Uma parte das esferas da produção apresenta uma composição média, no que diz respeito aos capitais nela investidos, isto é, uma composição que corresponde integral ou aproximadamente à composição do capital médio da sociedade.
O preço de produção das mercadorias produzidas nessas esferas coincide total ou aproximadamente com seu valor expresso em dinheiro. Se não pudéssemos chegar ao limite matemático por outros meios, poderíamos fazê-lo por este: a concorrência divide o capital da sociedade entre as diversas esferas da produção, de tal modo que os preços de produção em cada uma dessas esferas se estabelecem segundo o modelo dos preços de produção vigentes nessas esferas de composição média, isto é, de modo que sejam = k + kl’ (iguais ao preço de custo mais o produto da taxa média de lucro pelo preço de custo). Mas essa taxa média de lucro não é senão o lucro percentualmente calculado que se obtém naquela esfera de composição média, na qual, portanto, o lucro coincide com o mais-valor. A taxa de lucro é, pois, a mesma em todas as esferas da produção, quer dizer, nivela-se em todas elas tendo como base a taxa de lucro que prevalece nessas esferas médias da produção, nas quais impera a composição média do capital. De acordo com isso, a soma dos lucros de todas as diferentes esferas da produção tem de ser igual à soma dos mais-valores, e a soma dos preços de produção do produto total da sociedade tem de ser igual à soma de seus valores. Porém, é evidente que a compensação entre as esferas da produção com diferente composição tenderá sempre a igualá-las com as esferas de composição média, seja no caso em que elas correspondam exatamente à média social, seja no caso em que só correspondam a ela de maneira aproximada. Entre as esferas que se aproximam em maior ou menor medida verifica-se, por sua vez, a mesma tendência à equalização, orientada a atingir a posição intermediária ideal, isto é, não existente na realidade; em outras palavras, uma tendência a normalizar-se em torno dessa posição intermediária. Desse modo, prevalece necessariamente a tendência a converter os preços de produção em formas meramente transfiguradas do valor, ou os lucros em simples partes do mais-valor, distribuídas não em função do mais-valor obtido em cada esfera particular da produção, mas em função da massa do capital empregado em cada esfera da produção, de modo que as massas de capital de mesma grandeza, independentemente de como estejam compostas, correspondam participações iguais (alíquotas) da totalidade do mais-valor obtido pelo capital total da sociedade.
Em se tratando de capitais de composição média ou próxima da média, o preço de produção coincide, total ou aproximadamente, com o valor, e o lucro, com o mais-valor por eles obtido. Todos os demais capitais, qualquer que seja sua composição, tendem a, sob ação da concorrência, equalizar-se com os de composição média. Mas como os capitais de composição medial ou próxima da média correspondem total ou aproximadamente ao capital médio da sociedade, temos que todos os capitais, qualquer que seja o mais-valor por eles gerados e mediante os preços de suas mercadorias, tendem a realizar, em vez desse mais-valor, o lucro médio; isto é, tendem a realizar os preços de produção.
Por outro lado, podemos afirmar que onde quer que se produza um lucro médio, ou seja, uma taxa geral de lucro – independentemente do modo como esse resultado tenha sido produzido –, esse lucro médio não pode ser outra coisa senão o lucro correspondente ao capital médio da sociedade, cuja soma é igual à soma dos mais-valores, e que os preços obtidos ao somar esse lucro médio aos preços de custo não podem ser senão os valores convertidos em preços de produção. Que alguns capitais, em determinadas esferas da produção, possam não estar submetidos, por quaisquer razões, ao processo de equalização é algo que não afeta em nada os termos do problema. Nesse caso, o lucro médio será calculado sobre a parte do capital social que entra no processo de equalização. É evidente que o lucro médio não pode ser senão a massa total do mais-valor, distribuída entre as massas de capital em cada esfera da produção, em proporção a suas grandezas. Ele é o total do trabalho não pago realizado, e essa massa total se representa, do mesmo modo como as massas do trabalho pago – tanto o trabalho morto quanto o vivo – na massa total de mercadorias e dinheiro que corresponde aos capitalistas.
A questão propriamente difícil que aqui se coloca é saber como se opera essa compensação dos lucros para formar a taxa geral de lucro, já que esta é evidentemente um resultado, e não pode ser um ponto de partida.
De imediato, está claro que uma valoração dos valores-mercadorias, por exemplo, em dinheiro, pode ser apenas resultado de seu intercâmbio, e se, portanto, pressupomos tal valoração, temos de considerá-la necessariamente como o resultado das trocas reais de valor-mercadoria por valor-mercadoria. Mas como se pôde realizar esse intercâmbio de mercadorias com base em seus valores reais?
Suponhamos, primeiro, que todas as mercadorias nas diversas esferas da produção sejam vendidas a seus valores reais. O que ocorreria, então? Segundo o que foi exposto, nas diversas esferas de produção prevaleceriam taxas de lucro muito distintas. Prima facie, uma coisa é se as mercadorias se vendem por seus valores (isto é, se se trocam reciprocamente por seus preços-valores, isto é, em proporção ao valor nelas contido) e outra completamente distinta é se são vendidas a preços tais que sua venda proporcione lucros iguais por massas iguais dos capitais adiantados em sua respectiva produção.
O fato de que capitais que movimentam quantidades desiguais de trabalho vivo produzam quantidades desiguais de mais-valor pressupõe, ao menos até certo ponto, que o grau de exploração do trabalho ou a taxa de mais-valor sejam os mesmos, ou que as diferenças neles contidas se considerem equalizadas por causas reais ou imaginárias (convencionais) de compensação. Isso pressupõe a concorrência entre os trabalhadores e a equalização mediante sua constante migração de uma esfera da produção a outra. Essa taxa geral do mais-valor – tendencial, como todas as leis econômicas – é a premissa de que partimos para fins de simplificação teórica; na realidade, é uma premissa efetiva do modo de produção capitalista, ainda que mais ou menos obstaculizada por divergências práticas, produzidas por diferenças locais mais ou menos significativas, como a legislação domiciliar (settlement laws) que vigora para os trabalhadores agrícolas na Inglaterra. Teoricamente, no entanto, parte-se do pressuposto de que as leis do modo de produção capitalista se desenvolvam em sua pureza, mas na realidade as coisas se dão sempre de modo aproximado. A aproximação, porém, será tanto maior quanto mais desenvolvido se encontrar o modo de produção capitalista e quanto mais se tiver eliminado sua impureza, separando-o dos restos de realidades econômicas anteriores.
Toda a dificuldade provém do fato de que as mercadorias não se trocam simplesmente como mercadorias, mas como produtos de capitais, que requerem uma participação proporcional à sua grandeza na massa total do mais-valor, ou uma participação igual quando sua grandeza é igual. O preço total das mercadorias produzidas por um dado capital num prazo determinado deve satisfazer essa exigência. Mas o preço total dessas mercadorias não é mais que a soma dos preços das diversas mercadorias que constituem o produto do capital.
