O capital comercial ou mercantil se desdobra em duas formas ou categorias: o capital de comércio de mercadorias [Warenhandlungskapital] e o capital de comércio de dinheiro [Geldhandlungskapital], que agora definiremos em detalhe, na medida em que isso se faz necessário para a análise do capital em sua estrutura própria. E isso é tão mais necessário pelo fato de a economia moderna, mesmo em seus melhores representantes, confundir diretamente o capital comercial com o capital industrial, desconsiderando por completo suas características distintivas.
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O movimento do capital-mercadoria foi analisado no Livro II [capítulo 3]. Considerando o capital total da sociedade, vemos que uma parte dele, apesar de constituída por elementos que mudam constantemente e cujo volume é sempre variável, encontra-se no mercado como mercadoria destinada a converter-se em dinheiro, enquanto outra parte ali se encontra como dinheiro disposto a converter-se em mercadoria. Ele está sempre sujeito ao movimento dessa transformação, dessa transmutação formal. Quando essa função do capital submetido ao processo de circulação em geral se autonomiza como função específica de um determinado capital, fixando-se como uma função imputada pela divisão do trabalho a uma categoria determinada de capitalistas, o capital-mercadoria se converte em capital de comércio de mercadorias, ou capital comercial.
Já explicamos (Livro II, capítulo 6, “Os custos de circulação”, itens 2 e 3) até que ponto as indústrias do transporte, do armazenamento e da distribuição das mercadorias, sob uma forma adequada a tal distribuição, podem ser consideradas processos de produção que persistem no interior do processo de circulação. Esses episódios da circulação do capital-mercadoria se confundem, em parte, com as funções peculiares do capital comercial ou do capital de comércio de mercadorias e, em parte, encontram-se vinculados, na prática, às funções próprias deste último, ainda que, com o desenvolvimento da divisão social do trabalho, a função do capital comercial se destaca nitidamente, isto é, mostra-se como separada daquelas funções reais e independente delas. Sendo nosso objetivo definir a diferença específica dessa configuração particular do capital, faremos, pois, abstração dessas outras funções. Na medida em que o capital que funciona apenas no interior do processo de circulação, especialmente o capital de comércio de mercadorias, relaciona essas outras funções às suas próprias, ele não se apresenta em sua forma pura. Se queremos obter esta última, é preciso separá-lo de qualquer outra função.
Como vimos, a existência do capital como capital-mercadoria e a metamorfose que ele experimenta como tal na esfera da circulação, no âmbito do mercado – metamorfose que se decompõe em compras e vendas, em transformação do capital-mercadoria em capital monetário e vice-versa –, constituem uma fase do processo de reprodução do capital industrial, isto é, de seu processo global de produção; ao mesmo tempo, porém, esse capital-mercadoria, em sua função como capital de circulação, diferencia-se de si mesmo como capital produtivo. Trata-se aqui de duas formas de existência separadas e diferentes do mesmo capital. Uma parte do capital social total se encontra continuamente no mercado sob essa forma de capital de circulação em processo de metamorfose, ainda que para cada capital individual sua existência como capital-mercadoria e sua metamorfose como tal constituam apenas uma fase transitória sempre efêmera e sempre renovada, uma fase transitória da continuidade de seu processo de produção, e ainda que, em consequência disso, variem constantemente os elementos do capital-mercadoria que se encontram no mercado, ao serem constantemente retirados do mercado de mercadorias e, com a mesma constância, restituídos a ele sob a forma de novo produto do processo de produção.
Na realidade, o capital de comércio de mercadorias não é outra coisa que a forma modificada de uma parte desse capital de circulação, que se encontra constantemente no mercado, em processo de transmutação, e se encontra permanentemente inserido na esfera da circulação. Se dizemos “de uma parte”, evidentemente, é pelo fato de uma parcela da compra e venda das mercadorias realizar-se sempre diretamente entre os próprios capitalistas industriais. No presente estudo, não levaremos em conta essa parte, já que ela em nada contribui para a definição e a compreensão da natureza específica do capital comercial e porque, além disso, já foi estudada, exaustivamente para nossos propósitos, no Livro II.
