Na seção anterior, foi demonstrado, entre outras coisas, como, mantendo-se constante a taxa de mais-valor, a taxa de lucro pode aumentar ou diminuir. No presente capítulo, pressupõe-se que o grau de exploração do trabalho e, por conseguinte, a taxa de mais-valor e a extensão da jornada de trabalho sejam de igual grandeza, apresentem o mesmo nível em todas as esferas da produção em que se divide o trabalho social em dado país. Adam Smith já demonstrou detalhadamente as muitas diferenças da exploração do trabalho em diversas esferas da produção, como tais diferenças se nivelam graças a toda sorte de razões compensadoras reais ou aceitas por um preconceito e que, por isso, na qualidade de diferenças só aparentes e efêmeras, não são levadas em conta na investigação das relações gerais. Outras diferenças – por exemplo, no nível do salário – fundam-se em grande parte na distinção, que já mencionamos no começo do Livro I, p. 19 [121-2], entre trabalho simples e complexo e, embora tornem muito desigual o destino dos trabalhadores em diferentes esferas da produção, não afetam de modo nenhum o grau de exploração do trabalho nessas esferas. Por exemplo, se o trabalho de um ourives é mais bem remunerado que o de um diarista, o mais-trabalho do ourives também produz, na mesma proporção, um mais-valor maior que o do diarista. Ainda que a equiparação dos salários e das jornadas de trabalho – e, por conseguinte, da taxa do mais-valor entre diversas esferas da produção ou, mais ainda, entre diferentes investimentos de capital na mesma esfera da produção – seja dificultada por uma série de obstáculos locais, ela se consuma, não obstante, cada vez mais, com o progresso da produção capitalista e a subordinação de todas as relações econômicas a esse modo de produção. Por mais importante que possa ser o estudo de tais conflitos salariais para cada trabalho específico, devemos desconsiderá-lo na investigação geral da produção capitalista, na medida em que se ocupa de elementos acidentais e inessenciais. Numa investigação geral, pressupõe-se sempre que as relações reais correspondam a seu conceito ou, o que é o mesmo, que as relações reais só se apresentam na medida em que expressam seu próprio tipo geral.
Para a presente investigação, é absolutamente irrelevante a diferença entre as taxas de mais-valor em diferentes países e, por conseguinte, entre os graus nacionais de exploração do trabalho. Do que se trata, nesta seção, é de expor concretamente de que modo se estabelece uma taxa geral de lucro em um país. No entanto, é evidente que ao comparar as diversas taxas nacionais de lucro é preciso apenas relacionar o que foi desenvolvido antes com o que desenvolveremos aqui. Primeiramente, temos de examinar a diversidade entre as taxas nacionais do mais-valor, depois do que devemos considerar, com base nessas taxas dadas de mais-valor, a diversidade das taxas nacionais de lucro. Onde essa diversidade não brote da diversidade das taxas nacionais de mais-valor, ela tem necessariamente de resultar de circunstâncias em que, como na investigação realizada neste capítulo, o mais-valor é pressuposto como igual, constante por toda parte.