O punctum saliens [ponto decisivo] será mais bem ressaltado se concebermos as coisas assim: suponhamos que os próprios trabalhadores se encontrem diretamente de posse de seus respectivos meios de produção e troquem suas mercadorias entre si. Em tais condições, essas mercadorias não serão produtos do capital. Segundo a natureza técnica de seus trabalhos, será distinto o valor dos meios e dos materiais empregados nos diversos ramos de atividade; do mesmo modo, e abstraindo do valor distinto dos meios de produção empregados, uma massa diferente desses meios e materiais de trabalho será requerida para uma massa dada de trabalho, dependendo do prazo em que se possa finalizar determinada mercadoria: se em 1 hora, um dia etc. Suponhamos, além disso, que esses trabalhadores atuem, em média, durante a mesma quantidade de tempo, incluídas as compensações impostas pela diferente intensidade do trabalho etc. Nesse caso, em primeiro lugar, com as mercadorias que constituem o produto de seu trabalho diário, dois trabalhadores poderão repor seus desembolsos, os preços de custo dos meios de produção consumidos, que serão distintos segundo a natureza técnica de seus ramos de trabalho. Em segundo lugar, ambos poderão criar igual quantidade de valor novo, ou seja, o valor agregado aos meios de produção pela jornada de trabalho. Esse valor novo será o mais-valor, o mais-trabalho que sobra depois de cobertas suas necessidades mais urgentes, mas cujo resultado pertencerá aos próprios trabalhadores. Em termos capitalistas, diremos que ambos os trabalhadores receberão o mesmo salário mais o mesmo lucro, = ao valor[a] que se expressa, por exemplo, no produto de uma jornada de trabalho de 10 horas. Em primeiro lugar, porém, os valores de suas mercadorias serão distintos. Na mercadoria I, por exemplo, a parcela de valor dos meios de produção empregados será maior que na mercadoria II; para incorporar de imediato todas as diferenças possíveis, a mercadoria I absorverá mais trabalho vivo e, assim, exigirá um tempo mais longo de trabalho em sua produção que a mercadoria II. O valor dessas mercadorias I e II será, portanto, muito distinto. E o mesmo ocorrerá com as somas dos valores-mercadorias, que são produto do trabalho efetuado pelos trabalhadores I e II num tempo dado. Também as taxas de lucro serão muito diferentes para I e II, se chamarmos de taxa de lucro a proporção entre o mais-valor e o valor total dos meios de produção adiantados. Os meios de subsistência que I e II consomem diariamente durante a produção, e que representam aqui o salário, constituirão a parte dos meios de produção investidos, que, em outras circunstâncias, chamamos de capital variável. O mais-valor será, para o mesmo tempo de trabalho, igual em I e II; mais exatamente, uma vez que tanto I como II obtêm o valor do produto de uma jornada de trabalho, eles recebem, deduzido o valor dos elementos “constantes” adiantados, valores iguais, dos quais uma parte pode ser considerada a reposição dos meios de subsistência consumidos na produção, e a outra parte, o mais valor que resta depois da reposição daqueles meios de subsistência. Se I tem mais despesas, estas são repostas pela parcela de valor maior de seu produto destinada a repor essa parte “constante”, razão pela qual ela tem também de reconverter uma parcela maior do valor total de seu produto em elementos materiais desse capital constante, ao passo que II, se obtém em troca uma quantidade menor, tem também de reconverter uma parte menor. Partindo desse pressuposto, a diversidade das taxas de lucro seria, portanto, uma circunstância indiferente, do mesmo modo como hoje é indiferente para o assalariado saber em que taxa de lucro se expressa a quantidade de mais-valor que lhe é sugada, assim como, no comércio internacional, é indiferente a diversidade das taxas de lucro que vigoram no intercâmbio de mercadorias entre diversas nações.
Logo, o intercâmbio de mercadorias por seus valores, ou aproximadamente por seus valores, requer um estágio muito inferior ao do intercâmbio a preços de produção, para o qual se faz necessário um nível determinado do desenvolvimento capitalista.
Independentemente do modo como estejam fixados ou regulados entre si os preços das diversas mercadorias, é a lei do valor que, num primeiro momento, rege seu movimento. Quando diminui o tempo de trabalho requerido para produzir essas mercadorias, os preços baixam; quando ele aumenta, os preços sobem, mantendo-se constantes as demais circunstâncias.
Ainda sem levar em conta o fato de que os preços e seu movimento são determinados pela lei do valor, é totalmente apropriado considerar os valores das mercadorias não só do ponto de vista teórico, mas também do histórico, como o prius [antecedente] dos preços de produção. Isso vale para casos em que os meios de produção pertencem ao trabalhador, o que ocorre tanto no mundo antigo como no moderno, tanto no caso do camponês que possui a terra na qual trabalha para si mesmo, como no do artesão. Isso também está de acordo com nossa opinião, que expressamos anteriormente[27], de que a transformação dos produtos em mercadorias resulta do intercâmbio entre diversas coletividades, e não entre membros de uma e mesma comunidade. E o que se aplica a esse estado de coisas originário aplica-se também a situações posteriores, fundadas na escravidão e na servidão, assim como às corporações artesanais, por todo o tempo em que os meios de produção imobilizados em cada ramo da produção só possam ser transferidos de uma esfera a outra com muita dificuldade e que, dentro de certos limites, as diferentes esferas da produção se relacionem entre si como o fariam países estrangeiros ou coletividades comunistas.
Para que os preços aos quais as mercadorias são trocadas entre si correspondam aproximadamente a seus valores, é necessário somente: 1) que a troca das diversas mercadorias deixe de ser puramente acidental ou apenas ocasional; 2) que, na medida em que consideramos a troca direta de mercadorias, estas sejam produzidas, em ambos os lados, nas quantidades proporcionais que correspondam aproximadamente à necessidade mútua, o que é indicado pela mútua experiência do mercado e, portanto, resulta do próprio intercâmbio continuado; 3) que, na medida em que falamos da venda, nenhum monopólio natural ou artificial permita a uma das partes contratantes vender acima do valor nem a obrigue a desfazer-se de sua mercadoria abaixo deste último. Por monopólio fortuito, entendemos aquele do qual o comprador ou o vendedor desfruta graças à situação fortuita da oferta e da demanda.
O suposto de que as mercadorias das diferentes esferas da produção são vendidas a seus valores significa apenas, naturalmente, que seu valor é o centro de gravitação em torno do qual giram os preços e com base no qual se compensam suas constantes altas e baixas. Além disso, será sempre preciso distinguir entre um valor de mercado, do qual falaremos mais adiante, e o valor individual das mercadorias produzidas pelos diversos produtores. O valor individual de algumas dessas mercadorias ficará abaixo do valor de mercado (quer dizer, menos tempo de trabalho será necessário para sua produção do que o expresso pelo valor de mercado), e o de outras mercadorias ficará acima desse valor. O valor de mercado deverá ser considerado, por um lado, como o valor médio das mercadorias produzidas numa esfera de produção e, por outro, como o valor individual das mercadorias produzidas sob as condições médias dessa esfera e que formam a grande massa de seus produtos. Apenas conjunturas extraordinárias podem fazer com que mercadorias produzidas sob péssimas condições, ou sob as mais favoráveis, venham a regular o valor de mercado, o qual, por sua vez, constitui o centro de gravitação dos preços de mercado, que são sempre os mesmos para mercadorias do mesmo tipo. Quando a oferta das mercadorias ao valor médio, ou seja, ao valor medial da massa situada entre ambos os extremos, satisfaz a demanda habitual, as mercadorias cujo valor individual é inferior ao valor de mercado realizam um mais-valor ou lucro extraordinário, ao passo que aquelas cujo valor individual é superior ao valor de mercado não podem realizar uma parte do mais-valor nelas contido.
De nada adianta dizer que a venda das mercadorias produzidas sob as piores condições é uma demonstração de que essas mercadorias são necessárias para cobrir a demanda[b]. Se, de acordo com nossa hipótese, o preço fosse maior que o valor médio do mercado, a demanda seria menor[c]. Com base em certos preços, um tipo de mercadoria pode ocupar determinado lugar no mercado; nesse caso, o lugar só permanece o mesmo ao variarem os preços, quando o preço mais alto coincide com uma quantidade menor de mercadorias, e o mais baixo, com uma quantidade menor. Em contrapartida, se a demanda é tão grande que não se contrai quando o preço é regulado pelo valor das mercadorias produzidas sob as piores condições, são estas que determinam o valor de mercado. Para isso, no entanto, é necessário que a demanda supere aquela que é considerada a demanda normal, ou que a oferta caia abaixo desta. Por último, se a massa das mercadorias produzidas é maior que aquela que pode encontrar saída aos valores médios de mercado, são as mercadorias produzidas sob melhores condições que regulam, então, o valor de mercado. É possível, por exemplo, que elas sejam vendidas por seu valor individual, de maneira total ou aproximada, podendo então suceder que as mercadorias produzidas sob as piores condições nem sequer consigam realizar seus preços de custo, enquanto as que se encontram na média realizem apenas uma parte do mais-valor nelas contido. O que dizemos aqui sobre o valor de mercado se aplica também ao preço de produção, tão logo este substitua valor de mercado. O preço de produção é regulado em cada uma das esferas e de acordo com as circunstâncias particulares. E constitui, por sua vez, o centro em torno do qual giram os preços de mercado diários, servindo de base para sua equalização em determinados períodos. (Sobre a determinação do preço de produção pelos que trabalham nas piores condições, ver Ricardo.)
Como quer que estejam regulados os preços, o resultado é o seguinte:
O que a concorrência realiza, começando por uma esfera individual da produção, é a criação de um valor de mercado e um preço de mercado iguais a partir dos diversos valores individuais das mercadorias. E é a concorrência dos capitais nas diversas esferas que primeiro fixa o preço de produção, equalizando as taxas de lucro nas distintas esferas. Este último processo requer um grau mais elevado de desenvolvimento do modo de produção capitalista do que o anterior.
