas de verdade. Problemas de verdade aqui no mundo real, e ele fica lá, murmurando para Deus. Até que ele não pôde mais aguentar.
— Será que você pode... não fazer isso?
José parou de rezar, embora tenha mantido os olhos fechados.
— Quando fica ansioso, você anda de um lado para o outro — disse ele. — Eu rezo. Entre nós dois, eu diria que o meu método é o menos incômodo.
— Entre nós dois — disse Baltasar —, eu sou o que tem uma espada, então é melhor calar a boca e fazer algo de útil antes que eu corte a sua língua fora.
José abriu os olhos e ficou de pé, encarando Baltasar.
— Por que a minha oração o incomoda?
— Porque sim! Porque você fica aí repetindo e repetindo e repetindo sempre a mesma coisa! Nunca ouvi ninguém gaguejar tanto para Deus na minha vida!
— Bem... Tenho muito a agradecer.
— O quê, por exemplo? O fato de que o mundo inteiro quer matar o seu bebê?
— Você, por exemplo.
A resposta de José teve o efeito desejado e interrompeu as reclamações de Baltasar.
— Você nos resgatou em Belém — disse ele. — Você nos guiou pelo deserto, nos trouxe até aqui. E quase perdeu a vida fazendo isso. Agradeci a Deus por ter enviado você, porque, se não o tivesse, estaríamos mortos.
— No futuro, em vez de agradecer a Deus, você pode poupar trabalho e simplesmente agradecer logo a mim.
José sorriu.
— Conheço homens como você — disse ele. — Homens que acreditam que Deus nos abandonou. Que ele cansou de nossas imperfeições. Homens assim são oprimidos pelo pecado. Pela fraqueza, pela tentação e pela culpa. E então eles pensam: Todos os homens devem ser assim também. E se todos os homens são assim, por que Deus iria querer ter qualquer relação com eles?
— E eu conheço homens como você — disse Baltasar —, que acreditam que cada gota de mijo é uma benção de “Deus Todo-Poderoso”. Homens que desperdiçam suas pequenas vidas miseráveis tremendo e resmungando, lendo pergaminhos e queimando cabras... morrendo de medo de comer a coisa errada ou de dizer a palavra errada ou de pensar o pensamento errado, e BUM!... o punho de Deus vai descer das nuvens para esmagá-los. Bem, deixe-me dizer uma coisa... e estou falando por experiência própria... Deus não está nem aí, entendeu? Ele não liga para você nem para mim nem para o que fazemos ou dizemos ou comemos ou pensamos.
— Ele se importa o suficiente para ter me mandado o próprio filho.
Dessa vez, Baltasar não fez qualquer tentativa de esconder o rolar de olhos. Você só pode estar brincando...
— Certo, certo... o Messias. Então deixe-me fazer uma pergunta: de todos os milhares de anos, todos os milhares e milhares de judeus, por que Deus optou por um carpinteiro pobre e uma menina para criar seu filho? Por que não um rei, hein? Por que não colocá-lo como filho de um imperador? Dar a ele uma chance de verdade de mudar as coisas?
José pensou no assunto, e o bebê começou a chorar no outro cômodo. Na verdade, a melhor resposta que lhe ocorreu foi:
— Não sei. Só sei que ele o fez.
— Está vendo? — disse Baltasar com um sorriso. — Esse é o problema do seu Deus. Ele não pensa grande o bastan...
— BALTASAR... DA... ANTIOQUIA!
A voz vinha de fora, interrompendo o insulto de Baltasar. Uma voz desconhecida, saída da parte da frente da casa. Baltasar sentiu os membros perderem a força. O sangue congelar na ponta dos dedos, exatamente como quando vira as legiões romanas em Hebrom.
Acharam a gente.
Seguiu-se um silêncio. Um silêncio mortal enquanto Baltasar e José trocavam um olhar apavorado, a discussão já há muito esquecida, e os dois foram até a janela mais próxima para espiar por entre as cortinas.
Lá estavam as casas vazias de Bersebá. E na frente delas, em perfeita formação na rua, os soldados romanos — liderados por um jovem oficial em um cavalo marrom. Além dos soldados e das casas vazias, uma nuvem comprida e escura pairava no horizonte, em silêncio, imóvel. Tempestade de areia, pensou Baltasar. Das grandes.
— É esse o seu nome, não é? — perguntou o oficial. — “Baltasar”?
Os gritos do bebê, de repente, estavam atrás das orelhas de Baltasar. Maria e Sela tinham corrido até a sala, atraídas pelo barulho. Assim que viram Baltasar e José ajoelhados junto à janela, perceberam o que tinha acontecido. Acharam a gente.
— Dá para sair pelos fundos? — perguntou Sela.
— Duvido — disse Baltasar.