O comerciante, na qualidade de capitalista, aparece primeiro no mercado como representante de certa soma de dinheiro, que ele adianta como capitalista, isto é, que pretende transformar de x (valor originário dessa soma) em x + Δx (a mesma soma mais o lucro correspondente). Mas, se não o consideramos apenas como capitalista em geral, e sim especificamente como comerciante, é evidente que seu capital tem de aparecer originalmente no mercado na forma de capital monetário, já que ele não produz mercadorias, mas se limita a comercializá-las, a servir de mediador de seu movimento, e que, para poder comercializá-las, tem antes de comprá-las, isto é, ser possuidor de capital monetário.
Suponhamos que um comerciante possua £3.000, as quais ele emprega como capital comercial. Com essas £3.000, ele compra, por exemplo, 30.000 varas de tecido do fabricante de tecidos, a 2 xelins cada, e, em seguida, vende essas 30.000 varas. Se a média anual da taxa de lucro é = 10% e se, depois de deduzidos todos os custos auxiliares, ele obtém um lucro anual de 10%, no final do ano ele terá transformado as £3.000 em £3.300. Como ele obtém esse lucro é algo de que trataremos adiante. Aqui nos propomos a examinar, sobretudo, a mera forma do movimento de seu capital. Com as £3.000, ele compra constantemente tecido, para voltar a vendê-lo em seguida; ele repete incessantemente essa operação de comprar para vender, D-M-D’, a forma simples do capital, tal como este é lançado no processo de circulação, sem ser interrompido pelo intervalo do processo de produção, que se encontra à margem de seu movimento e de sua função específicos.
Qual é, então, a relação entre o capital de comércio de mercadorias e o capital-mercadoria como simples modalidade do capital industrial? No que diz respeito ao fabricante de tecido, este realiza, com o dinheiro do comerciante, o valor de seu produto, a primeira fase da metamorfose de seu capital-mercadoria, sua transformação em dinheiro; e agora, permanecendo constantes as demais circunstâncias, pode reconverter o dinheiro em fio, carvão, salário etc., assim como também pode transformá-lo em meios de subsistência etc. para o consumo de sua renda; ou seja, desconsiderando o gasto da renda, ele pode dar continuidade a seu processo de reprodução.
Mas ainda que, para ele, o produtor têxtil, tenha se realizado a metamorfose em dinheiro, isto é, sua venda, esta ainda não se realizou para o próprio tecido, que continua a figurar no mercado como capital-mercadoria, destinado a passar por sua primeira metamorfose, a ser vendido. A única coisa que ocorreu com esse tecido foi uma mudança na pessoa de seu possuidor. Quanto à destinação, à posição no processo, o tecido continua a ser capital-mercadoria, mercadoria vendável; a diferença é que agora ele se encontra nas mãos do comerciante, não nas do produtor. A função de vendê-lo, de intermediar a primeira fase da metamorfose, foi transferida do produtor ao comerciante e transformada no negócio específico deste último, ao passo que antes ela era uma função que o próprio produtor devia desempenhar, depois de produzi-lo.
Suponhamos que não seja possível ao comerciante vender as 30.000 varas de tecido durante o intervalo de tempo que o produtor dessa mercadoria necessita para lançar de novo no mercado outras 30.000 varas por um valor de £3.000. Nesse caso, o comerciante não pode comprar do fabricante sua nova mercadoria, pois tem no armazém as 30.000 varas não vendidas, ainda não transformadas em novo capital monetário. Tem-se, então, um estancamento, uma interrupção da reprodução. O produtor têxtil poderia certamente dispôr de capital monetário adicional, que, independentemente da venda das 30.000 varas, fosse suficiente para converter esse capital monetário em capital produtivo e, assim, dar continuidade ao processo de produção. Mas essa suposição não altera em nada a questão. Na medida em que se considera o capital adiantado nas 30.000 varas, seu processo de reprodução está e segue interrompido. Vemos, pois, de maneira palpável que as operações do comerciante não são senão aquelas que, em geral, devem ser realizadas para transformar em dinheiro o capital-mercadoria do produtor, ou seja, as operações que efetuam a mediação entre as funções do capital-mercadoria no processo de circulação e suas funções no processo de reprodução. Se quem se ocupa exclusivamente dessa venda – e, além disso, da compra – fosse mero subordinado do produtor, e não um comerciante independente, essa conexão não ficaria oculta nem por um instante.