No capítulo anterior, mostramos que, sendo constante a taxa de mais-valor, a taxa de lucro gerada por um capital determinado pode aumentar ou diminuir por efeito de circunstâncias que elevam ou abaixam o valor de uma ou outra parte do capital constante e, desse modo, afetam em geral a proporção entre os componentes constante e variável do capital. Além disso, observamos que as circunstâncias que prolongam ou abreviam o tempo de rotação de um capital podem afetar de maneira similar a taxa de lucro. Sendo a massa do lucro idêntica à do mais-valor, ao próprio mais-valor, ficou igualmente claro que a massa do lucro – diferentemente da taxa de lucro – não é afetada pelas flutuações de valor a que acabamos de nos referir. Estas alteram somente a taxa em que se expressa um mais-valor dado e, por conseguinte, também um lucro de grandeza dada, quer dizer, sua grandeza relativa, sua grandeza comparada com a grandeza do capital investido. Sempre que, em consequência dessas oscilações de valor, uma parte do capital é vinculada ou liberada, pode ocorrer que por essa via indireta resulte afetada não só a taxa de lucro, mas o próprio lucro. No entanto, isso se refere apenas ao capital já comprometido, não aos novos investimentos de capital; além disso, o aumento ou a diminuição do próprio lucro depende sempre de que, em consequência daquelas flutuações de valor, seja possível mobilizar com o mesmo capital uma quantidade maior ou menor de trabalho, ou seja, de que com o mesmo capital – mantendo-se constante a taxa do mais-valor – ele possa produzir uma massa maior ou menor de mais-valor. Muito longe de contradizer a lei geral ou de constituir uma exceção a ela, essa aparente contradição era apenas, de fato, um caso especial da aplicação da lei geral.
Na seção anterior demonstramos que, com um grau de exploração constante do trabalho, a taxa de lucro se modificava com a variação do valor dos componentes do capital constante, assim como com a variação do tempo de rotação do capital, do que se depreende que as taxas de lucro de diversas esferas coexistentes da produção serão distintas se, mantendo-se constantes as demais circunstâncias, houver diferença no tempo de rotação dos capitais empregados ou na relação de valor entre os componentes orgânicos desses capitais nos diversos ramos da produção. O que antes examinávamos como alterações sucessivas dentro do mesmo capital, examinamos agora como diferenças que se manifestam simultaneamente entre investimentos coexistentes de capital em distintas esferas da produção.
Cabe-nos examinar: 1) a diversidade da composição orgânica dos capitais; 2) a diversidade de seus tempos de rotação.
Em toda essa investigação partimos, naturalmente, do pressuposto de que, quando falamos da composição ou da rotação do capital em determinado ramo da produção, estamos sempre tratando da relação média normal do capital investido nesse ramo da produção e, em geral, da média do capital total investido nessa esfera determinada, e não das diferenças acidentais entre os capitais individuais nela investidos.
Como, além disso, está presumido que a taxa de mais-valor e a jornada de trabalho são constantes e como esse pressuposto inclui igualmente um salário constante, dada quantidade de capital variável expressará certa quantidade de força de trabalho posta em movimento e, por conseguinte, uma quantidade determinada de trabalho que se objetiva. Assim, se £100 representam o salário semanal de 100 trabalhadores, ou seja, indicam uma força de trabalho de 100, então n × £100 indica a força de trabalho de n × 100 trabalhadores, e £100/n, a força de trabalho de 100/n trabalhadores. O capital variável serve aqui, portanto (como é o caso sempre que há um salário dado), como índice da massa de trabalho mobilizada por um capital total determinado, de modo que a diversidade da grandeza do capital variável empregado serve como índice da diversidade da massa de força de trabalho empregada. Se £100 representam 100 trabalhadores semanais – e, por conseguinte, no caso de 60 horas de trabalho semanal, representam 6.000 horas de trabalho –, então £200 representarão 12.000 horas de trabalho, e £50, apenas 3.000 [horas de trabalho].
Por composição do capital, entendemos, como já foi exposto no Livro I, a proporção entre seus componentes ativo e passivo, entre o capital variável e o constante. Nisso entram em consideração duas proporções, não de igual importância, ainda que, sob dadas circunstâncias, possam produzir o mesmo efeito.
A primeira proporção se baseia num fundamento técnico e deve ser considerada dada num estágio determinado da evolução da força produtiva. Para produzir numa jornada de trabalho, por exemplo, uma determinada massa de produto e, por conseguinte – o que está aí incluído –, pôr em movimento, consumir produtivamente certa massa de meios de produção, maquinaria, matérias-primas etc., requer-se uma determinada massa de força de trabalho, representada por um determinado número de trabalhadores. A uma determinada quantidade de meios de produção corresponde um determinado número de trabalhadores e, portanto, a uma determinada quantidade de trabalho já objetivado nos meios de produção corresponde uma determinada quantidade de trabalho vivo. Tal proporção é muito variável em diversas esferas da produção, com frequência entre os diversos ramos de uma mesma indústria, ainda que casualmente ela possa ser igual ou quase a mesma em ramos muito diferentes.