Ele era inteligente, esse oficial. Dessa vez, teria tomado o cuidado de cercá-los primeiro. Para ter certeza de que não haveria chance de fuga. Tais pensamentos desanimadores ainda estavam se formando em sua cabeça quando Baltasar viu dois homens parados ao lado do cavalo do oficial. Mas esses não eram soldados romanos nem da Judeia. Eram mentirosos e ladrões. Covardes e traidores.
Gaspar e Belchior.
— Dá para entender por que você não usa o nome — continuou o oficial. — “Fantasma da Antioquia” é muito mais forte, muito mais ameaçador.
Baltasar fitou os magos do outro lado da rua larga.
— Há quanto tempo? — gritou. — Há quanto tempo vocês estão trabalhando para esses cães? Foi assim que eles nos encontraram em Hebrom? Foram vocês que nos entregaram?
— Juro pela minha vida que não fomos nós — disse Gaspar.
— Pela sua “vida”? A sua “vida” não vale a saliva dessa sua boca mentirosa! Você só tem uma vida porque eu o salvei! Eu o salvei! Os dois!
Ali estava. Ali estava a comprovação de tudo aquilo em que Baltasar acreditava. A prova de que os homens eram como cães e de que todos os corações eram cascas vazias. Só é uma pena que eu não possa viver tempo suficiente para esfregar isso na cara de José.
— Você precisa entender — disse Gaspar —, eles nos pegaram no mercado! Eles... eles nos reconheceram. Não tivemos escolha a não ser...
— Mentira!
Baltasar tinha razão. Gaspar vinha considerando traí-los havia dias — principalmente depois de quase serem capturados em Hebrom. E quando ele viu o poderoso Fantasma da Antioquia ser nocauteado por uma mulher, o último resquício de fé que tinha em seu destemido líder se evaporou. Era melhor fechar um acordo e viver do que depender de Baltasar, cuja sorte estava claramente acabando.
— Eles nos ofereceram um perdão — disse Belchior, em um tom de súplica tão idiota que quase dava pena.
Essa parte, ao menos, era verdade. Quando Gaspar abordou os romanos, ele e Belchior receberam a oferta se entregassem o Fantasma da Antioquia e a criança.
— Eles nos ofereceram o perdão se nós os levássemos até...
— Até o quê? — gritou Maria. — Até uma criança? Você não é nem um pouco melhor do que os homens de Herodes! Nenhum de vocês!
Belchior desviou o olhar, obviamente envergonhado.
— Desculpe — disse Gaspar.
— Vá para o inferno — respondeu Baltasar.
Em matéria de xingamentos, aquele deixava muito a desejar. Especialmente considerando-se que Baltasar nem sequer acreditava em tal lugar. Mas, dadas as circunstâncias, foi o melhor que conseguiu proferir. Com toda uma legião romana de olho nele, cercando a casa. Não haveria a ajuda de peregrinos enfurecidos agora. Dessa vez, ou eles seriam capturados ou...
— Baltasar!
Sela estava olhando por uma janela lateral, claramente aflita. Ou no mínimo mais aflita do que qualquer outra pessoa na casa. Baltasar e os outros correram até ela, olharam por entre as cortinas e entenderam por quê.
Eles vão nos queimar.
Um grupo de soldados estava pronto, tochas em mãos, apenas aguardando a ordem. O jovem comandante montado em um cavalo, os olhos correndo da casa cercada para a nuvem comprida e escura pairando no horizonte. Tempestade de areia, pensou. Das grandes, e se aproximando.
Apesar dos temores dos fugitivos de serem carbonizados, Pilatos não tinha intenção de tocar fogo na casa. Havia judeus fanáticos ali, e ele sabia como fanáticos pensavam. Prefeririam se entregar a Deus como oferendas em uma fogueira a se entregarem a um romano infiel como eu. Não, se ordenasse incendiar a casa, seria apenas para observá-los se tornarem mártires sob as chamas. E qual a vantagem disso? E o Fantasma da Antioquia? Que glória haveria em queimá-lo? Pilatos queria levá-lo vivo até seu imperador, um ser trêmulo de medo, e não um amontoado de restos carbonizados. Ao contrário de Herodes, não estava à vontade com a ideia de sujar as mãos com o sangue de mulheres e crianças. A missão já havia tomado proporções sombrias o suficiente.