Por conseguinte, o capital de comércio de mercadorias não é senão o capital-mercadoria do produtor, que deve efetuar o processo de sua transformação em dinheiro, executar sua função como capital-mercadoria no mercado; a única diferença é que essa função, em vez de aparecer como operação secundária do produtor, aparece agora como operação exclusiva de uma espécie particular de capitalistas, dos comerciantes, e autonomiza-se como negócio de uma aplicação especial de capital.
Além disso, isso se revela também na forma específica da circulação do capital de comércio de mercadorias. O comerciante compra a mercadoria e a vende em seguida: D-M-D’. Na circulação simples de mercadorias, ou mesmo na circulação de mercadorias que se manifesta como processo de circulação do capital industrial, M’-D-M, a circulação é mediada pelo fato de que toda peça monetária troca duas vezes de mãos. O produtor têxtil vende sua mercadoria, o tecido, transformando-a em dinheiro; o dinheiro do comprador passa para suas mãos. Com esse mesmo dinheiro, ele compra fio, carvão, trabalho etc., volta a gastar o mesmo dinheiro para reconverter o valor do tecido nas mercadorias que constituem os elementos de produção do tecido. A mercadoria que ele compra não é a mesma mercadoria, não é uma mercadoria do mesmo tipo da que ele vende. Ele vendeu produtos e adquiriu meios de produção. A situação é diferente no movimento do capital comercial. Com as £3.000, o comerciante têxtil compra 30.000 varas de tecido e vende as mesmas 30.000 varas de tecido para retirar da circulação o capital monetário (£3.000, além do lucro). Portanto, nesse caso, quem muda duas vezes de lugar não são as mesmas peças monetárias, mas a mesma mercadoria; ela passa das mãos do vendedor às mãos do comprador e das mãos do comprador, que agora tornou-se vendedor, às mãos de outro comprador. Ela é vendida duas vezes e ainda pode ser vendida por diversas outras vezes mediante a interpolação de uma série de comerciantes, e justamente essa repetida venda, a dupla troca de lugar da mesma mercadoria, é o que permite o retorno do dinheiro adiantado na compra da mercadoria pelo primeiro comprador, isto é, que opera a mediação pela qual esse dinheiro reflui para ele. No caso M’-D-M, a dupla mudança de lugar do mesmo dinheiro faz com que a mercadoria seja alienada sob uma forma e apropriada sob outra. No outro caso, D-M-D’, a dupla mudança de lugar da mesma mercadoria faz com que o dinheiro adiantado seja outra vez retirado da circulação. Justamente aí se mostra que a mercadoria não se vende de maneira definitiva ao passar das mãos do produtor às do comerciante e que este último não faz mais do que dar continuidade à operação da venda, ou seja, à mediação da função do capital-mercadoria. Ao mesmo tempo, porém, isso mostra que o que para o capitalista produtivo é M-D, mera função de seu capital em sua forma transitória de capital-mercadoria, é para o comerciante D-M-D’, uma valorização especial do capital monetário por ele adiantado. Aqui uma fase da metamorfose das mercadorias se mostra, com relação ao comerciante, como D-M-D’, isto é, como evolução de uma variedade específica de capital.
O comerciante vende definitivamente a mercadoria, isto é, o tecido, ao consumidor, seja um consumidor produtivo (por exemplo, um branqueador), seja um consumidor individual, que utiliza o tecido para uso privado. Desse modo, ele recupera o capital adiantado (com lucro) e pode recomeçar a operação. Se na compra do tecido o dinheiro tivesse funcionado apenas como meio de pagamento, de modo que o comerciante só precisasse efetuar o pagamento pela mercadoria seis semanas depois de tê-la recebido, e se, além disso, o comerciante a tivesse vendido antes desse tempo, então ele poderia pagar o produtor têxtil mesmo sem ter adiantado nenhum capital monetário. Se não a tivesse vendido, ele teria de pagar as £3.000 no vencimento do prazo, em vez de adiantá-las no momento da entrega do tecido; se devido a uma queda nos preços do mercado ele a tivesse vendido abaixo do preço de compra, então ele teria de repor a parte faltante a partir de seu próprio capital.