Esse fator é a composição técnica do capital e constitui a verdadeira base de sua composição orgânica.
Mas também pode ocorrer que essa proporção seja a mesma em diversos ramos da indústria, no caso em que o capital variável é um mero índice de força de trabalho e o capital constante simplesmente um índice da massa de meios de produção que a força de trabalho mobilizou. Por exemplo, certos trabalhos em cobre e ferro podem pressupor uma mesma proporção entre a força de trabalho e a massa de meios de produção. Mas, como o cobre é mais caro que o ferro, a proporção de valor entre os capitais variável e constante será distinta em ambos os casos, alterando também a composição de valor de ambos os capitais em conjunto. Em cada ramo da indústria, a diferença entre a composição técnica e a composição de valor se mostra no fato de que a proporção de valor entre ambos os capitais pode variar ainda que permaneça constante a composição técnica e, pelo contrário, pode permanecer invariável ainda que a composição técnica varie; este último caso só ocorre, naturalmente, quando a variação da proporção entre as massas dos meios de produção empregados e a força de trabalho é compensada por uma variação de seus valores em sentido contrário.
Chamamos de composição orgânica do capital a composição de valor do capital, na medida em que esta é determinada por sua composição técnica e a reflete[20].
No caso do capital variável, portanto, partimos do pressuposto de que ele é índice de determinada quantidade de força de trabalho, de determinado número de trabalhadores ou de determinadas massas de trabalho vivo postas em movimento. Na seção anterior, vimos que uma variação na grandeza de valor do capital variável pode representar simplesmente um preço maior ou menor de uma mesma massa de trabalho; mas essa possibilidade desaparece aqui, onde a taxa de mais-valor e a jornada de trabalho são consideradas constantes e o salário para um tempo de trabalho determinado é suposto como uma grandeza dada. Por outro lado, é certo que uma diferença na grandeza do capital constante também pode ser índice de uma variação na massa de meios de produção mobilizados por uma quantidade determinada de força de trabalho, mas pode igualmente provir da diferença de valor dos meios de produção mobilizados numa esfera da produção, em contraste com aqueles mobilizados em outra. Por isso, ambos os pontos de vista entram aqui em consideração.
Por último, cabe destacar o seguinte aspecto fundamental:
Suponhamos que £100 seja o salário semanal de 100 trabalhadores e que estes trabalhem 60 horas por semana. Suponhamos, além disso, que a taxa de mais-valor seja = 100%. Nesse caso, os operários trabalharão 30 das 60 horas para si mesmos e 30 horas gratuitamente para o capitalista. Com efeito, nas £100 de salário só estão incorporadas 30 horas de trabalho dos 100 trabalhadores ou, no total, 3.000 horas de trabalho, enquanto as outras 3.000 horas por eles trabalhadas estão incorporadas nas £100 de mais-valor ou lucro embolsado pelo capitalista. Por conseguinte, embora o salário de £100 não expresse o valor em que se objetiva o trabalho semanal dos 100 trabalhadores, ele indica (pois conhecemos a duração da jornada de trabalho e a taxa de mais-valor) que esse capital pôs em movimento 100 trabalhadores durante um total de 6.000 horas. O capital de £100 evidencia isso, em primeiro lugar, porque indica o número de trabalhadores postos em ação, porquanto £1 = 1 trabalhador por semana, ou seja, £100 = 100 trabalhadores; em segundo lugar, porque cada trabalhador posto em ação, com taxa de mais-valor dada de 100%, executa exatamente o dobro do trabalho contido em seu salário – dito de outro modo, £1, seu salário, expressão de meia semana de trabalho, põe em movimento uma semana integral de trabalho, assim como £100, apesar de conter somente 50 semanas de trabalho, põem em movimento 100 semanas de trabalho. Existe, pois, uma diferença essencial entre o capital variável desembolsado em salários, na medida em que seu valor representa a soma dos salários, uma quantidade determinada de trabalho objetivado, e esse mesmo capital variável na medida em que seu valor é mero índice da massa de trabalho vivo que ele põe em movimento. Esta massa é sempre maior que o trabalho nela contido e se expressa também, portanto, num valor superior ao do capital variável; num valor que é determinado, por um lado, pelo número dos trabalhadores mobilizados pelo capital variável e, por outro, pela quantidade de mais-trabalho que esses trabalhadores executam.
