Capítulo 24

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Saímos de casa lá pelas nove. Um carro nos esperava do lado de fora. Acomodei-me no banco de trás com duas garotas que reconheci da escola, enquanto Georgia se sentava no banco do carona e dava um selinho nos lábios de um cara bonito que eu nunca tinha visto.

Eu sabia que era desse jeito que Georgia cumprimentava os rapazes de quem gostava, de modo que decidi pedir detalhes mais tarde. Ela fez as apresentações.

— Lawrence, inglês; Mags, irlandesa; Ida, sueca. Esta é minha irmã, Kate, que precisa desesperadamente de uma noite divertida. Se ela voltar entediada para casa, vou jogar toda a culpa em vocês.

Ela aumentou o som do rádio, Lawrence manobrou o carro, e partimos.

O bar ficava em uma região meio barra pesada na parte leste de Paris, popular entre artistas, modelos e músicos que ainda não tinham alcançado o sucesso. Vários bares da moda tinham aparecido ali nos últimos anos, e as calçadas estavam tomadas por grupinhos de gente supermoderna, encolhendo-se de frio enquanto fumavam do lado de fora.

Paramos diante de um edifício num beco que parecia tremer com a batida da música que vinha lá de dentro. Um segurança imenso postava-se à porta, usando apenas jeans e uma camiseta branca bem ajustada sobre seus peitorais impressionantes. Lawrence gritou algo acima da música ensurdecedora, e o homem entreabriu a porta para que entrássemos.

O lugar era grande como um salão de baile, mas tinha só dois metros e meio de altura. Uma cabine de DJ estava a um lado, com um longo balcão iluminado com luz fluorescente ocupando toda a parede oposta. O ambiente fora escavado na rocha viva, com colunas de concreto esparsas sustentando o teto. Luzes brancas colocadas nos cantos davam uma aparência estranha e teatral às paredes irregulares da caverna.

— Bebidas! — gritou Georgia, e fomos em direção ao bar.

Com um sotaque britânico, Lawrence me perguntou o que eu queria, e pediu refrigerantes para nós dois.

— Motorista da noite — informou, piscando e sorrindo.

Fizemos um brinde tocando nossos copos e nos viramos, apoiando as costas no balcão.

— E aí, você e Georgia...? — perguntei, para que Lawrence preenchesse as lacunas.

— Não, eu gosto de caras — ele respondeu, seu sorriso criando covinhas nas faces.

— Certo — disse eu, chupando o canudinho, e voltamos a observar o salão.

Eu nunca deixava de me surpreender com o talento impecável de Georgia para descobrir os lugares mais novos e mais badalados. Gente bonita dançava no centro da pista, e uma multidão se aglomerava ao redor, ombros recurvados para diante, numa magreza hipster, afetada e supertransada. Localizei uma famosa atriz jovem sentada em um canto, com um bando de admiradores que fingiam não estar babando por ela; largado sobre uma pilha de almofadas em uma alcova escavada na parede, vi o vocalista de uma cultuada banda britânica.

A poucos metros de mim, minha irmã beijava no rosto um cara que parecia um modelo, quando vi uma figura máscula cruzando a sala, de forma lenta mas decidida, e vindo em nossa direção. As pessoas o saudavam batendo em suas costas à medida que ele percorria a multidão.

Quando já estava bem perto, Georgia pôs o copo no balcão e jogou os braços para cima. Ele a ergueu pela cintura.

— Georgia, minha sensual beldade do sul dos Estados Unidos — ele exclamou, colocando-a de volta no chão.

Eu sorri. O fato de que nunca tivéssemos vivido no sul era um simples detalhe. Georgia havia aproveitado as inúmeras férias que passamos no estado natal de minha mãe para cultivar um sotaque denso como melado, pelo qual Scarlett O’Hara teria barganhado seu espartilho. Quando estava a fim, Georgia usava tal sotaque, junto com o nome, para insinuar que vínhamos de algum lugar mais “exótico” do que o Brooklyn. Os estrangeiros, pelo menos os que falavam inglês bem o suficiente para distinguir sotaques, caíam direitinho.

O homem se inclinou para lhe dar um beijo nos lábios. O fato de aquele beijo ter durado um segundo inteirinho mais do que os outros que ela já distribuíra para lá e para cá me fez desconfiar de que aquele cara era alguém especial.

Pegando-o pela mão, ela o arrastou até mim. Conseguindo afinal ter uma visão desimpedida dele, notei que era tudo o que Georgia sempre buscava, combinado em um só homem. Pelo menos um e noventa e cinco de altura, ele parecia uma mistura entre um surfista e um jogador de rúgbi: cabelo revolto loiro e pele bronzeada, musculoso o suficiente para penetrar sozinho toda uma linha de defesa. Os olhos castanhos eram tão límpidos e cristalinos que pareciam mel congelado. E o modo como ele segurava Georgia, com jeito de dono, confirmava que havia algo entre eles.

— Finalmente nos conhecemos! Kate, a irmã mais nova de Georgia. Ouvi muito sobre você. Não tinha me contado que ela era tão bonita, Georgia.

— E por que eu ia fazer uma coisa dessas? — ela disse, com seu sotaque, e então se virou para mim. — Kate, este é Lucien. Ele é o dono do bar.

— Prazer em conhecê-lo — cumprimentei.

Ele estreitou os ombros de Georgia e sussurrou algo no ouvido dela. Então, erguendo-se em toda sua altura, ele fez um sinal ao barman, indicando nosso grupo.