Ora, o que confere ao capital de comércio de mercadorias o caráter de um capital de funcionamento autônomo, enquanto é evidente que nas mãos de todo produtor que também se encarrega da venda ele aparece apenas como uma forma particular de seu capital numa fase particular do processo de reprodução deste último, durante a permanência dele mesmo na esfera da circulação?
Primeiro: o fato de que o capital-mercadoria, encontrando-se nas mãos de um agente diferente de seu produtor, completa sua transformação definitiva em dinheiro, isto é, sua primeira metamorfose, a função que lhe corresponde no mercado qua [na qualidade de] capital-mercadoria, e que essa função do capital-mercadoria é mediada pela operação do comerciante, por seus atos de compra e venda, de modo que essa operação se apresenta como uma atividade própria, separada das demais funções do capital industrial e, por isso, independente. É uma forma particular da divisão social do trabalho, de maneira que uma parte da função a ser desempenhada – que, em caso contrário, deveria sê-lo numa fase particular do processo de reprodução do capital, nesse caso, a da circulação – aparece como a função exclusiva de um agente de circulação diferente do produtor. Dessa maneira, no entanto, essa atividade particular não apareceria ainda de modo nenhum como a função de um capital particular, diferente e independente do capital industrial implicado em seu processo de reprodução; de fato, ela não aparece como tal se o comércio de mercadorias é realizado por simples caixeiros-viajantes ou outros agentes diretos do capitalista industrial. É preciso, pois, acrescentar a isso outro fator.
Segundo: esse novo fator intervém pelo fato de que o agente autônomo de circulação, o comerciante, adianta capital monetário (próprio ou emprestado) nessa posição. O que para o capital industrial que se encontra em seu processo de reprodução se apresenta simplesmente como M-D, como transformação do capital-mercadoria em capital monetário ou mera venda, apresenta-se para o comerciante como D-M-D’, como compra e venda da mesma mercadoria, e, por isso, como refluxo do capital monetário que se afasta dele na compra e a ele retorna por meio da venda.
Para o comerciante, na medida em que desembolsa capital para comprar mercadoria do produtor, D-M-D se apresenta sempre como M-D, como transformação do capital-mercadoria em capital monetário; o que se dá é sempre a primeira metamorfose do capital-mercadoria, ainda que para um produtor ou para o capital industrial que se encontra em seu processo de reprodução o mesmo ato possa se apresentar como D-M, isto é, como reconversão do dinheiro em mercadoria (os meios de produção) ou como segunda fase da metamorfose. Para o produtor têxtil, M-D foi a primeira metamorfose, a transformação do capital-mercadoria em capital monetário. Para o comerciante, esse ato aparece como D-M, transformação de seu capital monetário em capital-mercadoria. Se agora ele vende o tecido ao branqueador, esse ato constitui, para este último, D-M, transformação de capital monetário em capital produtivo ou a segunda metamorfose de seu capital-mercadoria; para o comerciante, tal ato é M-D, a venda do tecido que ele comprou. Na verdade, só agora o capital-mercadoria produzido pelo fabricante de tecidos foi definitivamente vendido, ou seja, esse D-M-D do comerciante constitui apenas um processo mediador para o M-D entre dois produtores. Ou, então, suponhamos que o fabricante têxtil, com uma parte do valor do tecido vendido, compra fio de um comerciante de fios. Isso constitui, para ele, D-M, mas, para o comerciante que vende o fio, esse ato se apresenta como M-D, revenda do fio; no que diz respeito ao próprio fio como capital-mercadoria, isso representa apenas sua venda definitiva, com a qual ele passa da esfera da circulação à esfera do consumo, M-D, a conclusão definitiva de sua primeira metamorfose. É indiferente, nesse caso, se o comerciante compra do capitalista industrial ou vende a ele; o fato é que o D-M-D do comerciante, o ciclo do capital comercial, expressa aquilo que, com relação ao próprio capital-mercadoria como forma de transição do capital industrial que se reproduz, não é mais que M-D, ou seja, a conclusão de sua primeira metamorfose. O D-M do capital comercial só é simultaneamente M-D para o capitalista industrial, mas não para o capital-mercadoria produzido por esse capitalista[a] – ele é apenas a transição do capital-mercadoria das mãos do industrial para as mãos do agente da circulação; somente o M-D do capital comercial é o M-D definitivo do capital-mercadoria em funcionamento. D-M-D são apenas dois M-D do mesmo capital-mercadoria, duas vendas sucessivas desse capital, que não fazem mais do que mediar sua venda última e definitiva.