Desse ponto de vista adotado em relação ao capital variável, segue-se:
Se na esfera de produção A um investimento de capital representa, de um capital total de 700, apenas 100 de capital variável e 600 de capital constante, ao passo que na esfera de produção B se investem 600 de capital variável e apenas 100 de capital constante, o capital de 700 investido na esfera A só colocará em movimento uma força de trabalho de 100, isto é, segundo a hipótese anterior, apenas 100 semanas de trabalho ou 6.000 horas de trabalho vivo, ao passo que a mesma soma de capital investido na esfera B mobilizará 600 semanas de trabalho e, por conseguinte, 36.000 horas de trabalho vivo. Assim, o capital A se apropriaria apenas de 50 semanas de trabalho, ou 3.000 horas de mais-trabalho, enquanto o capital de mesma grandeza investido em B se apropriaria de 300 semanas de trabalho, ou 18.000 horas. O capital variável é o índice não só do trabalho contido nele mesmo, mas, ao mesmo tempo, com uma taxa de mais-valor dada, do trabalho excedente ou do mais-trabalho que ele mobiliza acima dessa medida. Com o mesmo grau de exploração do trabalho, o lucro no primeiro caso seria de 100/700 = 1/7 = 142/7%; no segundo, = 600/700 = 855/7%, o que supõe taxa de lucro seis vezes maior. Na verdade, nesse caso o próprio lucro seria seis vezes maior, 600 para B e 100 para A, porque mobilizou-se uma quantidade de trabalho vivo seis vezes maior com o mesmo capital, ou seja, com um mesmo grau de exploração do trabalho, produziu-se também uma quantidade de mais-valor seis vezes maior e, assim, o sêxtuplo do lucro.
Se em A não se empregassem £700, mas £7.000, e em B se empregassem apenas £700 de capital, então o capital A, permanecendo constante a composição orgânica, empregaria £1.000 das £7.000 como capital variável, ou seja, 1.000 trabalhadores por semana = 60.000 horas de trabalho vivo, das quais 30.000 horas seriam de mais-trabalho. Porém, tal como antes, A, com cada £700, continuaria a pôr em movimento apenas ⅙ do trabalho vivo e, por conseguinte, poria em movimento ⅙ do mais-trabalho posto em movimento em B, produzindo, assim, apenas ⅙ do lucro. Considerando-se a taxa de lucro, temos 1.000/7.000 = 100/700 = 142/7%, contra 600/700 ou 855/7% do capital B. Tomando-se montantes de capital de igual grandeza, a taxa de lucro é diferente, nesse caso, porque, com a mesma taxa de mais-valor, em consequência das massas distintas de trabalho vivo posto em movimento, são diferentes as massas dos mais-valores produzidos e, assim, dos lucros.