— Doce Georgia Brown — admirou-se Lawrence, a meu lado. — Bebida grátis a noite inteira. Sua irmã tem o toque mágico.

— Eu sei — admiti, observando Lucien beijar a mão de minha irmã antes de se deixar ser arrastado para longe por um gerente que parecia frenético. Enquanto desaparecia na multidão, ele sorriu e piscou para mim.

Um grupo de sujeitos de aparência displicente entrou no recinto e veio em nossa direção. Lawrence chegou mais perto e disse:

— Alerta de banda. Esses aí são a novidade mais quente da cidade.

— Então devem ser amigos de Georgia — suspirei.

Ele sorriu e concordou. Os caras chegaram e um deles foi direto até Georgia. Sem dizer uma palavra, tirou-a para a pista. Ela se debruçou sobre ele e gritou-lhe algo ao ouvido, e então sorriu quando um dos amigos dele veio até mim e pegou minha mão.

— Alex — gritou o cara, afastando dos olhos o cabelo comprido.

Dançamos perto de Georgia e de seu amigo as músicas seguintes. Os olhos azuis faiscantes e o sorriso sedutor de Alex conseguiram fazer com que meu coração batesse de novo. A forma como ele sorria para mim, curtindo minha companhia, revelava que ele não se incomodava em ter sido designado meu “garoto de festa”. Ele era atraente. Era humano. Então por que eu não conseguia relaxar e me divertir?

Finalmente cheguei mais perto para dizer que ia pegar uma bebida. Ele me olhou meio chateado e fingiu mandar um beijo sexy, e então me afastei. Chutei-me mentalmente por minha estupidez, mas eu sabia que não podia fazer outra coisa. Não naquela noite. Não por algum tempo. Não até que a face de Vincent deixasse em paz meu cérebro dolorido.

Quando voltei ao bar, Lawrence já não estava lá, mas, ao me ver, o barman na hora serviu outro copo de refrigerante. Peguei-o e fui me sentar em uma almofada gigante junto à parede.

Encostada na pedra fria, apertei os olhos enquanto observava por alguns minutos os movimentos ondulantes da massa compacta de gente, e então fechei-os. Deixei a música penetrar em meu cérebro com sua batida hipnótica.

— Cansada? — ouvi uma voz baixa, suave, segundos mais tarde.

Abrindo os olhos, vi que Lucien tinha pegado uma almofada e estava sentado a meu lado. Sorri para ele. Ele não parecia tão durão, agora que não estava tentando manter afastada uma hoste de puxa-sacos, mas havia uma leve aura de frieza pairando sobre ele. Ser o proprietário de um dos bares mais badalados da cidade tem que afetar o ego de algum jeito, disse a mim mesma.

— Não exatamente, só não estou a fim de dançar.

— Certo. A irmã de Georgia tem namorado?

Esse cara é mesmo direto.

— Ah, não. Não no momento.

— Ótimo, é uma excelente notícia para meus amigos! — ele exclamou, esfregando as mãos para dar efeito.

— Hã. Não estou de fato... disponível.

— Mas você não se importaria em conhecer pessoas. — Ele ergueu uma densa sobrancelha loira.

— Na verdade...

Sem se dar o trabalho de ouvir minha resposta, ele ficou em pé e levou meu copo vazio de volta para o balcão, retornando com um cheio.

— Você tem que ir com Georgia à festa que vou dar daqui a duas semanas. Todo mundo que é alguém vai estar lá. — Ele se abaixou e me entregou o copo. — Incluindo você!

Seu toque bem-humorado em meu ombro me provocou uma reação visceral inesperada: eu me esquivei. Pela forma como o corpo dele ficou tenso quando ele se ergueu, percebi que havia notado. O que tem de errado com você?, me repreendi, surpresa com minha reação. Ele só estava tentando ser simpático, mas eu devia estar muito fora de forma com relações sociais. Antes que eu pudesse dizer algo para consertar meu gesto involuntário de rejeição, ele se virou para falar com alguém que esperava impaciente por sua atenção. Tomei um gole de meu refrigerante e chequei o celular. Ainda não era nem meia-noite.

Ficando em pé, passei por entre as pessoas que dançavam e cheguei até Georgia. Ela me deu um sorriso de preocupação e sacudi a cabeça.

— Desculpe, Georgia. Não estou mesmo no clima. Vou para casa — berrei acima da música, apontando na direção da porta para o caso de ela não conseguir me ouvir.

— Tudo bem. Você consegue voltar sozinha?

— Vou tomar um táxi.

Ela me abraçou e então disse algo para o cara com quem estava dançando. Sorrindo, ele pegou minha mão e me levou através da pista até a porta. Enquanto eu apanhava meu casaco, ele pegou seu celular e chamou um táxi para mim. Em seguida, me acompanhou até a rua e esperou que o carro estacionasse junto à calçada.

— Obrigada — disse-lhe.

Ele acenou, já voltando para dentro.

Ao abrir a porta do táxi, olhei ao longo do beco e vi Lucien parado do lado de fora, falando ao celular. Quando ergueu os olhos e me viu, levantei a mão para acenar em despedida. Ele deu um sorriso confiante e devolveu a saudação.

Um rapaz magro e ruivo que estava com ele virou a cabeça para ver quem Lucien estava saudando, mas depressa olhou em outra direção.

Prendi a respiração e continuei a olhar fixamente enquanto o carro se afastava. Um segundo havia sido o suficiente para que eu reconhecesse o jovem de expressão amargurada. Era Charles.