VII

Ele Vem da Escuridão

-O ra, veja só isso… quero ser um kushita.

Conan olhava para o homem na cremalheira de ferro.

— Que diabos você está fazendo nessa coisa?

Sons incoerentes vieram por baixo da mordaça e Conan se inclinou e a puxou, arrancando um bramido de medo do prisioneiro, pois sua ação fez com que a bola de ferro descesse, quase tocando seu peito largo.

— Cuidado, em nome de Set! — Olmec implorou.

— Por quê? — Conan inquiriu. — Acha que me importo com o que acontece com você? Só queria ter tempo de ficar aqui e ver esse pedaço de ferro fazê-lo botar as entranhas para fora, mas estou com pressa. Onde está Valéria?

— Solte-me! — Olmec urgiu. — Eu vou contar tudo!

— Conte primeiro.

— Nunca! — As teimosas mandíbulas do príncipe se trancaram.

— Tudo bem — Conan sentou-se em um banco próximo. — Eu a encontrarei sozinho, depois que você tiver sido reduzido a geleia. Acho que posso acelerar esse processo se enfiar a ponta da minha espada na sua orelha — ele acrescentou, apontando a arma experimentalmente.

— Espere! — As palavras saíam agitadas dos lábios pálidos do prisioneiro. — Tascela a tirou de mim. Nunca fui nada além de uma marionete nas mãos dela.

— Tascela? — Conan inquiriu e deu uma cusparada. — Aquela rameira…

— Não, não — Olmec arfou. — É pior do que você pensa. Tascela é velha… tem séculos de idade. Ela renova a sua vida e juventude sacrificando mulheres belas e jovens. Foi uma das coisas que reduziu o clã à sua condição atual. Ela vai sugar a essência vital de Valéria para seu próprio corpo, e florescerá linda e revigorada.

— As portas estão trancadas? — Conan perguntou, testando com o dedão o gume da espada.

— Sim! Mas sei de uma maneira de entrar em Tecuhltli. Só Tascela e eu a conhecemos, e ela acha que estou indefeso e que você está morto. Liberte-me e juro que o ajudarei a resgatar Valéria. Sem minha ajuda, você não conseguirá entrar na cidade, pois, mesmo que me torture para revelar o segredo, não conseguirá fazê-lo funcionar. Solte-me e vamos atraiçoar Tascela e matá-la antes que faça seu feitiço… antes que consiga fixar os olhos em nós. Uma faca nas costas funcionará. Devia tê-la matado há muito tempo, mas temia que, sem ela para nos ajudar, os xotalancas venceriam. Ela também precisava de mim; foi o único motivo pelo qual me deixou viver por tanto tempo. Agora, um não precisa do outro, e um de nós tem que morrer. Juro que, assim que tivermos matado a bruxa, você e Valéria estarão livres para partirem ilesos. Meu povo me obedecerá quando Tascela estiver morta.

Conan se curvou e cortou as amarras do príncipe, e Olmec deslizou cautelosamente para fora da linha de alcance da bola e ficou de pé, balançando a cabeça como um touro e murmurando imprecações, enquanto passava o dedo na cabeça lacerada. Lado a lado, ambos apresentavam um quadro formidável de força primitiva. Olmec era tão alto quanto Conan, e mais pesado; mas havia algo de repelente no tlazitlano, algo abismal e monstruoso que contrastava com a solidez compacta e bem esculpida do cimério. Conan tinha se livrado dos farrapos sujos de sangue de sua camisa e estava com a impressionante muscu latura à vista. Seus ombros eram tão largos quanto os de Olmec, e de contornos mais definidos, e o enorme peito fazia uma curva maior, culminando em uma cintura que não possuía a mesma barriga densa de Olmec. Poderia ser uma imagem de força primordial talhada em bronze. Olmec era mais escuro, mas não por ser bronzeado pelo sol. Se Conan era uma figura saída do alvorecer do tempo, Olmec era uma forma sombria, egressa das trevas que o antecederam.

— Mostre o caminho — Conan exigiu. — E fique na minha frente. Não confio em você mais do que num touro puxado pelo rabo.

Olmec virou-se e seguiu adiante, uma mão se contraindo levemente ao puxar a barba emaranhada.

Ele não levou Conan de volta à porta de bronze, a qual o príncipe supunha que Tascela havia naturalmente trancado, mas a uma câmara que ficava nos limites de Tecuhltli.