O mesmo resultado se produz, de fato, quando os fatores técnicos que intervêm numa esfera de produção são iguais aos que existem em outra, porém é maior ou menor o valor dos elementos de capital constante empregados. Suponhamos que em ambas as esferas se empreguem £100 como capital variável, de modo que sejam necessários 100 trabalhadores por semana para pôr em movimento a mesma quantidade de maquinaria e de matérias-primas, mas que estas últimas sejam mais caras em B que em A. Nesse caso, digamos que as £100 de capital variável corresponderiam, em A, £200 de capital constante; em B, £400. Então, com uma taxa de mais-valor de 100%, o mais-valor produzido seria, em ambos os casos, £100; quer dizer, também o lucro seria, em ambos os casos, £100. Em A, porém, 100/200c + 100v = ⅓ = 33⅓%; já em B, 100/400c + 100v = ⅕ = 20%. De fato, se em ambos os casos tomamos determinada alíquota do capital total, então em B apenas £20 de cada £100 constituem capital variável, ou seja, ⅕, enquanto em A essa proporção é de ⅓, £33⅓ para cada £100. B produz menos lucro para cada £100 porque põe em movimento menos trabalho vivo que A. A diversidade das taxas de lucro volta a decompor-se, aqui, na diversidade das massas de lucro produzidas, em cada caso, para cada 100 de investimento de capital, porquanto são diferentes as massas de mais-valor.
A diferença entre os exemplos é unicamente que, no segundo caso, a equalização entre A e B exigiria apenas uma variação de valor do capital constante, seja de A, seja de B, permanecendo invariável a base técnica; no primeiro caso, ao contrário, a base técnica varia nas duas esferas da produção, o que significa que teria de ser revolucionada para que fosse possível uma equalização.
A diferente composição orgânica dos capitais é, pois, independente de sua grandeza absoluta. A única coisa que importa é quanto de cada 100 representa capital variável e quanto representa capital constante.
Capitais de diferente grandeza, percentualmente considerados – ou, o que aqui resulta no mesmo, capitais de igual grandeza – rendem, com uma jornada de trabalho igual e mesmo grau de exploração do trabalho, quantidades muito diferentes de lucro, na medida em que produzem quantidades muito diferentes de mais-valor, e isso porque, conforme muda a composição orgânica do capital em diferentes esferas da produção, sua parte variável é distinta, ou seja, as quantidades do trabalho vivo que esses capitais põem em movimento são outras – por conseguinte, também as quantidades do mais-valor por eles apropriadas, da substância do mais-valor e, com isso, do lucro. Porções de mesma grandeza do capital total nas diversas esferas da produção contêm fontes de mais-valor de diferente grandeza, e a única fonte do mais-valor é o trabalho vivo. Com igual grau de exploração do trabalho, a massa do trabalho mobilizado por um capital = 100 e, assim, também a do mais-trabalho por ele apropriado depende da grandeza de sua parte variável. Se, mantendo-se constante o grau de exploração do trabalho, um capital percentualmente constituído de 90c + 10v gerasse a mesma quantidade de mais-valor ou lucro que um capital constituído de 10c + 90v, então seria claro como a luz do sol que o mais-valor, e por conseguinte o valor em geral, deveria ter uma fonte completamente distinta do trabalho, o que faria desaparecer todo o fundamento racional da economia política. Se continuamos a supor que £1 corresponde ao salário semanal de um trabalhador por 60 horas de trabalho e que a taxa de mais-valor é = 100%, é evidente que o produto-valor total que um trabalhador pode fornecer numa semana é = £2; desse modo, 10 trabalhadores não poderiam fornecer mais que £20; e como, dessas £20, £10 se limitam a repor o salário, é evidente que os 10 trabalhadores não poderiam criar um mais-valor maior que £10, enquanto os 90 trabalhadores restantes, cujo produto total é = £180 e cujo salário é = £90, criariam um mais-valor de £90. A taxa de lucro seria, num caso, de 10% e, noutro, de 90%. Para que fosse de outro modo, o valor e o mais-valor teriam de ser outra coisa que não trabalho objetivado. Ora, na medida em que capitais investidos em diferentes esferas da produção, percentualmente considerados – ou seja, capitais de mesma grandeza –, dividem-se desigualmente em seus elementos constante e variável, mobilizam quantidades desiguais de trabalho vivo e, por conseguinte, geram quantidades desiguais de mais-valor e, portanto, de lucro, então varia entre eles a taxa de lucro, que consiste precisamente no percentual que o mais-valor representa no capital total.