Para que as mercadorias da mesma esfera de produção, do mesmo tipo e aproximadamente da mesma qualidade, possam ser vendidas a seus valores, são necessárias duas coisas:
Primeiramente, que os diversos valores individuais se equalizem num só valor social, o valor de mercado a que nos referimos anteriormente; para isso, requer-se uma concorrência entre os produtores do mesmo tipo de mercadorias, bem como a existência de um mercado no qual eles ofertem conjuntamente suas mercadorias. Para que o preço de mercado de mercadorias idênticas, porém produzidas, cada uma delas, sob circunstâncias ligeiramente distintas, corresponda ao valor de mercado, não divergindo dele, seja com uma elevação acima, seja com uma redução abaixo de seu valor, é necessário que a pressão que os diversos vendedores exercem uns sobre os outros seja grande o suficiente para lançar no mercado a massa de mercadorias requerida para a satisfação das necessidades sociais, isto é, a quantidade pela qual a sociedade pode pagar o valor de mercado. Se a massa de produtos lançada no mercado excede essas necessidades, as mercadorias terão de ser necessariamente vendidas abaixo de seu valor de mercado; no caso contrário, precisarão ser vendidas acima de seu valor de mercado, caso a massa de produtos não seja suficiente ou, o que dá no mesmo, a pressão da concorrência entre os vendedores não seja suficientemente forte para obrigá-los a levar ao mercado essa massa de mercadorias. Se varia o valor de mercado, variam também as condições nas quais a massa total de mercadorias pode ser vendida. Caindo o valor de mercado, crescem, em média, as necessidades sociais (que, nesse caso, são sempre necessidades solventes), que podem então absorver massas maiores de mercadorias. Subindo o valor de mercado, contraem-se as necessidades sociais com relação a essas mercadorias, de modo que apenas massas menores destas últimas podem ser absorvidas. Assim, se a oferta e a demanda regulam o preço de mercado ou, melhor dizendo, os desvios dos preços de mercado com relação ao valor de mercado, temos que, por outro lado, este regula a relação entre oferta e demanda ou é o centro em torno do qual as flutuações da oferta e da demanda fazem oscilar os preços de mercado.
Se observamos a questão mais de perto, percebemos que as condições que regem o valor da mercadoria individual se reproduzem aqui como condições para o valor da soma total de um tipo[e]; que a produção capitalista é, em si mesma, produção em massa e que, pelo menos quanto às mercadorias principais, outros modos de produção menos desenvolvidos concentram, acumulam e põem a venda no mercado, em grandes massas e nas mãos de relativamente poucos comerciantes, o produto fabricado em pequena quantidade como produto coletivo – ainda que fruto do trabalho de um grande número de produtores de pequeno porte – de um ramo inteiro da produção ou de um contingente maior ou menor deste último.
Observemos aqui, apenas de passagem, que as “necessidades sociais”, isto é, aquilo que regula o princípio da demanda, encontram-se essencialmente condicionadas pela relação das diversas classes entre si e por sua respectiva posição econômica, ou seja, em primeiro lugar, pela proporção entre o mais-valor total e o salário; em segundo lugar, pela proporção entre as diversas partes nas quais se decompõe o mais-valor (lucro, juros, renda fundiária, impostos etc.). De modo que aqui novamente se demonstra que não se pode explicar absolutamente nada a partir da relação entre a oferta e a demanda, antes de estar desenvolvida a base sobre a qual opera essa relação.
Ainda que ambos os elementos, a mercadoria e o dinheiro, sejam unidades de valor de troca e de valor de uso, já vimos (Livro I, capítulo 1, item 3) que, nas operações de compra e venda, essas duas funções aparecem distribuídas como polos extremos, de modo que a mercadoria (vendedor) representa o valor de uso, e o dinheiro (comprador), o valor de troca. A mercadoria tem um valor de uso, ou seja, satisfaz uma necessidade social, e isso constitui precisamente um dos requisitos da venda. O outro requisito é, como vimos, que a quantidade de trabalho contida na mercadoria represente trabalho socialmente necessário, ou seja, que o valor individual (e, o que sob esse pressuposto é sinônimo, o preço de venda) da mercadoria coincida com seu valor social[28].
Apliquemos agora esse raciocínio à massa de mercadorias que se encontra no mercado e que constitui o produto de uma esfera inteira.
A maneira mais fácil de expor o problema é considerar a massa inteira de mercadorias, primeiro, de um mesmo ramo da produção, como uma só mercadoria, e a soma dos preços das muitas mercadorias idênticas como reunidas em num só preço. O que foi dito então sobre a mercadoria individual vale agora para a massa de mercadorias de determinado ramo de produção lançada no mercado. Que o valor individual da mercadoria corresponda a seu valor social é algo que aparece agora realizado ou mais bem determinado no sentido de que a quantidade total de mercadorias contém o tempo de trabalho social necessário para sua produção, e que o valor dessa massa é = seu valor de mercado.
Ora, suponhamos que a maior parte dessas mercadorias tenha sido produzida mais ou menos sob as mesmas condições sociais normais, de modo que esse valor seja, ao mesmo tempo, o valor individual das diversas mercadorias que formam essa massa. Se uma parte relativamente pequena foi produzida abaixo dessas condições sociais normais e outra parte acima delas, de tal modo que o valor individual de uma parte seja superior e o de outra inferior ao valor médio da grande massa das mercadorias, porém compensando-se esses dois extremos e fazendo com que o valor médio das mercadorias a eles pertencentes seja igual ao valor das mercadorias pertencentes à massa intermediária, então o valor de mercado estará determinado pelo valor das mercadorias produzidas sob as condições médias[29]. O valor da massa total de mercadorias é igual à soma efetiva dos valores de todas as mercadorias individuais em conjunto, tanto daquelas produzidas sob as condições médias como daquelas feitas acima ou abaixo dessas condições. Nesse caso, o valor de mercado, ou valor social da massa de mercadorias – o tempo de trabalho necessariamente nelas contido –, está determinado pelo valor da grande massa intermediária.
Suponhamos, em contrapartida, que a quantidade total das referidas mercadorias levadas ao mercado continue a mesma, mas que o valor das mercadorias produzidas sob condições desfavoráveis não seja compensado pelo valor das produzidas sob condições favoráveis, de modo que a porção produzida sob as condições desfavoráveis constitua uma grandeza relativamente significativa, tanto em relação à massa intermediária como ao outro extremo: nesse caso, é a massa produzida sob condições desfavoráveis que regula o valor de mercado, ou o valor social.
Suponhamos, por fim, que a massa de mercadorias produzida sob condições mais favoráveis que as condições médias supere significativamente a massa produzida sob condições desfavoráveis e constitua ela mesma uma grandeza significativa em comparação com a produzida sob condições médias: nesse caso, a parte produzida sob condições melhores regula o valor de mercado. Abstraímos aqui da saturação do mercado, situação em que o preço de mercado é sempre regulado pela parte produzida nas melhores condições; mas aqui já não se trata do preço de mercado, na medida em que ele se distingue do valor de mercado, mas sim das diversas determinações do próprio valor de mercado[30].
Com efeito, considerando-se essa questão com o máximo rigor (ainda que, naturalmente, na prática as coisas só se apresentem de modo aproximado e com mil modificações), no caso I o valor de mercado regulado pelos valores médios de toda a massa é igual à soma de seus valores individuais; embora, para as mercadorias produzidas nos extremos, esse valor se apresente[f] como valor médio que lhes é imposto. Os produtores situados no extremo menos favorável têm, então, de vender suas mercadorias abaixo do valor individual; os que se encontram no extremo mais favorável vendem-nas acima desse valor.
No caso II, as massas individuais de valor produzidas em ambos os extremos não se compensam, mas é a massa produzida sob as piores condições que prepondera. A rigor, o preço médio ou o valor de mercado de cada mercadoria individual ou de cada alíquota da massa total de mercadorias estará agora determinado pelo valor total da massa, obtido pela adição dos valores das mercadorias produzidas sob as diversas condições e pela alíquota desse valor total correspondente à mercadoria individual. O valor de mercado assim obtido seria superior ao valor individual não só das mercadorias pertencentes ao extremo favorável, mas também daquelas situadas na camada intermediária; porém, ele continuaria a ser mais baixo que o valor individual das mercadorias produzidas no extremo mais desfavorável. Até onde ele se aproxima deste último, ou termina por coincidir com ele, é algo que depende inteiramente do volume que a massa de mercadorias produzidas ocupa no extremo desfavorável da esfera de mercadorias em questão. Se a demanda apresenta apenas uma pequena preponderância, então é o valor individual das mercadorias produzidas sob condições desfavoráveis que regulará o preço de mercado.
Por último, se, como ocorre no caso III, a quantidade de mercadorias produzidas sob as condições mais desfavoráveis representar uma proporção maior – não só comparada com o outro extremo, mas também com as condições médias –, então o valor de mercado cairá abaixo do valor médio. O valor médio, obtido pela adição das somas de valores dos dois extremos e da camada intermediária, é aqui inferior ao valor desta última e se aproxima ou se distancia dele conforme proporção que o extremo favorável represente. Se a demanda for fraca em relação à oferta, então a parte favoravelmente situada, qualquer que seja sua grandeza, ocupará violentamente espaço por meio da redução de seu preço a seu valor individual. O valor de mercado jamais pode coincidir com esse valor individual das mercadorias produzidas sob as melhores condições, a não ser que a oferta predomine consideravelmente sobre a demanda.