— Este é um segredo guardado há meio século — disse. — Nem nosso próprio clã sabia sobre ele, e os xotalancas jamais o descobriram. O próprio Tecuhltli construiu esta passagem e, depois, matou os escravos que fizeram o trabalho, pois temia que um dia acabasse trancado para fora de seu reino, considerando o desprezo de Tascela, cuja paixão por ele logo se transformou em ódio. Mas ela descobriu o segredo e, certa vez, barrou a porta secreta quando ele voltava de um ataque malsucedido. Foi quando os xotalancas o apanharam e esfolaram. Só que, em uma ocasião, quando a espiava, eu a vi entrar em Tecuhltli por esta rota, descobrindo seu segredo.

Ele pressionou um ornamento de ouro na parede e um painel virou para dentro, revelando uma escada de marfim que levava para cima.

— Esta escada foi construída dentro da parede. Ela conduz a uma torre no telhado, de onde outra escadaria desce até diversas câmaras. Rápido, agora!

— Depois de você, colega! — Conan retorquiu satiricamente, brandindo sua lâmina enquanto falava, e Olmec deu de ombros e subiu os degraus. Conan o seguiu, e a porta fechou-se atrás de ambos. Lá em cima, um aglomerado de joias de fogo tornava a escadaria uma fonte crepuscular de luz draconiana.

Subiram até Conan estimar que estivessem acima do nível do quarto andar, e a seguir desembocaram em uma torre cilíndrica, no telhado abobadado em que estavam as joias de fogo que iluminavam o ambiente. Através de janelas com grades de ouro, presas com painéis de cristal inquebrável, as primeiras janelas que via em Xuchotl, Conan captou um vislumbre de cumes altos, domos e mais torres, avultando-se pretos contra as estrelas. Estava olhando os telhados de Xuchotl.

Olmec não olhou pelas janelas. Seguiu para uma das diversas escadarias que saíam da torre e, quando haviam descido alguns degraus, ela tornou-se um estreito corredor que continuou sinuosamente por certa distância. Ele se deteve em um íngreme lance de degraus que levava para baixo. Ali, Olmec parou.

De cima para baixo, inequivocamente, veio o grito de uma mulher, repleto de medo, fúria e vergonha. E Conan reconheceu a voz de Valéria.

Na ira veloz despertada pelo grito e no espanto de perguntar-se qual perigo poderia arrancar um guincho como aquele dos lábios implacáveis da pirata, o bárbaro esqueceu-se de Olmec. Passou pelo príncipe e começou a descer. Seus instintos o fizeram cair em si bem quando Olmec o atingiu com o punho fechado como uma marreta. O ataque, silencioso e feroz, mirava a nuca, mas o cimério virou-se em tempo de receber o golpe na lateral do pescoço. O impacto teria quebrado as vértebras de um homem menos capaz. Conan apenas recuou e, ao fazê-lo, soltou a espada, inútil naquela curta distância, e agarrou o braço estendido de Olmec, arrastando o príncipe consigo ao cair. Eles mergulharam de cabeça pelos degraus num redemoinho de membros, troncos e cabeças. Enquanto caíam, os dedos de ferro de Conan encontraram e se fecharam no pescoço taurino de Olmec.

O pescoço e o ombro do bárbaro estavam dormentes por causa do impacto do punho, que aplicou toda a força do antebraço maciço, do tríceps grosso e do ombro largo, mas isso não afetou sua ferocidade. Ele continuou segurando firme como um bulldog, até que ambos bateram contra uma porta com painel de marfim no final das escadarias, atingindo-a com força tal que a despedaçaram e atravessaram seus destroços. Mas Olmec já estava morto, pois aqueles dedos de ferro haviam expulsado a vida do corpo, quebrando o pescoço na queda.

Conan se levantou e se sacudiu para tirar as lascas dos ombros, piscando para tirar o pó e o sangue da vista.

Estava na grande sala do trono. Havia quinze pessoas no local, além de si. A primeira que viu foi Valéria. Existia um curioso altar preto sobre a plataforma do trono. Alinhadas ao redor, sete velas pretas sobre candelabros dourados lançavam espirais de uma densa fumaça verde de odor perturbador. As espirais se uniam em uma nuvem perto do teto, formando um arco esfumado acima do altar, onde Valéria estava nua, a pele branca reluzindo em um chocante contraste com a pedra de ébano. Ela não estava amarrada. Jazia deitada com os braços estendidos acima da cabeça. Um jovem ajoelhado imobilizava firmemente os punhos dela, e uma mulher, na extremidade oposta, segurava os tornozelos. A pirata não conseguia se levantar ou mover.