Porém, se os capitais de diversas esferas da produção, calculados percentualmente, isto é, capitais de igual grandeza investidos em distintas esferas da produção, geram lucros desiguais devido a sua diferente composição orgânica, isso quer dizer que os lucros de capitais desiguais em distintas esferas da produção não podem achar-se em proporção com suas respectivas grandezas, ou seja, que os lucros obtidos em distintas esferas da produção não são proporcionais às grandezas dos capitais respectivamente investidos nessas esferas. Pois esse aumento do lucro pro rata [proporcionalmente] à magnitude do capital empregado teria de pressupor a igualdade dos lucros em termos percentuais, ou seja, que capitais de mesma grandeza em diferentes esferas da produção têm iguais taxas de lucro, apesar da diferença em sua composição orgânica. Apenas no interior da mesma esfera da produção, quer dizer, onde rege a mesma composição orgânica do capital, ou entre esferas de produção distintas, porém com idêntica composição orgânica do capital, as massas dos lucros se encontram em relação diretamente proporcional à massa dos capitais empregados. O fato de os lucros de capitais de grandeza desigual serem proporcionais a suas grandezas não quer dizer senão que capitais iguais proporcionam lucros iguais ou que a taxa de lucro é a mesma para todos os capitais, seja qual for sua grandeza e sua composição orgânica.
O que foi exposto vale sob o pressuposto de que as mercadorias sejam vendidas a seus valores. O valor de uma mercadoria é igual ao valor do capital constante nela contido, mais o valor do capital variável nela reproduzido, mais o incremento desse capital variável, ou seja, o mais-valor produzido. Com igual taxa de mais-valor, a massa deste último depende evidentemente da massa do capital variável. Num caso, o valor do produto do capital de 100 é 90c + 10v + 10m = 110; no outro, 10c + 90v + 90m = 190. Se as mercadorias são vendidas por seus valores, o primeiro produto será vendido a 110, dos quais 10 representam mais-valor ou trabalho não pago; já o segundo produto será vendido a 190, dos quais 90 representarão mais-valor ou trabalho não pago.
Isso é importante sobretudo quando se comparam taxas de lucro nacionais[a]. Suponhamos que a taxa de mais-valor num país europeu seja de 100%, isto é, que o trabalhador trabalhe metade da jornada para si mesmo e a outra metade para seu patrão; digamos que, num país asiático, a taxa do mais-valor seja = 25%, de modo que o trabalhador trabalhe ⅘ partes do dia para si mesmo e ⅕ para seu patrão. Porém, suponhamos ainda que a composição do capital nacional no país europeu seja de 84c + 16v, enquanto no país asiático, onde se emprega pouca maquinaria etc. e onde num tempo dado uma quantidade dada de força de trabalho consome relativamente pouca matéria-prima de modo produtivo, a composição seja de 16c + 84v. Teremos, então, o seguinte resultado:
No país europeu, valor do produto = 84c + 16v + 16m = 116; taxa de lucro = 16/100 = 16%
No país asiático, valor do produto = 16c + 84v + 21m = 121; taxa de lucro = 21/100 = 21%
A taxa de lucro no país asiático é, portanto, mais de 25% maior que no país europeu, apesar de que, naquele, a taxa de mais-valor seja quatro vezes menor que neste. Os Careys, Bastiats e tutti quanti concluirão exatamente o contrário.
Diga-se de passagem, diferentes taxas nacionais de lucro se basearão, na maioria, em diferentes taxas nacionais de mais-valor; mas neste capítulo comparamos taxas de lucro desiguais, provenientes de uma mesma taxa de mais-valor.