Essa determinação do valor de mercado, aqui exposta abstratamente, se estabelece no mercado real mediante a concorrência entre os compradores, pressupondo-se que a demanda seja grande o suficiente para absorver a massa de mercadorias a seu valor assim fixado. Com isso, chegamos ao segundo ponto.
Em segundo lugar, o fato de que a mercadoria tem um valor de uso significa apenas que ela satisfaz uma necessidade social qualquer. Quando tratávamos de mercadorias isoladas, podíamos supor que existia a necessidade dessa mercadoria determinada – em cujo preço já estava incluída sua quantidade – sem nos preocuparmos com o volume dessa necessidade a ser satisfeita. Mas esse volume converte-se num elemento essencial tão logo o produto de um ramo inteiro da produção se situe de um lado e a necessidade social, do outro. Agora é necessário levar em conta a medida, isto é, o volume da necessidade que cabe satisfazer.
Nas considerações anteriores sobre o valor de mercado, partimos do pressuposto de que a massa das mercadorias produzidas permanece igual, como um fator dado; que variava apenas a proporção entre os componentes dessa massa, que foram produzidos sob condições distintas, e que, portanto, o valor de mercado dessa mesma massa de mercadorias era regulado de diferentes maneiras. Suponhamos que essa massa constitua a quantidade normal da oferta, abstraindo para isso da possibilidade de que uma parte das mercadorias produzidas possa ser temporariamente retirada do mercado. Se agora a demanda por essa massa continua a ser a normal, a mercadoria será vendida por seu valor de mercado, independentemente de qual dos três casos examinados possa regular esse valor de mercado. A massa de mercadorias não só satisfaz uma necessidade, mas a satisfaz em seu volume social. Se, ao contrário, a quantidade de mercadorias for menor ou maior que a demanda por elas, haverá divergências entre o preço de mercado e o valor de mercado. A primeira divergência será a de que, quando a quantidade for pequena demais, o valor de mercado será sempre regulado pela mercadoria produzida sob as piores condições, ao passo que, quando é grande demais, ele será sempre regulado pela mercadoria produzida nas melhores condições; isso quer dizer que um dos extremos determinará o valor de mercado, apesar de que, de acordo com a mera proporção entre as massas produzidas em condições distintas, o resultado teria de ser outro. Se a diferença entre a demanda e o volume da produção é mais significativa, também o preço de mercado divergirá do valor de mercado de maneira ainda mais significativa, para cima ou para baixo. Mas a diferença entre a quantidade das mercadorias produzidas e a quantidade em que elas são vendidas por seu valor de mercado pode resultar de duas causas. Pode ocorrer, com efeito, que essa própria quantidade varie, tornando-se pequena ou grande demais, de modo que a reprodução teria ocorrido numa escala que não aquela que regulava o valor de mercado dado. Nesse caso, terá variado a oferta, ainda que a demanda tenha permanecido constante, o que resultará em sobreprodução ou subprodução relativa. Ou, então, que a reprodução, isto é, a oferta, tenha permanecido constante, mas a demanda tenha diminuído ou aumentado, o que pode ocorrer por diversas razões. Nesse caso, embora a grandeza absoluta da oferta tenha permanecido a mesma, sua grandeza relativa terá se modificado, isto é, sua grandeza comparada com a necessidade, ou medida por esta última. O efeito será o mesmo que no primeiro caso, porém em sentido inverso. Por último, no caso de que alterações ocorram dos dois lados, mas em direção oposta ou, se na mesma direção, não na mesma medida; quando, numa palavra, operam-se alterações bilaterais, que, no entanto, modificam a proporção anterior entre os dois lados, o resultado terá sempre de desembocar num dos dois casos aqui considerados.
A verdadeira dificuldade com que deparamos na definição geral da oferta e da demanda é que ela parece resultar numa tautologia. Consideremos primeiro a oferta, o produto que se encontra no mercado, que lhe pode ser fornecido. Para não entrarmos em detalhes que aqui seriam completamente inúteis, pensemos na massa da reprodução anual em qualquer ramo determinado da indústria, abstraindo da maior ou da menor capacidade que as diversas mercadorias possam ter para ser retiradas do mercado e armazenadas para o consumo, digamos, no ano seguinte. Essa reprodução anual expressa, em primeiro lugar, determinada quantidade, uma medida ou um número, conforme se meça a massa de mercadoria como discreta ou contínua; não se trata simplesmente de valores de uso destinados a satisfazer necessidades humanas, mas de valores de uso que se encontram no mercado numa quantidade dada. Em segundo lugar, essa quantidade de mercadorias tem um valor de mercado determinado, que podemos expressar num múltiplo do valor de mercado da mercadoria ou da medida de mercadoria que serve como unidade. Entre o volume quantitativo das mercadorias que se encontram no mercado e seu valor de mercado não existe, portanto, uma conexão necessária, uma vez que, por exemplo, algumas mercadorias têm um valor especificamente alto, e outras, um valor especificamente baixo, de modo que uma soma de valor dada pode ser representada numa quantidade muito grande de uma mercadoria e numa quantidade muito pequena de outra. Entre a quantidade dos artigos que se encontram no mercado e o valor de mercado desses artigos, existe apenas a seguinte relação: partindo de uma base dada de produtividade do trabalho, a elaboração de uma quantidade determinada de artigos requer, em cada esfera particular da produção, certa quantidade de tempo social de trabalho, embora essa relação varie completamente em diversas esferas da produção e não guarde nenhuma relação interna com a utilidade desses artigos nem com o caráter particular de seus valores de uso. Supondo inalteradas todas as demais circunstâncias, se a quantidade a de uma classe de mercadorias custa um tempo de trabalho b, a quantidade na custa um tempo de trabalho nb. Além disso, na medida em que a sociedade queira satisfazer necessidades e que um artigo seja produzido para esse fim, ela terá de pagar por ele. Com efeito, como na produção de mercadorias está pressuposta a divisão do trabalho, a sociedade compra esses artigos, empregando em sua produção uma parte de seu tempo disponível de trabalho, ou seja, compra-os mediante determinada quantidade do tempo de trabalho de que essa sociedade pode dispor. A parte da sociedade à qual, em virtude da divisão do trabalho, cabe empregar seu trabalho na produção desses artigos determinados tem de obter um equivalente por meio do trabalho social, representado nos artigos que satisfazem suas necessidades. Mas não existe uma conexão necessária, e sim uma conexão puramente fortuita entre, de um lado, a quantidade total do trabalho social empregado para produzir um artigo destinado à sociedade, isto é, a alíquota de sua força total de trabalho que a sociedade emprega para a produção desse artigo, ou, ainda, o volume que a produção desse artigo ocupa na produção total, e, de outro, o volume no qual a sociedade demanda a satisfação das necessidades que aquele artigo determinado visa cobrir. Embora cada artigo ou cada quantidade determinada de um tipo de mercadoria possa conter somente o trabalho social requerido para sua produção e embora, considerado sob esse aspecto, o valor de mercado de toda essa classe de mercadoria represente apenas trabalho necessário, quando a mercadoria determinada tiver sido produzida numa medida que, em dado momento, ultrapasse a necessidade social, uma parte do tempo de trabalho social terá sido desperdiçada, e a massa de mercadorias representará então, no mercado, uma quantidade de trabalho social muito menor que a quantidade nela efetivamente contida. (É somente onde a produção está submetida a um controle preestabelecido da sociedade que esta última pode estabelecer a coordenação necessária entre o tempo de trabalho social aplicado na produção de determinados artigos e o volume da necessidade social que esse artigo deve satisfazer.) Por conseguinte, essas mercadorias têm de ser vendidas abaixo de seu valor de mercado, e uma parte delas pode até tornar-se invendável. Já quando o volume do trabalho social empregado para a produção de uma classe determinada de mercadorias é pequeno demais para o volume da necessidade social particular que esse produto deve satisfazer, o resultado é o inverso. Em contrapartida, se o volume do trabalho social empregado para a produção de um artigo determinado corresponde ao volume da necessidade social a ser satisfeita, de modo que, mantendo-se inalterada a demanda, a massa produzida corresponda à escala habitual da reprodução, então a mercadoria será vendida por seu valor de mercado. O intercâmbio ou a venda das mercadorias por seu valor é o racional [das Rationelle], a lei natural de seu equilíbrio; dela devemos partir para explicar os desvios – e não o inverso, partir dos desvios para explicar a lei.