Desse modo, no capital de comércio de mercadorias o capital-mercadoria assume a forma de um tipo autônomo de capital, e isso pelo fato de que o comerciante adianta capital monetário, que só se valoriza como capital, só funciona como capital na medida em que está exclusivamente ocupado em mediar a metamorfose do capital-mercadoria, sua função como capital-mercadoria, isto é, sua transformação em dinheiro, e o faz mediante compra e venda constante de mercadorias. Essa é sua operação exclusiva; tal atividade mediadora do processo de circulação do capital industrial é a função exclusiva do capital monetário, com o qual opera o comerciante. Mediante essa função, ele converte seu dinheiro em capital monetário, faz com que seu D passe pelo processo D-M-D’ e, através do mesmo processo, converte o capital-mercadoria em capital de comércio de mercadorias.
É evidente que o capital de comércio de mercadorias, na medida em que existe sob a forma do capital-mercadoria – considerando o processo de reprodução do capital social total –, não é outra coisa que a parte do capital industrial que ainda se encontra no mercado, sujeita ao processo de sua metamorfose e que agora existe e funciona como capital-mercadoria. É, pois, pura e simplesmente o capital monetário desembolsado pelo comerciante, destinado exclusivamente a comprar e vender e que, por conseguinte, jamais assume outra forma senão a do capital-mercadoria e a do capital monetário, ou seja, jamais a do capital produtivo, e permanece sempre nos limites da esfera de circulação do capital – é apenas esse capital monetário que cabe agora considerar com relação ao processo global de reprodução do capital.
Tão logo o produtor, o fabricante de tecidos, tenha vendido suas 30.000 varas ao comerciante por £3.000, ele compra com esse dinheiro os meios de produção necessários e, com isso, seu capital reingressa no processo de produção; seu processo de produção prossegue ininterruptamente. Para ele, operou-se a transformação de sua mercadoria em dinheiro; para o próprio tecido, como vimos, a transformação ainda não ocorreu. O tecido ainda não foi definitivamente transformado em dinheiro, ainda não entrou como valor de uso, nem no consumo produtivo nem no consumo individual. O comerciante têxtil representa agora, no mercado, o mesmo capital-mercadoria que nele originalmente representava o produtor têxtil. Para este último, o processo da metamorfose foi abreviado, mas apenas para prosseguir nas mãos do comerciante.
Se o produtor têxtil tivesse de esperar que seu tecido deixasse efetivamente de ser uma mercadoria, que passasse às mãos de seu último comprador, do consumidor produtivo ou individual, seu processo de reprodução se interromperia. Para não interrompê-lo, ele teria de restringir suas operações, converter uma parte menor de seu tecido em fio, carvão, trabalho etc., isto é, nos elementos do capital produtivo, conservando como reserva em dinheiro uma parte maior desse capital produtivo; assim, enquanto uma parte de seu capital se encontrasse no mercado como mercadoria, outra parte poderia dar continuidade ao processo de produção, de modo que, quando essa parte ingressasse no mercado como mercadoria, a outra refluiria em forma de dinheiro. Essa divisão do capital não é suprimida pela ingerência do comerciante. Sem esta última, porém, a parte do capital de circulação existente sob a forma de reserva monetária teria de ser sempre maior do que a parte desse capital ocupada sob a forma de capital produtivo, e a escala da reprodução teria de ser limitada na mesma proporção. Graças à mediação do comerciante, o produtor pode investir constantemente uma parte maior de seu capital no verdadeiro processo de produção, destinando uma parte menor a servir de reserva monetária.
Em contrapartida, outra parte do capital social se encontra constantemente dentro da esfera da circulação, sob a forma de capital comercial. Ela só é utilizada para comprar e vender mercadorias. Desse modo, parece ter ocorrido apenas uma troca das pessoas em cujas mãos se encontra esse capital.