Além da diferente composição orgânica dos capitais, ou seja, além das diferentes massas de trabalho e, com isso – mantendo-se iguais as demais circunstâncias –, também de mais-trabalho mobilizadas por capitais de igual grandeza em diferentes esferas de produção, há ainda outra fonte de desigualdade das taxas de lucro: a diversidade na duração do ciclo de rotação do capital nas distintas esferas da produção. No capítulo 4, vimos que, com igual composição dos capitais e inalteradas as demais circunstâncias, as taxas de lucro são inversamente proporcionais ao tempo de rotação; do mesmo modo, vimos que um mesmo capital variável, ao rodar em diferentes intervalos de tempo, gera massas desiguais de mais-valor anual. A diferença entre os tempos de rotação é, pois, uma das razões que explicam por que capitais de igual grandeza não produzem, em diferentes esferas da produção, lucros de igual grandeza nos mesmos intervalos de tempo e por que as taxas de lucro variam nessas diferentes esferas.
Em contrapartida, no que diz respeito à proporção entre capital fixo e circulante na composição do capital, tal proporção, considerada em si mesma, não afeta em nada a taxa de lucro. Só pode afetá-la num destes dois casos: se essa diferente composição coincide com uma diferente proporção entre as partes variável e constante, ou seja, quando a diversidade da taxa de lucro se deve a essa diferença, e não à diferença entre capital fixo e circulante; ou quando a distinta proporção entre os componentes fixo e circulante determina uma diferença no tempo de rotação, durante o qual determinado lucro é realizado. Se os capitais se dividem em fixo e circulante em diferente proporção, é certo que isso terá sempre uma influência sobre seu tempo de rotação e provocará uma diversidade deste último; mas disso não se conclui que seja diferente o tempo de rotação no qual os mesmos capitais realizam lucro. Se, por exemplo, A tem de converter constantemente uma parte maior do produto em matérias-primas etc., enquanto B emprega as mesmas máquinas por um período maior etc., com uma menor quantidade de matéria-prima, ambos, na medida em que produzem, têm constantemente comprometida uma parte de seu capital; um, em matérias-primas, quer dizer, em capital circulante, e o outro, em máquinas etc., isto é, em capital fixo. A converte constantemente parte de seu capital da forma de mercadoria na forma de dinheiro e desta novamente na forma de matéria-prima, ao passo que B utiliza parte de seu capital sem tal alteração, como instrumento de trabalho, por um intervalo de tempo mais longo. Se ambos utilizam a mesma quantidade de trabalho, durante o ano venderão, decerto, massas de produtos de valor desigual, mas ambas as massas de produtos conterão igual quantidade de mais-valor, e suas taxas de lucro, calculadas sobre a base do capital total investido, serão iguais, ainda que varie sua composição de capital fixo e circulante e que também seja distinto seu tempo de rotação. Ambos os capitais realizam lucros iguais em tempos iguais, apesar de efetuarem rotações em tempos diferentes[21]. A diferença quanto ao tempo de rotação, considerada por si mesma, só importa na medida em que afeta a massa do mais-trabalho que o mesmo capital pode apropriar e realizar num tempo determinado. Portanto, se uma composição desigual em capital circulante e fixo não compreende necessariamente uma desigualdade do tempo de rotação, que, por sua vez, condiciona uma desigualdade da taxa de lucro, então é evidente que, na medida em que ocorre essa desigualdade, ela não deriva da composição desigual de capital circulante e capital fixo em si mesma, mas, antes, do fato de que essa composição indica aqui apenas a existência de períodos desiguais de rotação, desigualdade que repercute na taxa de lucro.