Voltemo-nos agora ao outro aspecto, o da demanda.
As mercadorias são compradas como meios de produção ou meios de subsistência – embora algumas classes de mercadorias possam servir para ambos os fins – para entrar no consumo produtivo ou individual. Verifica-se, pois, uma demanda dessas mercadorias por parte dos produtores (que são, aqui, capitalistas, pois pressupomos que os meios de produção estão transformados em capital) e dos consumidores. Ambas as coisas parecem supor, de início, um volume dado de necessidades sociais do lado da demanda, ao qual correspondem, do outro lado, determinados volumes de produção social nos diversos ramos da produção. Para que a indústria algodoeira, por exemplo, possa dar continuidade a sua reprodução anual em dada escala, ela necessita da quantidade tradicional de algodão e, se levamos em conta a ampliação anual da reprodução em decorrência da acumulação de capital, concluímos que, mantendo-se inalteradas as demais circunstâncias, ela necessita, além disso, de uma quantidade adicional de matéria-prima. O mesmo ocorre com relação aos meios de subsistência. Para continuar a viver mais ou menos do modo como viveu até então, a classe trabalhadora precisa encontrar uma quantidade pelo menos igual de meios de subsistências necessários, ainda que sua distribuição entre as diversas categorias tenha se alterado em maior ou menor medida; e, se levamos em conta o crescimento anual da população, ela precisa encontrar uma quantidade adicional; o mesmo vale, com maiores ou menores modificações, para as outras classes.
Parece, pois, que, do lado da demanda, encontra-se uma certa grandeza de algumas necessidades sociais, que, para sua satisfação, requer uma quantidade determinada de um artigo no mercado. Mas a determinidade [Bestimmtheit] quantitativa dessa necessidade é totalmente elástica e oscilante. Seu caráter fixo é aparente. Se os meios de subsistência fossem mais baratos ou os salários em dinheiro mais elevados, os trabalhadores comprariam uma quantidade maior desses artigos e se ampliaria a “necessidade social” dessa classe de mercadorias, abstraindo por completo dos indigentes etc., cuja “demanda” é inferior a suas necessidades físicas mais elementares. Por outro lado, se o algodão, por exemplo, fosse mais barato, cresceria a demanda de algodão por parte dos capitalistas, uma quantidade maior de capital adicional seria lançada na indústria algodoeira etc. Quanto a isso, não podemos de modo nenhum esquecer que, segundo nosso pressuposto, a demanda de consumo produtivo é a demanda do capitalista e que a verdadeira finalidade deste último é a produção de mais-valor, de modo que ele produz certa classe de mercadoria somente com esse objetivo. Por outro lado, isso não impede que, ao apresentar-se no mercado como comprador, por exemplo, de algodão, o capitalista represente a necessidade de algodão, sendo indiferente ao vendedor de algodão se o comprador transforma o algodão em tecido de camisa ou em algodão-pólvora, ou se pretende usá-lo para tapar seus ouvidos e os do mundo inteiro. Porém, sem dúvida isso exerce grande influência sobre o modo como atua como comprador. Sua necessidade de algodão se encontra essencialmente modificada pela circunstância de que, na realidade, apenas disfarça sua necessidade de obter lucro. Os limites nos quais a necessidade de mercadorias representada no mercado – a demanda – é quantitativamente distinta da necessidade social real variam muito, naturalmente, segundo as diversas mercadorias; refiro-me à diferença entre a quantidade de mercadorias exigida e a quantidade que se exigiria no caso de mercadorias com outros preços monetários ou de compradores em outras condições financeiras ou de vida.
Não há nada mais fácil de compreender do que as desproporções entre oferta e demanda e a conseguinte divergência entre os preços de mercado e os valores de mercado. A verdadeira dificuldade consiste em definir o que se deve entender por coincidência entre oferta e demanda.
A oferta e a demanda coincidem quando se encontram numa relação tal que a massa das mercadorias de um ramo determinado da produção pode ser vendida por seu valor de mercado, nem acima nem abaixo dele. Essa é nossa primeira comprovação.
A segunda é a seguinte: quando as mercadorias são vendáveis por seu valor de mercado, a oferta e a demanda coincidem.
Quando a oferta e a demanda coincidem, elas deixam de atuar, e precisamente por isso as mercadorias são vendidas por seu valor de mercado. Quando duas forças iguais atuam na mesma medida em sentidos opostos, elas se anulam reciprocamente, não exercem nenhum efeito externo, e os fenômenos que se produzem sob essas condições têm de ser explicados por causas alheias à intervenção dessas duas forças. Quando se anulam mutuamente, a oferta e a demanda já não explicam mais coisa nenhuma, não influem no valor de mercado e, com mais razão ainda, não nos ajudam a compreender por que o valor de mercado se expressa justamente nessa soma de dinheiro, e não em outra. Evidentemente, as leis internas efetivas da produção capitalista não podem ser explicadas pelo efeito recíproco de oferta e demanda (abstraindo de uma análise mais profunda dessas duas forças motrizes sociais, que não cabe aqui), porquanto essas leis só aparecem realizadas em toda sua pureza no momento em que a oferta e a demanda cessam de atuar, isto é, quando coincidem. Com efeito, a oferta e a demanda nunca coincidem, ou, se o fazem, é de modo acidental, de maneira que se deve qualificá-las cientificamente como = 0, isto é, como se tal coincidência não existisse. Na economia política, no entanto, parte-se da premissa de que coincidem. Por quê? Para considerar os fenômenos na forma que corresponde a suas leis, a seu conceito, isto é, para considerá-los independentemente da aparência provocada pelo movimento da oferta e da demanda. Por outro lado, para localizar e, de certo modo, fixar a tendência efetiva de seu movimento, pois as desigualdades são de natureza oposta e, como se sucedem constantemente umas às outras, voltam a compensar-se por suas direções opostas, pela contradição entre elas. Portanto, se a oferta e a demanda não concordam em nenhum caso dado, suas desigualdades se sucedem de maneira tal – e o desvio numa direção provoca como resultado um desvio em direção contrária – que, caso se considere o conjunto num intervalo de tempo maior ou menor, a oferta e a demanda coincidem constantemente, mas apenas como média do movimento transcorrido e como movimento constante de sua contradição. Desse modo, considerados segundo seu número médio, os preços de mercado divergentes dos valores de mercado nivelam-se com estes últimos, na medida em que as divergências se anulam como mais e menos. Esse número médio não tem de modo nenhum uma importância meramente teórica, mas uma grande importância prática para o capital, cujos investimentos se calculam levando em conta as flutuações e compensações num intervalo de tempo mais ou menos determinado.
Por isso, a relação entre oferta e demanda só explica, por um lado, as divergências dos preços de mercado em relação aos valores de mercado e, por outro, a tendência à anulação dessa divergência, isto é, à anulação do efeito da relação entre a oferta e a demanda. (Não cabe aqui considerar os casos excepcionais de mercadorias que têm um preço sem ter valor.) A oferta e a demanda podem anular de maneiras muito diversas os efeitos produzidos por sua desigualdade. Por exemplo, se cai a demanda e, por conseguinte, o preço de mercado, isso pode provocar a retirada de capital, com a consequente redução da oferta. Mas também pode fazer com que o próprio valor de mercado, por meio de inventos que abreviem o tempo de trabalho necessário, diminua e, desse modo, nivele-se com o preço de mercado. Inversamente, se aumenta a demanda e, com isso, o preço de mercado fica acima do valor de mercado, isso pode fazer com que a esse ramo da produção aflua capital em demasia e a produção aumente em tais proporções que o próprio preço de mercado caia abaixo do valor de mercado; por outro lado, pode levar a um aumento de preços que repercuta sobre a demanda, fazendo-a recuar. Num ou noutro ramo da produção, isso pode levar também a um aumento do próprio valor de mercado durante um período mais ou menos longo, ao fazer com que uma parte dos produtos demandados seja produzida, durante esse período, sob piores condições.
Se, por um lado, a oferta e a demanda determinam o preço de mercado, por outro lado é o preço de mercado e, em última análise, o valor de mercado que determinam a oferta e a demanda. No caso da demanda, isso é evidente, já que esta se move em sentido contrário ao preço, aumentando quando ele diminui, e vice-versa. Mas o mesmo ocorre com a oferta, pois os preços dos meios de produção que entram na mercadoria ofertada determinam a demanda desses meios de produção e, por conseguinte, também a oferta das mercadorias cuja oferta inclui a demanda daqueles meios de produção. Os preços do algodão são determinantes para a oferta de tecidos de algodão.