Se o comerciante, em vez de comprar tecido por £3.000 com o propósito de revendê-lo, investisse diretamente essas £3.000 de modo produtivo, o capital produtivo da sociedade aumentaria. É evidente que, nesse caso, o produtor têxtil se veria obrigado a imobilizar como reserva monetária uma parte mais considerável de seu capital, e o mesmo teria de fazer o comerciante, agora convertido em capitalista industrial. Por outro lado, se o comerciante continua a atuar como tal, o produtor economiza o tempo que, de outro modo, teria de destinar às vendas, tempo que ele pode empregar na supervisão do processo de produção, ao passo que o comerciante, por sua vez, tem de dedicar às vendas seu tempo integral.
No caso de o capital comercial não ultrapassar suas proporções necessárias, teremos de supor que:
Em geral, é preciso assinalar o seguinte: a rotação do capital industrial está limitada não só pelo tempo de curso, mas também pelo tempo de produção. A rotação do capital comercial, na medida em que só comercializa uma variedade determinada de mercadorias, está limitada não pela rotação de um capital industrial, mas pela de todos os capitais industriais no mesmo ramo da produção. Depois de ter comprado e vendido o tecido de alguém, o comerciante pode comprar e vender o tecido de outro, antes que o primeiro volte a lançar uma mercadoria no mercado. O mesmo capital comercial pode, pois, servir sucessivamente de mediação para as diversas rotações dos capitais investidos num ramo da produção, o que significa que sua rotação não se identifica com as rotações de um capital industrial individual nem se limita, portanto, a repor uma reserva monetária que esse determinado capitalista industrial possa ter in petto [secretamente]. A rotação do capital comercial numa esfera da produção está circunscrita, naturalmente, aos limites da produção total dessa esfera, mas não aos limites da produção nem pelo tempo de rotação de um determinado capital dentro da mesma esfera, na medida em que esse tempo de rotação está dado pelo tempo de produção. Suponhamos que A forneça uma mercadoria que necessite de três meses para ser produzida. Depois que esse comerciante a tiver comprado e vendido, digamos, num período de um mês, ele poderá comprar e vender o mesmo produto de outro produtor. Ou, então, após vender os grãos de um arrendatário, por exemplo, ele poderá, com o mesmo dinheiro, comprar e vender os grãos de outro etc. A rotação de seu capital está limitada pelo volume de grãos que ele pode comprar e vender sucessivamente em dado intervalo de tempo, por exemplo, um ano, ao passo que a rotação do capital do arrendatário, abstraindo do tempo de curso, está limitada pelo tempo de produção, que dura um ano.
Mas a rotação do mesmo capital comercial pode também mediar as rotações de capitais em diversos ramos da produção.
Quando o mesmo capital comercial, em diversas rotações, serve para converter sucessivamente em dinheiro diversos capitais-mercadorias, quer dizer, para comprá-los e vendê-los um após o outro, a função que ele desempenha como capital monetário com relação ao capital-mercadoria é a mesma que o dinheiro em geral desempenha com relação às mercadorias por meio do número de seus cursos num período dado.
A rotação do capital comercial não é idêntica à rotação ou a uma única reprodução de um capital industrial da mesma grandeza, mas é, antes, igual à soma das rotações de uma série de capitais desse tipo, seja na mesma esfera da produção, seja em esferas de produção distintas. Quanto mais rápida for a rotação do capital comercial, menor será a parte do capital monetário total que figura como capital comercial, e quanto mais lenta for essa rotação, maior será tal parte. Quanto menos desenvolvida estiver a produção, maior será a soma do capital comercial em relação à soma de todas as mercadorias lançadas na circulação; porém, menor ela será em termos absolutos ou se comparada com um nível de produção mais alto. E vice-versa, quando se invertem os termos do problema. Por isso, num modo de produção pouco desenvolvido, a maior parte do capital monetário propriamente dito se encontra nas mãos dos comerciantes, cujo patrimônio constitui, em face dos outros, a riqueza em dinheiro.
A velocidade de circulação do capital monetário desembolsado pelo comerciante depende: 1) da velocidade com que se renova o processo de produção e com que os diversos processos de produção se entrelaçam; 2) da velocidade do consumo.