Onze homens e mulheres de Tecuhltli se ajoelhavam mudos em um semicírculo, assistindo à cena com olhos ardentes e lascivos.

Tascela se refestelava no trono de marfim. Tigelas de bronze com incenso desenrolavam suas espirais em torno dela; os tufos de fumaça envolviam os braços nus como dedos acariciando-a. Ela não conseguia sentar-se reta; contorcia-se e mudava de posição com um abandono sensual, como se sentisse prazer no contato do marfim com a pele macia.

O barulho da porta quebrando-se ao impacto dos corpos não causou alterações na cena. Os homens e mulheres ajoelhados olharam curiosamente para o cadáver de seu príncipe e para o homem que se levantou dos escombros da porta. Então desviaram o olhar vorazmente de volta para a forma branca sobre o altar preto. Tascela olhou para ele com insolência e se esparramou no assento, gargalhando zombeteiramente.

— Rameira! — Conan via tudo vermelho na sua frente. As mãos crisparam, tornando-se martelos de ferro, ao que ele arremeteu contra ela. Ao primeiro passo, alguma coisa soou alta e o aço mordeu brutalmente sua perna. Ele tropeçou e quase caiu, freando a longa passada. As mandíbulas de uma armadilha de ferro tinham se fechado em sua perna, os dentes mergulhando fundo na carne. Foi a musculatura fibrosa de sua panturrilha que impediu o osso de se partir. A coisa amaldiçoada tinha brotado do chão esfumaçado sem aviso. Agora ele via as fendas no piso, onde as mandíbulas estavam perfeitamente camufladas.

— Tolo! — Tascela zombou. — Achou que eu não me protegeria contra seu possível retorno? Cada porta desta câmara é guardada por armadilhas como essa. Agora fique aí e assista, enquanto concretizo o destino de sua linda amiga! Só depois decidirei qual será o seu.

As mãos de Conan buscaram seu cinto por instinto, somente para encontrar a bainha vazia. Sua espada tinha ficado nas escadas, atrás dele. O punhal estava na floresta, onde o dragão o arrancara de sua mandíbula. O dente de aço em sua perna queimava como brasa, mas a dor não era tão selvagem quanto a fúria que fervia em sua alma. Ele caíra como um lobo em uma armadilha. Se estivesse com a espada, deceparia sua perna e rastejaria pelo chão para matar Tascela. Os olhos de Valéria caíram sobre ele com um apelo mudo, e sua própria impotência enviou ondas escarlates de loucura para seu cérebro.

Ajoelhando-se sobre a perna livre, ele se esforçou para colocar os dedos entre as mandíbulas da armadilha, para separá-las valendo-se de força bruta. Sangue começou a escorrer por entre suas unhas, mas as mandíbulas tinham se encai xado em volta da perna em um círculo cujos segmentos se uniam perfeitamente, contraídas até não haver espaço entre a carne dilacerada e as presas de ferro. A visão do corpo nu de Valéria acrescentava mais labaredas à sua fúria flamejante.

Tascela o ignorou. Levantando preguiçosamente de seu assento, varreu as fileiras de súditos com um olhar inquiridor e perguntou:

— Onde estão Xamec, Zlanath e Tachic?

— Eles não voltaram das catacumbas, princesa — um homem respondeu. — Como o restante de nós, levaram corpos para as criptas, mas não retornaram. Talvez o fantasma de Tolkemec os tenha pegado.

— Quieto, tolo! — Ela ordenou bruscamente. — O fantasma é um mito.

Ela desceu da plataforma, brincando com um fino punhal de cabo de ouro. Seus olhos queimavam mais do que qualquer coisa no lado de cá do Inferno. Ela parou perto do altar e falou numa quietude angustiante.

— Sua vida me tornará jovem, mulher! Vou me inclinar sobre seu peito, colocar meus lábios sobre os seus e, lentamente… ah, lentamente… afundar a lâmina no seu coração, de modo que sua vida, fugindo de seu corpo enrijecido, entre no meu, fazendo com que eu volte a florescer com juventude e vida eternas.

Devagar, como uma serpente arqueando sobre sua vítima, ela curvou-se em meio à fumaça, cada vez mais próxima da mulher imóvel que a encarava com os olhos arregalados… o olhar mais largo e intenso, ardendo como luas negras sob o turbilhão de fumaça.