A essa confusão – determinação dos preços por oferta e demanda e, ao mesmo tempo, determinação da oferta e demanda pelos preços – devemos acrescentar que a demanda determina a oferta e esta, por sua vez, a demanda, ou, o que dá no mesmo, que a produção determina o mercado, e este, a produção[31].
Até o economista vulgar (cf. nota) compreende que, sem uma mudança da oferta ou da demanda provocada por circunstâncias externas, a proporção entre ambas pode se alterar em consequência de uma variação no valor de mercado das mercadorias. Até ele se vê obrigado a reconhecer que, qualquer que seja o valor de mercado, a oferta e a demanda têm de compensar-se para obtê-lo. Isto é, que não é a proporção entre a oferta e a demanda que explica o valor de mercado, mas, ao contrário, é ele que explica as flutuações da oferta e da demanda. Depois da passagem citada na nota, prossegue o autor das “Observations”:
“This proportion” (entre oferta e demanda) “however, if we still mean by ‘demand’ and ‘natural price’, what we meant just now, when referring to Adam Smith, must always be a proportion of equality: for it is only when the supply is equal to the effectual demand, that is, to that demand, which will pay neither more nor less than the natural price, that the natural price is in fact paid; consequently, there may be two very different natural prices, at different times, for the same commodity, and yet the proportion which the supply bears to the demand, be in both cases the same, namely the proportion of equality.”[g]
Admite-se, pois, que, apesar de existirem diferentes natural prices [preços naturais] da mesma mercadoria em dois momentos distintos, a oferta e a demanda podem e devem coincidir em ambos os casos, a fim de que a mercadoria seja vendida a seu natural price nas duas ocasiões. E como em nenhum desses casos existe diferença na proporção entre oferta e demanda, mas apenas na grandeza do próprio natural price, é evidente que este se determina independentemente da oferta e da demanda e que não pode em absoluto ser determinado por estas.
Para que uma mercadoria seja vendida por seu valor de mercado, isto é, na proporção do trabalho socialmente necessário nela contido, a quantidade total de trabalho social empregada na massa total desse tipo de mercadoria tem de corresponder à quantidade das necessidades sociais, isto é, às necessidades sociais solventes. A concorrência e as oscilações dos preços de mercado que correspondem às oscilações da relação entre oferta e demanda tendem constantemente a reduzir a essa medida a quantidade total do trabalho empregado em cada tipo de mercadoria.
Na relação entre oferta e demanda das mercadorias se repete, em primeiro lugar, a relação entre valor de uso e valor de troca, entre mercadoria e dinheiro, entre comprador e vendedor, e, em segundo lugar, a relação entre produtor e consumidor, ainda que ambos possam estar representados por terceiros, que são os comerciantes. Quanto ao comprador e ao vendedor, é suficiente, para desenvolver a relação, confrontá-los um com o outro. Basta que existam três pessoas para que se opere a metamorfose total da mercadoria e, por conseguinte, a unidade total da venda e da compra. A converte sua mercadoria no dinheiro de B, a quem ele vende a mercadoria, e reconverte seu dinheiro em mercadoria, empregando-o para comprá-la de C; o processo inteiro ocorre entre essas três pessoas. Além disso, em nosso estudo sobre o dinheiro, partimos do pressuposto de que as mercadorias eram vendidas por seu valor, porquanto não havia absolutamente nenhum motivo para considerar preços divergentes do valor, uma vez que se tratava apenas de metamorfoses que a mercadoria sofre em sua conversão em dinheiro e reconversão de dinheiro em mercadoria. Tão logo a mercadoria é vendida e, com a soma por ela paga, uma nova mercadoria é comprada, temos diante de nós a metamorfose completa, sendo indiferente, nesse caso, se o preço da mercadoria esteja abaixo ou acima de seu valor. O valor da mercadoria, como base, conserva sua importância, uma vez que o dinheiro só pode ser desenvolvido em seu conceito a partir desse fundamento, e porque o preço, em relação a seu conceito geral, é primordialmente apenas o valor em forma de dinheiro. No entanto, na análise do dinheiro como meio de circulação, pressupomos que não ocorre somente uma metamorfose de uma mercadoria. Consideramos, antes, o entrelaçamento social dessas metamorfoses. Apenas assim chegamos ao curso do dinheiro e ao desenvolvimento de sua função como meio de circulação. Mas essa conexão, por importante que seja para a transição do dinheiro à função de meio de circulação e para sua figura modificada que resulta dessa transição, é de todo indiferente para a transação entre os distintos compradores e vendedores.
Em contrapartida, no caso da oferta e da demanda, a oferta é igual à soma dos vendedores ou dos produtores de determinado tipo de mercadoria, e a demanda é igual à soma dos compradores ou dos consumidores (individuais ou produtivos) do mesmo tipo de mercadorias. E as somas interagem precisamente como unidades, como forças agregadas. O indivíduo só opera aqui como parte de uma potência social, como átomo da massa, e é nessa forma que a concorrência faz valer o caráter social da produção e do consumo.
O lado momentaneamente mais fraco da concorrência é, ao mesmo tempo, aquele no qual o indivíduo atua independentemente da massa de seus concorrentes e, com frequência, diretamente contra ela, tornando perceptível precisamente assim a dependência de uns em relação aos outros, ao passo que o lado mais forte sempre enfrenta seu oponente como uma unidade mais ou menos compacta. Se para essa espécie determinada de mercadorias a demanda for maior que a oferta, um comprador oferecerá mais que o outro – dentro de certos limites – e, desse modo, encarecerá a mercadoria para todos acima do valor de mercado[h], enquanto que, por outro lado, os vendedores procurarão vender conjuntamente a um preço de mercado mais alto. Se, por sua vez, a oferta for maior que a demanda, um começará a liquidar a mercadoria a um preço menor, e os outros terão de segui-lo, enquanto os compradores se esforçarão em conjunto para reduzir o preço de mercado o máximo possível abaixo do valor de mercado. A ação conjunta só interessa a cada um deles na medida em que se ganhe mais unindo-se a ele do que estando contra ele. E essa ação cessará tão logo esse interesse coletivo caia por terra e cada indivíduo trate de se arranjar da melhor maneira possível por suas próprias forças. Além disso, se um deles produz mais barato e pode liquidar uma quantidade maior, apropriar-se de uma fatia maior do mercado, vendendo abaixo do preço corrente de mercado ou do valor de mercado, ele o faz, e assim tem início a ação que pouco a pouco obriga os outros a introduzir o tipo de produção mais barato e que reduz o trabalho socialmente necessário a uma nova medida menor. Se um lado tem a supremacia, ganha cada um dos membros que o integram; é como se eles tivessem de impor um monopólio comum. Se um lado é o mais fraco, cada membro pode procurar por sua própria conta ser o mais forte (por exemplo, quem trabalha com custos menores de produção) ou pelo menos arranjar-se da melhor maneira possível; nesse caso, ele está pouco se lixando para seu vizinho, embora sua própria ação afete não somente a ele, mas também a todos os seus companheiros[32].
A oferta e a demanda pressupõem a transformação do valor em valor de mercado e, na medida em que operam sobre uma base capitalista, em que as mercadorias são produtos do capital, pressupõem processos de produção capitalistas, ou seja, condições muito mais complexas que a mera compra e venda de mercadorias. Aqui, não se trata da transformação puramente formal do valor das mercadorias em preço, isto é, de simples alteração de forma; trata-se das divergências quantitativas determinadas dos preços de mercado com relação aos valores de mercado e, além disso, com relação aos preços de produção. Nas simples operações de compra e venda, basta que os produtores de mercadorias como tais se confrontem uns com os outros. A oferta e a demanda, numa análise mais detalhada, pressupõem a existência das diversas classes e subclasses entre as quais se reparte a renda total da sociedade para ser por elas consumida como renda, e que, portanto, constituem parte da demanda formada pela renda; por outro lado, o entendimento da oferta e da demanda constituídas pelos produtores como tais pressupõe a compreensão da estrutura de conjunto do processo de produção capitalista.
Na produção capitalista não se trata apenas de extrair, em troca da massa de valor lançada na circulação em forma-mercadoria, uma massa igual de valor sob uma forma distinta – seja de dinheiro, seja de outra mercadoria –, mas sim de extrair do capital investido na produção o mesmo mais-valor ou lucro que qualquer outro capital de mesma grandeza, ou pro rata [proporcionalmente] a sua grandeza, qualquer que seja o ramo da produção em que ele seja investido; trata-se, portanto, de, pelo menos como mínimo, vender as mercadorias a preços que forneçam o lucro médio, isto é, a preços de produção. Nessa forma, o capital chega à consciência de si mesmo como uma potência social na qual cada capitalista se encontra proporcionalmente a sua participação no capital social total.