Não é necessário que o capital comercial percorra meramente a rotação considerada, a de comprar mercadorias por todo o montante de seu valor para depois vendê-las. Pelo contrário, o comerciante realiza ambos os movimentos ao mesmo tempo. Seu capital se divide, então, em duas partes. Uma delas consiste em capital-mercadoria, e a outra, em capital monetário. Num caso, ele compra e, assim, converte seu dinheiro em mercadorias. No outro caso, ele vende e, assim, transforma outra parte do capital-mercadoria em dinheiro. De um lado, seu capital reflui para ele como capital monetário; de outro lado, aflui para ele como capital-mercadoria. Quanto maior é a parte que existe sob uma forma, menor é a parte que existe sob a outra. Elas se alternam e se compensam. Se com o emprego do dinheiro como meio de circulação se combinam seu emprego como meio de pagamento e o sistema de crédito que nele se baseia, diminui ainda mais a parte de capital monetário do capital comercial em proporção à grandeza das transações que esse capital comercial realiza. Se compro vinho por £1.000 com um prazo de pagamento de 3 meses e o vendo à vista antes de expirado esse prazo, então não preciso adiantar nem um centavo para essa transação. Nesse caso, é claro como a luz do dia o fato de que o capital monetário, que aqui figura como capital comercial, não é outra coisa senão o próprio capital industrial em forma de capital monetário, em seu refluxo para si mesmo sob a forma de dinheiro. (O fato de que o produtor que vendeu £1.000 de mercadorias com 3 meses de prazo para o pagamento possa descontar no banco a letra, isto é, a nota promissória, não altera em nada a questão e não tem nenhuma relação com o capital do comerciante.) Se nesse ínterim os preços de mercado da mercadoria caíssem em 1/10, o comerciante não só não obteria lucro nenhum, como receberia £2.700, e não £3.000. Para pagar, ele teria de adicionar £300. Essas £300 funcionariam apenas como reserva para o nivelamento da diferença de preços. O mesmo vale para o produtor. Se ele mesmo tivesse vendido a preços decrescentes, ele também teria perdido £300 e não poderia recomeçar a produção na mesma escala, sem capital de reserva.
O vendedor têxtil compra tecido do fabricante por £3.000; dessa soma, o fabricante utiliza £2.000 para comprar fio. O dinheiro com que o fabricante paga esse comerciante não é o do comerciante têxtil, que recebeu mercadorias no valor dessa soma, mas a forma-dinheiro de seu próprio capital. Nas mãos do comerciante de fios, essas £2.000 aparecem agora como capital monetário refluído; mas até que ponto elas o são, como distintas dessas £2.000, isto é, como a forma-dinheiro que o tecido abandonou e a forma-dinheiro que o fio adotou? Se o comerciante de fios comprou a crédito e vendeu à vista antes de expirar seu prazo de pagamento, então nessas £2.000 não há um único centavo de capital comercial que se diferencie da forma monetária adotada pelo próprio capital industrial em seu processo cíclico. Portanto, o capital de comércio de mercadorias, na medida em que não é a mera forma do capital industrial que se encontra sob a figura de capital-mercadoria ou capital monetário nas mãos do comerciante, é tão somente a parte do capital monetário que pertence ao próprio comerciante e que é posto em circulação na compra e venda de mercadorias. Essa parte representa, em escala reduzida, aquela parcela do capital desembolsada para a produção, a qual se encontra sempre nas mãos do industrial como reserva monetária, meio de compra, e há de circular sempre como seu capital monetário. Essa parte se encontra agora reduzida nas mãos de capitalistas comerciais e funciona constantemente como tal no processo de circulação. É a parte do capital total que, abstraindo dos gastos de renda, tem de circular sempre no mercado como meio de compra a fim de assegurar a continuidade do processo de reprodução. Ela é tanto menor em relação ao capital total quanto mais veloz é o processo de reprodução e quanto mais desenvolvida se encontra a função do dinheiro como meio de pagamento, isto é, quanto mais desenvolvido esteja o sistema de crédito[38].