Por si mesma, a distinta composição do capital constante em fixo e circulante em diversos ramos da indústria não tem, pois, importância nenhuma para a taxa de lucro, pois decisiva é a proporção entre o capital variável e o constante e que o valor do capital constante, ou seja, também sua grandeza relativa em relação com o capital variável, é absolutamente independente do caráter fixo ou circulante dos elementos que o integram. O mais provável, porém – e isso leva a falsas conclusões –, é que, no caso de o capital fixo se achar consideravelmente desenvolvido, esse desenvolvimento não seja mais do que a expressão de que a produção se realiza em grande escala e, por isso, o capital constante prevalece consideravelmente sobre o variável ou que a força de trabalho vivo empregada seja diminuta em relação à massa dos meios de produção que ela mobiliza.
Demonstramos, pois, que em diversos ramos da indústria, em correspondência com a diferente composição orgânica dos capitais, e dentro dos limites assinalados, também em relação a seus diferentes tempos de rotação, prevalecem taxas desiguais de lucro, razão pela qual, com igual taxa de mais-valor, somente quando se trata de capitais de igual composição orgânica – pressupondo-se tempos de rotação iguais – é que se aplica a lei (de acordo com a tendência geral) de que os lucros são diretamente proporcionais às grandezas dos capitais e, por isso, que capitais de mesma grandeza geram lucros de igual grandeza em intervalos de tempo iguais. O que expusemos vale sobre o que, em geral, serviu até agora de base de nossa investigação: que as mercadorias são vendidas por seus valores. Por outro lado, não resta dúvida de que, na realidade, se prescindirmos de diferenças irrelevantes, acidentais e que se compensam reciprocamente, a diferença entre as taxas médias de lucro nos diversos ramos da indústria não existe nem poderia existir sem que isso implicasse na abolição de todo o sistema de produção capitalista. Aqui, portanto, a teoria do valor parece ser incompatível com o movimento real, com os fenômenos efetivos da produção, de modo que se deveria renunciar absolutamente à pretensão de compreender estes últimos.
Da seção I deste livro, depreende-se que os preços de custo são os mesmos para produtos de distintas esferas da produção, nas quais se investem partes iguais de capital, por mais que possa diferir a composição orgânica desses capitais. No preço de custo desaparece para o capitalista a distinção entre capital variável e capital constante. O custo de uma mercadoria em cuja produção ele investe £100 é, para ele, sempre o mesmo, não importando se nela foi desembolsado 90c + 10v ou 10c + 90v. Em todos os casos, ela lhe custa £100, nem mais nem menos. Os preços de custo são iguais para desembolsos iguais de capital em diferentes esferas, por distintos que possam ser os valores e os mais-valores produzidos. E essa igualdade dos preços de custo representa a base da concorrência dos investimentos de capital, por meio da qual se forma o lucro médio.
[20] Este parágrafo já se encontra brevemente desenvolvido na terceira edição do Livro I, cit., p. 628 [689], no início do cap. 23. Como nas duas primeiras edições não consta essa passagem, sua repetição se fez aqui necessária. (F. E.)
[a] Na primeira edição, “internacionais”. (N. E. A.)
[21] Como se deduz do cap. 4, o que foi dito anteriormente só é correto para o caso em que os capitais A e B tenham diferente composição de valor, mas seus componentes percentuais variáveis se encontrem na mesma relação que seus tempos de rotação ou em proporção inversa ao número de suas rotações. Suponhamos que o capital A esteja composto percentualmente de 20c fixo + 70c circulante, ou seja, 90c + 10v = 100. Com uma taxa de mais-valor de 100%, os 10v produzirão, numa rotação, 10m; a taxa de lucro para a rotação será de 10%. Suponhamos, ao contrário, que o capital B seja = 60c fixo + 20c circulante, ou seja, 80c + 20v = 100. As 20v produzem, numa rotação e com a taxa anterior do mais-valor, 20m; a taxa de lucro para a rotação é de 20%, isto é, o dobro que em A. Mas, se A roda duas vezes num ano e B só o faz uma vez, o resultado para o ano será 2 × 10 = 20m, e a taxa de lucro anual será igual para ambos, a saber, 20%. (F. E.)