Havia algo de tenebroso em caçar um recém-nascido com espadas e lanças. Mas Pilatos consolava-se com a ideia de que estava apenas entregando seus alvos àqueles que os iriam julgar. Não era responsável pelo que aconteceria depois disso. O que não deixava Pilatos à vontade era o feiticeiro. O modo como ele assustava os soldados com seus estranhos rituais. Com sua aparência. O poder que parecia ter de conjurar visões e dar vida ao que não tinha vida. A maneira como parecia saber exatamente para onde seus alvos estavam indo. Esse era um tipo muito diferente de escuridão. Um homem que qualquer ser racional saberia que deve temer. Mas, nesse caso, Pilatos tinha as mãos atadas. Era a vontade de Augusto e, portanto, devia ser cumprida. Mas Pilatos tentou manter o feiticeiro do imperador na coleira — mantê-lo preso “para sua própria segurança”. Sob guarda, sozinho em sua tenda. A quilômetros de onde eles estavam ago...
Pare.
Pilatos interrompeu a divagação e voltou para o presente. A imagem do sacerdote simplesmente surgira do nada em sua cabeça, distraindo-o da tarefa diante de si. Ao recuperar a concentração, percebeu que os soldados com as tochas estavam se aproximando da casa, os rostos totalmente impassíveis, movimentando-se de forma abrupta e estranha, como se estivessem sendo manipulados por cordas. A princípio pensou que era algum tipo de brincadeira.
— O que eles estão fazendo? — exclamou Pilatos aos seus oficiais. — O QUE ELES ESTÃO FAZENDO?
Mas ao reparar melhor em seus rostos, Pilatos entendeu. Eles não têm ideia do que estão fazendo.
— PAREM!
Mas já era tarde demais. As tochas foram colocadas ao pé da casa por todos os lados, e, em segundos, as chamas tomaram conta. Subiram pelas paredes, aceleradas pela aridez de toda a cidade de Bersebá. E, embora nunca fosse ter a oportunidade de provar isso, Pilatos iria para o túmulo acreditando que o feiticeiro fora o responsável: invadindo seus pensamentos para distraí-lo. Sentado de pernas cruzadas em sua tenda, os olhos fechados, murmurando algum velho cântico estranho. Controlando seus homens enquanto pensava: Isso é o que você ganha por tentar me controlar, seu verme insignificante.
Lá dentro, Baltasar e os outros recuaram enquanto as chamas subiam pelas janelas, enchendo a sala com um ar abafado e incendiando as cortinas. A fumaça começou a entrar quase que imediatamente, infiltrando-se pelo teto e forçando os fugitivos a se agacharem. Enquanto Maria cobria o rosto do bebê com suas roupas, Sela correu para a parede mais distante do fogo, pegou uma bacia cheia de água e jogou o conteúdo nas cortinas queimadas. Mas foi o mesmo que cuspir em um vulcão. As chamas estavam se espalhando muito depressa, a fumaça já estava densa demais para ser repelida. Eles estavam diante da desagradável escolha de morrerem queimados ou saírem correndo da casa e serem capturados pelos romanos.
Antes que Pilatos pudesse ordenar que seus homens invadissem a casa e capturassem os fugitivos ainda vivos, sua atenção foi desviada do incêndio para uma escuridão a oeste. Nos poucos segundos desde que a vira, a nuvem se aproximara e dobrara de tamanho. Pilatos nunca tinha visto uma tempestade de areia — ou qualquer outra tempestade — se movimentar tão depressa. Mas isso não era a única coisa estranha naquela nuvem. Ela estava zumbindo. A princípio mal dava para ouvir, mas agora era inconfundível. A nuvem estava zumbindo. Emitindo um som constante e estranho — o grito incessante de um animal com raiva. O grito de um deus irado. Um milhão de vozes em uníssono, crescendo a cada segundo.
— Tempestade de areia — disse Gaspar. — Precisamos nos proteger.
— Isso não é uma tempestade de areia — disse Pilatos, os olhos fixos na nuvem que vinha zumbindo.
É um enxame.
Gafanhotos. Milhões deles, voando em uma nuvem tão densa que encobria o sol. Movendo-se tão depressa que desafiavam a natureza. E cruzaram a cidade, tomando as ruas mortas e as casas abandonadas como uma onda, indo direto para cima deles. Não havia mais plantações para comer em Bersebá... ainda assim, eles estavam vindo.
Os homens de Pilatos também os viram. Ouviram o som de milhões de gafanhotos e assistiram à onda tomar conta da cidade. Assim como seu líder, os soldados se afastaram das chamas que subiam as paredes da casa e olharam espantados para a nuvem. Isso não é uma tempestade de areia...
Alguns começaram a sair de formação para tentar se esconder, mas já era tarde demais. No momento em que deram os primeiros passos, a parte da frente da nuvem atingiu os romanos com força suficiente para derrubá-los. O cavalo de Pilatos empinou, assustado, jogando-o no chão. Atordoado e ferido, ele cobriu o rosto com os braços e se encolheu todo, à medida que o enxame barulhento passava por eles. Por todos os lados, homens erguiam seus escudos para proteger o rosto do ataque, e os insetos batiam neles como pedras de um estilingue. E entravam na boca dos que tinham a infelicidade de abri-las, chegando às suas gargantas em grupos de vinte ou trinta de uma só vez e sufocando os soldados com suas carapaças rígidas, mordendo-os por dentro até que o sangue lhes escorresse pela boca e pelo nariz.