O capital comercial não é senão aquele que atua dentro da esfera da circulação. O processo de circulação constitui uma fase do processo global da reprodução. Mas no processo da circulação não se produz nenhum valor, por conseguinte, tampouco mais-valor. Nele ocorrem apenas alterações de forma da mesma massa de valor. Com efeito, nele não ocorre mais do que a metamorfose das mercadorias, que, como tal, não guarda qualquer relação com a criação ou a modificação de valor. Se na venda da mercadoria produzida se realiza um mais-valor, é porque esse mais-valor já existia nessa mercadoria; no segundo ato, portanto, em que se volta a intercambiar o capital monetário por mercadoria (elementos de produção), tampouco o comprador realiza um mais-valor; esse ato não faz mais do que iniciar a produção de mais-valor mediante o intercâmbio de dinheiro por meios de produção e força de trabalho. Pelo contrário, na medida em que essas metamorfoses consomem tempo de circulação – tempo no qual o capital não produz absolutamente nada, tampouco mais-valor –, o que esse tempo faz é limitar a criação de valor, e o mais-valor, enquanto taxa de lucro, se expressa precisamente na proporção inversa da duração do tempo de circulação. Por conseguinte, o capital comercial não cria valor nem mais-valor, não diretamente. Na medida em que contribui para a abreviação do tempo de circulação, ele pode ajudar indiretamente a aumentar o mais-valor produzido pelo capitalista industrial. Na medida em que ajuda a expandir o mercado e em que medeia a divisão do trabalho entre os capitais, isto é, em que capacita o capital a trabalhar em maior escala, sua função promove a produtividade do capital industrial e sua acumulação. Na medida em que abrevia o tempo de curso, ele eleva a proporção entre o mais-valor e o capital adiantado, isto é, a taxa de lucro. Na medida em que coloca na esfera da circulação uma parte menor do capital como capital monetário, ele aumenta a parte do capital diretamente investida na produção.
[a] Na primeira edição, “para este último”. Alterado de acordo com o manuscrito de Marx. (N. E. A.)
[38] Para classificar o capital comercial como capital de produção, [George] Ramsay o confunde com a indústria do transporte e chama o comércio de “the transport of commodities from one place to another” [o transporte de mercadorias de um lugar para outro] (An Essay on the Distribution of Wealth, [Edimburgo, Adam and Charles Black, 1836,] p. 19). A mesma confusão já se encontra em [Pietro] Verri (Meditazioni sull’[a] ec.[onomia] pol.[itica], [Milão, 1804, p. 32,] §4) e [Jean Baptiste] Say (Traité d’ec.[onomie] pol.[itique] v. I, [Paris, Déterville, 1803,] p. 14-5). – Em seus Elements of pol.[itical] ec.[onomy] (Andover e Nova York, 1835), diz J. P. Newman: “In the existing economical arrangements of society, the very act which is performed by the merchant, of standing between the producer and the consumer, advancing to the former capital and receiving products in return, and handing over these products to the latter, receiving back capital in return, is a transaction which both facilitates the economical process of the community, and adds value to the products in relation to which it is performed” [“Na atual organização econômica da sociedade, a verdadeira operação que o comerciante realiza, a saber, a de estabelecer a mediação entre o produtor e o consumidor, adiantando capital ao primeiro para receber produtos em retorno e transferindo esses produtos ao segundo para receber capital em troca, é uma transação que tanto facilita as operações econômicas da comunidade como agrega valor aos produtos em relação aos quais ela se realiza”] (p. 174). Produtor e consumidor poupam, assim, dinheiro e tempo mediante a interposição do comerciante. Esse serviço exige que se adiante capital e trabalho e tem de ser recompensado, “since it adds value to products, for the same products, in the hands of consumers, are worth more than in the hands of producers” [“porquanto agrega valor aos produtos, já que os mesmos produtos valem mais nas mãos do consumidor do que nas mãos do produtor”]. Por isso, para ele o comércio aparece, exatamente como para o senhor Say, como “strictly an act of production” [estritamente um ato de produção] (p. 175). Esse critério de Newman é radicalmente falso. O valor de uso de uma mercadoria é maior nas mãos do consumidor do que nas mãos do produtor, simplesmente porque é naquelas que ele se realiza, pois o valor de uso de uma mercadoria só se realiza, só entra em funcionamento enquanto a mercadoria não entra na esfera do consumo. Nas mãos do produtor, ele só existe de forma potencial. Uma mercadoria não é paga duas vezes, primeiro em seu valor de troca e depois em seu valor de uso. Quando pago seu valor de troca, aproprio-me de seu valor de uso. E o valor de troca não obtém o mínimo incremento pelo fato de que a mercadoria passa das mãos do produtor ou do intermediário às mãos do consumidor.