O povo ajoelhado apertou as mãos e prendeu a respiração, apreensivo pelo clímax sangrento, e o único som era a feroz respiração de Conan, que lutava para libertar a perna da armadilha.

Todos os olhos estavam grudados no altar e na figura branca que lá estava; o estrondo de um raio não poderia ter rompido o feitiço. Contudo, foi o som de um brado grave que despedaçou a imutabilidade da cena e fez com que todos se virassem… um brado grave, porém capaz de fazer os cabelos se arrepiarem. Eles olharam… e viram.

Emoldurada na porta à esquerda da plataforma estava uma figura saída de pesadelos. Era um homem de cabelos brancos emaranhados e uma barba branca que cobria o peito. Farrapos escondiam parcialmente o corpo magro, revelando braços nus de aparência estranhamente inatural. A pele era diferente da pele de qualquer humano normal. Havia uma sugestão escamosa, quase como se o dono tivesse vivido por muito tempo sob condições opostas àquelas em que a vida humana normalmente prospera. E não havia nada de humano nos olhos que ardiam sob aquele emaranhado de fios brancos. Eram grandes discos brilhando que encaravam sem piscar, luminosos, pálidos e sem qualquer insinuação de sanidade ou de alguma emoção normal. A boca se abriu, mas sem emitir palavras coerentes… somente uma risada aguda.

— Tolkemec! — Tascela sussurrou, lívida, enquanto os demais se agacharam em inominável pavor. — Então, não era mito nem fantasma. Você viveu nas trevas por doze anos! Doze anos entre os ossos dos mortos! Que comida terrível encontrou? A que existência insana e grotesca você se entregou na escuridão completa da noite eterna? Agora vejo por que Xamec, Zlanath e Tachic não voltaram das catacumbas… e jamais o farão. Mas por que demorou tanto para atacar? Estava procurando algo nos poços? Alguma arma secreta que sabia estar escondida lá e que encontrou afinal?

Aquela hedionda risada foi a única resposta de Tolkemec, que deu um longo salto para dentro do cômodo, passando por cima de uma armadilha secreta diante da porta… por acaso ou por alguma lembrança do modo de ser de Xuchotl. Ele não estava louco tal qual um homem fica. Tinha vivido afastado da humanidade por tanto tempo, que não era mais humano. Apenas um filete de memória inquebrável, personificado pelo ódio e pela necessidade de vingar-se, o conectava com a humanidade da qual fora separado e o mantivera espreitando de perto o povo que odiava. Só aquele filete o impedira de correr e cabriolar para sempre nos corredores escuros e reinos do mundo subterrâneo, os quais descobrira há tanto tempo.

— Você procurava algo escondido! — Tascela sussurrou, recuando. — E encontrou! Você se lembra da contenda! Depois de todos esses anos de escuridão, ainda se lembra!

Pois, na mão magra de Tolkemec, agora oscilava uma curiosa varinha de cor jade, em cuja extremidade brilhava uma protuberância carmesim, moldada como uma romã. Ela se desviou para o lado quando ele estocou como se fosse uma lança, e um feixe de fogo vermelho foi disparado da romã. Ele errou Tascela, mas a mulher que segurava os tornozelos de Valéria estava no caminho. Atingiu-a entre as escápulas. Houve um som agudo de algo se rompendo e o raio brilhou através do peito dela, atingindo o altar negro e lançando faíscas azuis. A mulher caiu para o lado, murchando e enrugando como uma múmia.

Valéria rolou do altar para o lado oposto e engatinhou até a parede, pois o inferno tinha eclodido na sala do trono do falecido Olmec.

O homem que segurava as mãos de Valéria foi o próximo a morrer. Ele virou-se para correr, mas, antes que tivesse dado meia dúzia de passos, Tolkemec, com agilidade surpreendente para sua estrutura corporal, posicionou-se de forma a ficar entre ele e o altar. A rajada de fogo tornou a ser disparada e o tecuhltli caiu sem vida, enquanto o feixe concluiu sua trajetória com uma explosão de faíscas azuis no altar.