Em primeiro lugar, à produção capitalista como tal é indiferente o valor de uso determinado e, em geral, as características específicas das mercadorias que ela produz. Em qualquer esfera da produção, o que lhe importa é apenas produzir mais-valor, apropriar-se, no produto do trabalho, de determinada quantidade de trabalho não pago. E o mesmo ocorre, por sua natureza, com o trabalho assalariado submetido ao capital: a apropriação capitalista não se importa com o caráter específico de seu trabalho, desde que ele se transforme conforme as necessidades do capital e se deixe deslocar de uma esfera da produção a outra.
Em segundo lugar, uma esfera da produção é, na realidade, tão boa ou tão má quanto a outra; todas proporcionam o mesmo lucro, e todas careceriam de propósito se as mercadorias que produzem não satisfizessem a uma necessidade social de um tipo qualquer.
Ocorre que, se as mercadorias fossem vendidas por seus valores, haveria, como já foi exposto, taxas de lucro muito diversas nas diversas esferas da produção, segundo a composição orgânica das massas de capital nelas investidas. Mas o capital é retirado de uma esfera com taxa de lucro menor e lançado em outra, que gera lucros maiores. Mediante essa constante emigração e imigração, numa palavra, mediante sua distribuição entre as diversas esferas, conforme em uma delas sua taxa de lucro diminua e, em outra, aumente, o capital engendra uma relação entre a oferta e a demanda de tal natureza que o lucro médio nas diversas esferas da produção torna-se o mesmo e, por conseguinte, os valores se transformam em preços de produção. O capital logra realizar essa equalização em maior ou menor grau quanto maior for o desenvolvimento capitalista num Estado-nação dado, isto é, quanto mais adequadas ao modo capitalista de produção se encontrem as condições do país em questão. Com o progresso da produção capitalista, desenvolvem-se também suas condições, e o conjunto dos pressupostos sociais no interior dos quais transcorre o processo de produção vai sendo progressivamente submetido a seu caráter específico e a suas leis imanentes.
A constante equalização das constantes desigualdades se efetuará tanto mais rapidamente: 1) quanto mais móvel seja o capital, isto é, quanto mais fácil seja transferi-lo de uma esfera da produção a outra e de um lugar a outro; 2) quanto mais rapidamente se possa deslocar força de trabalho de uma esfera de produção a outra e de um ponto a outro. A primeira condição supõe a liberdade plena de comércio no interior da sociedade e a eliminação de todos os monopólios, exceto o natural, ou seja, aquele que deriva do próprio modo de produção capitalista. Supõe, além disso, o desenvolvimento do sistema de crédito, que concentra diante dos capitalistas individuais a massa inorgânica do capital social disponível; por último, a subordinação das diversas esferas da produção aos capitalistas. Este último ponto já se encontra implícito no suposto prévio, no qual se admitia tratar-se da transformação dos valores em preços de produção para todas as esferas de produção exploradas de modo capitalista; mas inclusive essa compensação se choca contra grandes obstáculos quando numerosas e massivas esferas da produção que não se exploram de modo capitalista (por exemplo, a agricultura explorada por pequenos camponeses) se interpõem entre as empresas capitalistas e com elas se concatenam. Por fim, temos a grande densidade da população. A segunda condição pressupõe a abolição de todas as leis que impedem os trabalhadores de transferir-se de uma esfera da produção a outra ou de uma sede local da produção para outra qualquer. Indiferença do trabalhador em relação ao conteúdo de seu trabalho. Em todas as esferas da produção, maior redução possível do trabalho a trabalho simples. Desaparição de todos os preconceitos profissionais entre os trabalhadores. Por fim, e sobretudo, submissão do trabalhador ao modo de produção capitalista. O desenvolvimento desses pontos pertence ao exame especial da concorrência.
Do que foi dito resulta que cada capitalista, assim como o conjunto de todos os capitalistas de cada esfera da produção, se interessa pela exploração da classe trabalhadora inteira pelo capital e pelo grau dessa exploração não só por uma simpatia geral de classe, mas sim diretamente, por motivos econômicos, uma vez que, pressupondo como dadas todas as demais circunstâncias – entre elas, o valor da totalidade do capital constante adiantado –, a taxa média de lucro depende do grau de exploração do trabalho total pelo capital total.
A taxa média de lucro coincide com o mais-valor médio produzido percentualmente pelo capital, e, com relação ao mais-valor, o que acabamos de expor é desde já evidente. No lucro médio, apenas o valor do capital adiantado é agregado como um dos elementos determinantes da taxa de lucro. Na realidade, o interesse especial que atrai um capitalista ou o capital de determinada esfera da produção à exploração dos trabalhadores por ele diretamente ocupados limita-se ao fato de que, seja mediante um excesso excepcional de trabalho, seja mediante a redução do salário a um nível abaixo da média, ou ainda, em virtude de uma produtividade excepcional no trabalho empregado, ele possa obter um ganho extraordinário, um lucro que ultrapasse o lucro médio. Sem levar isso em conta, um capitalista que em sua esfera de produção não empregasse nenhum capital variável e, portanto, não empregasse nenhum trabalhador (o que, com efeito, é uma hipótese exagerada) estaria tão interessado na exploração da classe trabalhadora pelo capital e extrairia seus lucros do mais-trabalho não pago exatamente na mesma medida de, por exemplo, um capitalista que (outra hipótese exagerada) só empregasse capital variável, ou seja, que desembolsasse seu capital inteiro em salários. Ora, com uma jornada de trabalho dada, o grau de exploração do trabalho depende da intensidade média do trabalho e, com uma intensidade de trabalho dada, ele depende da duração da jornada de trabalho. Do grau de exploração do trabalho depende o nível da taxa de mais-valor, portanto, com dada massa total de capital variável, a grandeza do mais-valor e, com ela, a grandeza do lucro. O interesse especial que o capital de uma esfera, em contraste com o capital em seu conjunto, tem na exploração dos trabalhadores por ele especificamente ocupados é o mesmo que o capitalista individual, em contraste com o capital de sua esfera de produção, tem na exploração dos trabalhadores que ele explora pessoalmente.
Por outro lado, o capital de cada esfera particular da produção e cada capitalista individual têm o mesmo interesse na produtividade do trabalho social empregado pelo capital total. E dessa produtividade dependem duas coisas: em primeiro lugar, a quantidade de valores de uso nos quais se expressa o lucro médio; e isso é duplamente importante, na medida em que esse lucro médio serve tanto como fundo de acumulação de novo capital quanto como fundo de renda para o desfrute. Em segundo lugar, o nível de valor do capital total adiantado (constante e variável), que, com uma grandeza dada do mais-valor ou do lucro da classe capitalista inteira, determina a taxa de lucro ou o lucro para certa quantidade de capital. A produtividade particular do trabalho numa esfera particular ou num negócio em particular no interior dessa esfera interessa unicamente aos capitalistas que deles participam diretamente, na medida em que possibilita a essa esfera particular a obtenção de um lucro extraordinário com relação ao capital total ou ao capitalista individual um lucro extraordinário com relação a sua esfera.
Temos aqui, pois, a demonstração matemática exata de por que os capitalistas, apesar das desavenças que os separam no campo da concorrência, constituem, não obstante, uma verdadeira confraria maçônica diante do conjunto da classe trabalhadora.
O preço de produção traz implícito o lucro médio. O que denominamos preço de produção é, na realidade, o mesmo que Adam Smith denomina natural price [preço natural]; Ricardo, price of production, cost of production [preço de produção, custo de produção]; os fisiocratas, prix nécessaire [preço necessário] – ainda que nenhum deles tenha desenvolvido a diferença entre o preço de produção e o valor –, porque por muito tempo ele é a condição da oferta, da reprodução da mercadora de cada esfera da produção em particular[33]. Compreende-se também por que os mesmos economistas que se voltam contra a determinação do valor das mercadorias pelo tempo de trabalho, pela quantidade de trabalho nelas contido, falem sempre dos preços de produção como centros em torno dos quais flutuam os preços de mercado. Eles se permitem fazê-lo porque o preço de produção é uma forma já totalmente exteriorizada e, prima facie, absurda do valor-mercadoria; uma forma que se apresenta na concorrência, portanto, na consciência do capitalista vulgar e, logo, também na do economista vulgar.
* * *
Do que expusemos se depreende que o valor de mercado (e tudo o que foi dito sobre ele vale também, com as restrições necessárias, para o preço de produção) inclui um lucro extra para os que produzem nas melhores condições em cada esfera particular da produção. Excetuando os casos de crise e de sobreprodução, isso vale para todos os preços de mercado, por mais que possam divergir dos valores de mercado ou dos preços de produção do mercado, pois o preço de mercado implica que se pague o mesmo preço por mercadorias da mesma espécie, ainda que tenham sido produzidas sob condições individuais bem diversas e, por conseguinte, possam ter preços de custo muito diferentes. (Não falamos aqui dos lucros extras, que derivam de monopólios, artificiais ou naturais, no sentido usual da palavra.)