O que em um instante fora um cerco organizado de repente se transformou em caos. Um enxame infinito derramando-se sobre os romanos, afogando-os. Cegando-os pela quantidade de insetos e, em alguns casos, cegando-os literalmente, ou seja, comendo os olhos dos soldados. Os homens tentavam espantá-los, esmagá-los com as mãos. Mas a cada inseto morto, dez pareciam tomar seu lugar. Era como tentar espantar alcatrão em chamas.
Ainda encolhido no chão, Pilatos viu um homem rastejar para perto dele, completamente coberto por gafanhotos. O homem se arrastou por alguns metros, depois parou, e os gafanhotos que o cobriam saíram voando, deixando para trás uma confusão de pele rasgada e vísceras expostas. Seus lábios haviam desaparecido, deixando os dentes exibindo um medonho sorriso eterno, e as cavidades oculares eram nada mais que buracos vazios no rosto. Sua carcaça parecia ter sido devorada por corvos durante uma semana. Mas se passaram apenas alguns segundos.
Pilatos ouvia o som dos bichos mastigando por toda parte enquanto os soldados corriam para se proteger em casas vizinhas ou rolavam pelo chão, tentando desesperadamente espantar milhares de insetos de seus braços, pernas e rostos. Ele viu um soldado sentado, as palmas das mãos nas têmporas e o corpo se contorcendo como se houvesse algo se banqueteando em seu crânio. O homem soltou um grito abafado e em seguida caiu, quieto e imóvel. Um momento depois, Pilatos viu os gafanhotos saírem de sua boca e de suas pálpebras antes de voltarem para o enxame. Aqueles insetos não eram burros nem cegos; eles não tinham cruzado metade da África comendo aleatoriamente, de folha em folha, tudo o que encontrassem no caminho. Estavam possuídos por alguma coisa. Estavam seguindo ordens.
Pilatos virou-se para um par de vozes próximas a ele e viu Gaspar e Belchior se rastejando pelo chão, à procura de abrigo, cobertos por um lençol de gafanhotos. Que estranho... os bichos pareciam ter alguns dos homens como alvo, mas evitavam outros completamente. Como eu... pelo menos por enquanto. No caso de Gaspar e Belchior, eles pareciam mais interessados em torturá-los do que em matá-los — atacando sua pele, uma mordida microscópica de cada vez.
Pilatos viu os ladrões se arrastarem, perguntando-se o que tudo aquilo significava. Perguntando-se se o sacerdote ou alguma outra feitiçaria estava por trás daquilo. E se não era o feiticeiro... quem seria? Ele poderia ter ficado ali, observando e se questionando para sempre, ou pelo menos até que os gafanhotos mudassem de ideia e começassem a comer seus olhos, se um de seus tenentes não tivesse agarrado seus braços e o arrastado para uma das casas próximas. Ao ser puxado para dentro, Pilatos viu que as chamas que haviam engolido a frente da casa em que os fugitivos estavam se escondendo começavam a recuar, atacadas pelos corpos dos gafanhotos que se atiravam voluntariamente no fogo, sacrificando-se para apagá-lo, e dando assim às pessoas um tempo precioso para escapar.
Na casa, Maria tinha se virado e enterrado a cabeça no ombro de José, aterrorizada pelos gritos absurdos e horrorizada pela visão dos homens sendo comidos vivos. Baltasar também se afastou — mais perplexo do que horrorizado — e viu-se confrontado por um pequeno rosto sorridente. Apesar do caos nas ruas, apesar dos sons de homens tendo a pele arrancada, o bebê assumira novamente sua postura calma e curiosa. Descansando nos braços da mãe assustada, olhando para Baltasar — não, sorrindo para ele. Sela correu pela sala, fechando as cortinas como se o tecido fino bastasse para conter o enxame. Mas eles não vão entrar, pensou Baltasar. Não vão nem tentar... porque não estão atrás de nós.
De algum jeito, ele sabia. O estranho cometa, quase ofuscante no céu de Belém. O córrego transparente e fresco no deserto árido. Um enxame de gafanhotos derrotando o exército romano. Isolado, qualquer um desses eventos já era estranho. Dois era algo praticamente impossível. Os três juntos? Quase demais até para o cético mais ferrenho. Era uma sensação interessante, observar algo que não podia ser real. E Baltasar deleitou-se com ela por um momento, observando os romanos gritarem, até a razão lhe voltar e uma única palavra atingi-lo com a força de um punho saído das nuvens no céu:
Vá.