A seguir, teve início a matança. As pessoas começaram a correr pela câmara gritando insanamente, trombando umas com as outras, tropeçando e caindo. E, entre elas, Tolkemec saltava e se pavoneava, distribuindo a morte. Elas não podiam fugir pelas portas, pois, aparentemente, o metal delas atuava como o altar de pedra, com seus veios metálicos completando o circuito condutor daquele poder infernal que era disparado na forma de raios pela varinha mística brandida pelo ancião. Quando apanhava um homem ou mulher entre a varinha e a porta, ou o altar, era morte instantânea. Não escolhia nenhuma vítima em especial. Aceitava-as como vinham, com seus farrapos esvoaçando ao redor dos braços que giravam selvagemente, e os ecos tempestuosos de suas gargalhadas se sobrepunham aos gritos no cômodo. E os corpos caíram como folhas em volta do altar e das portas. Em desespero, um guerreiro arremeteu contra ele segurando um punhal, somente para cair antes que pudesse golpeá-lo. Mas os demais eram como gado enlouquecido, sem pensar em resistir, sem chance de escapar.

O último tecuhltli, com exceção de Tascela, tinha caído quando a princesa alcançou o cimério e a garota que tinha se refugiado ao lado dele. Tascela se abaixou e tocou o chão, pressionando um desenho sobre ele. Imediatamente, as mandíbulas de ferro soltaram a perna ensanguentada e afundaram no piso.

— Mate-o, se puder! — Ela arfou, entregando-lhe uma faca pesada. — Minha magia não faz frente à dele!

Com um grunhido, Conan saltou diante da mulher, sem ligar para a perna lacerada no calor do combate. Tolkemec estava indo na direção dele, os estranhos olhos ardendo, porém, hesitou ao ver a faca na mão de Conan. Então, um jogo sinistro começou, ao que Tolkemec buscava circular Conan e pôr o bárbaro entre ele e o altar, ou uma porta de metal, enquanto o cimério tentava evitar isso e estocá-lo com a faca. Tensa, a mulher observava, prendendo o fôlego.

Não havia som, exceto o arrastar dos passos velozes. Tolkemec havia parado de saltar e se vangloriar. Percebera estar diante de um oponente mais perigoso do que as pessoas que tinham morrido aos berros, tentando fugir. Na chama elemental dos olhos do bárbaro, ele lia uma intenção tão mortífera quanto a sua. Eles trançavam para a frente e para trás e, quando um se mo via, o outro também o fazia, como se fios invisíveis os atassem. Mas o tempo todo Conan se aproximava cada vez mais do seu inimigo. Os músculos de suas coxas já estavam se preparando para saltar, quando Valéria gritou. Por um instante fugidio, uma porta de bronze estava alinhada ao corpo em movimento do cimério. O feixe vermelho foi disparado, cauterizando o flanco de Conan, que se esquivou contorcendo-se. E, no mesmo instante em que se movia, arremessou a faca. O velho Tolkemec caiu, finalmente morto, o cabo vibrando em seu peito.

Tascela deu um salto; não na direção de Conan, e sim para a varinha que brilhava no chão como se estivesse viva. Mas Valéria pulou ao mesmo tempo que ela, com um punhal que apanhara de um morto. A lâmina, impelida com toda a força dos músculos da pirata, empalou a princesa de Tecuhltli, de modo que a ponta se pronunciou entre seus seios. A mulher gritou uma vez e caiu morta, e Valéria empurrou o corpo inerte com o calcanhar.

— Tinha de fazer isto em nome de meu autorrespeito — disse, olhando para Conan por sobre o cadáver.

— Bem… isso põe fim à contenda — ele grunhiu. — Foi uma noite infernal! Onde essas pessoas guardam a comida? Estou faminto!

— Você precisa enfaixar essa perna. — Valéria rasgou uma tira de seda de uma tapeçaria pendurada e envolveu sua cintura; a seguir, rasgou tiras menores, que usou para enfaixar com eficiência o membro lacerado do bárbaro.

— Eu consigo andar — ele assegurou. — Vamos embora daqui. Já amanheceu fora desta cidade maldita. Cansei de Xuchotl. Foi bom que o povo daqui exterminou a si mesmo. Não quero nenhuma dessas joias amaldiçoadas. Devem ser assombradas.

— No mundo tem bastante pilhagem imaculada para nós dois — ela disse, endireitando-se para ficar de pé e esplêndida diante dele.

A velha chama voltou aos olhos do cimério e, desta vez, Valéria não resistiu quando ele a apanhou em seus braços ferozes.

— É um longo caminho até a costa — ela disse, enfim, separando seus lábios dos dele.

— E daí? — Ele riu. — Não há nada que não possamos conquistar. Estaremos com os pés no convés de um navio antes que os stygios abram seus portos para a temporada de comércio. E vamos mostrar ao mundo o que é pilhar de verdade!