Mas, além disso, os lucros extras podem ter lugar quando certas esferas da produção se encontrem em condições de subtrair-se à transformação de seus valores-mercadoria em preços de produção e, assim, à redução de seus lucros ao lucro médio. Na seção sobre renda fundiária teremos de considerar outras modalidades dessas duas formas do lucro extra.
[a] Na primeira edição, “mas também o”; alterado de acordo com o manuscrito de Marx. (N. E. A.)
[27] Em 1865, isso era ainda uma simples opinião de Marx. Hoje, a partir da ampla investigação das comunidades primitivas, de Mauer até Morgan, é um fato que quase não se questiona em parte nenhuma. (F. E.) [Ed. bras.: Karl Marx, O capital: crítica da economia política, Livro I: O processo de produção do capital (trad. Rubens Enderle, São Paulo, Boitempo, 2013), p. 162. – N. T.]
[b] Na primeira edição, “oferta”. (N. E. A.)
[c] Na primeira edição, “maior”; alterado de acordo com o manuscrito de Marx. (N. E. A.)
[d] “A investigação para a qual ele deseja chamar a atenção do leitor refere-se ao efeito das variações no valor relativo das mercadorias, não em seu valor absoluto.” (N. T.)
[e] Leia-se: de um tipo de mercadorias. (N. T.)
[28] Karl Marx, Zur Kritik der pol.[itischen] Ök.[onomie] (Berlim, 1859) [ed. bras.: Contribuição à crítica da economia política, trad. Florestan Fernandes, São Paulo, Expressão Popular, 2008].
[29] Idem.
[30] Sobre a polêmica entre Storch e Ricardo acerca da renda fundiária (polêmica apenas implícita, pois de fato nenhum dos dois leva o outro em consideração), se o valor de mercado (para eles, mais propriamente, o preço de mercado ou o de produção) é regulado pelas mercadorias produzidas sob as condições menos (Ricardo) ou mais (Storch) favoráveis, resulta, finalmente, que ambos estão certos e ambos estão errados e que, do mesmo modo, ambos ignoraram por completo o caso intermediário. Veja o que diz Corbet sobre os casos em que o preço é regulado pelas mercadorias produzidas sob as melhores condições. “If is not meant to be asserted by him” (Ricardo) “that two particular lots of two different articles, as a hat and a pair of shoes, exchange with one another when those two particular lots were produced by equal quantities of labour. By ‘commodity’ we must here understand the ‘description of commodity’, not a particular individual hat, pair of shoes etc. The whole labour which produces all the hats in England is to be considered, for this purpose, as divided among all the hats. This seems to me not to have been expressed at first, and in the general statements of this doctrine.” [“Isso não significa que ele” (Ricardo) “tenha afirmado que dois lotes individuais de dois artigos diferentes, tais como um chapéu e um par de sapatos, intercambiem-se quando esses dois lotes particulares foram produzidos por iguais quantidades de trabalho. Por ‘mercadoria’ devemos entender aqui a ‘descrição de mercadoria’, não um chapéu, um par de sapatos etc. individuais. Para esse fim, a totalidade do trabalho que produz todos os chapéus da Inglaterra deve ser considerada dividida entre todos os chapéus. Isso, ao que me parece, não foi expresso inicialmente e não está contido nas teses gerais dessa doutrina.” (Observations on some Verbal Disputes in Pol.[itical] Econ.[onomy Particularly Relating to Value, and to Demand and Supply], Londres, [R. Hunter,] 1821, p. 53-4.)
[f] Na primeira edição, “se coloque”; alterado de acordo com o manuscrito de Marx. (N. E. A.)
[31] O grande disparate da seguinte “perspicácia”: “Where the quantity of wages, capital, and land, required to produce an article, have become different from what they where, that which Adam Smith calls the natural price of it, is also different, and that price which was previously its natural price, becomes, with reference to this alteration, its market price; because, though neither the supply, nor the quantity wanted may have changed [...] that supply is not now exactly enough for those persons who are able and willing to pay what is now the cost of production, but is either greater or less than that; so that the proportion between the supply, and what is, with reference to the new cost of production, the effectual demand, is different from what it was. An alteration in the rate of supply will then take place if there is no obstacle in the way of it, and at last bring the commodity to its new natural price. It may then seem good to some persons to say that, as the commodity gets to its natural price by an alteration in its supply, the natural price is as much owing to one proportion between the demand and the supply, as the market price is to another, and consequently, that the natural price, just as much as the market price, depends on the proportion that demand and supply bear to each other. (‘The great principle of demand and supply is called into action to determine what A. Smith calls natural price, as well as market price’ – Malthus)” [“Quando a quantidade dos salários, do capital e do solo necessários para a produção de uma mercadoria se altera, também se encontra alterado aquilo que Adam Smith chama de preço natural dessa mercadoria, e esse preço, que antes era seu preço natural, converte-se, com referência a essa alteração, em seu preço de mercado: pois embora nem a oferta nem a quantidade requerida tenham variado” (ambas variam, aqui, precisamente porque varia o valor de mercado ou, como é o caso em Adam Smith, o preço de produção varia em consequência de uma variação de valor), “essa oferta não corresponde inteiramente à demanda daquelas pessoas em condições de pagar – e dispostas a tanto – por aquilo que agora representa o custo de produção, mas é maior ou menor que ela, de modo que a proporção entre a oferta e o que, com referência ao novo custo de produção, é a demanda efetiva, é diferente do que era. Então ocorrerá uma alteração na oferta – se não houver nenhum obstáculo –, e a mercadoria acabará reconduzida a seu novo preço natural. Nesse caso, é possível que algumas pessoas considerem que o melhor seria dizer que – uma vez que a mercadoria alcança seu preço natural em virtude de uma alteração em sua oferta – o preço natural se deve tanto a tal ou qual proporção entre a oferta e a demanda quanto o preço de mercado se deve a outra; e, consequentemente, que o preço natural, assim como o preço de mercado, depende da proporção que a oferta e a demanda guardam entre si. (‘O grande princípio da oferta e da demanda foi posto em ação para definir o que A. Smith chama de preços naturais, assim como o que ele chama de preços de mercado.’ – Malthus)”] (Observations on Certain Verbal Disputes etc., cit., p. 60-1). O astuto senhor não percebe que, no caso presente, foi precisamente a mudança no cost of production [custo de produção], ou seja, também no valor, que havia provocado a alteração na demanda, quer dizer, na proporção entre a oferta e a demanda, e que essa alteração na demanda pode provocar uma alteração na oferta; o que demonstraria precisamente o contrário do que pretende nosso pensador; a saber, demonstraria que a alteração nos custos de produção não está de modo nenhum regulada pela proporção entre a oferta e a demanda, mas que, pelo contrário, é ela mesma que regula essa proporção.
[g] “No entanto, essa proporção” [...] “se ainda entendemos por ‘demanda’ e ‘preço natural’ o que até agora entendíamos ao nos referirmos a Adam Smith, tem de ser sempre uma proporção de igualdade, pois somente quando a oferta é igual à demanda efetiva, isto é, a demanda que não pagará nem mais nem menos que o preço natural, é que o preço natural é efetivamente pago; consequentemente, pode haver dois preços naturais muito diferentes, em diferentes momentos, para a mesma mercadoria, e, não obstante, a proporção que a oferta guarda para com a demanda pode ser, em ambos os casos, a mesma, a saber, a proporção de igualdade.” (N. T.)
[h] Na primeira edição, “preço de mercado”. (N. E. A.)
[32] “If each man of a class could never have more than a given share, or aliquot part of the gains and possessions of the whole, he would readily combine to raise the gains [...]: this is monopoly. But where each man thinks that he may any way increase the absolute amount of his own share, though by a process which lessens the whole amount, he will often do it: this is competition.” [“Se cada indivíduo de uma classe jamais pudesse ter mais que uma porção dada ou uma alíquota dos lucros e das posses do todo, ele se mostraria disposto a unir-se para aumentar os lucros” (ele o faz, tão logo o permite a relação entre a oferta e a demanda): “isso é o monopólio. Mas se cada indivíduo pensa que de algum modo pode aumentar a soma absoluta de sua própria parte, ainda que em virtude de um procedimento que diminua a soma total, ele com frequência o fará: isso é a concorrência.”] (An Inquiry into those Principles Respecting the Nature of Demand [and the Necessity of Consumption, Lately Advocated by Mr. Malthus], Londres, [R. Hunter,] 1821, p. 105.)
[33] Malthus.